Casa velha de amar.

“– Que mancha é essa na parede, vozinho?”

“– É beijo de batão da vó, menino”

“– Mas na parede? Que houve dela de fazer isso, vozinho?”

“– Fez de amor, uai! Fez de amor, menino!”

“– Mas devia de ter feito na cara do vozinho…tinha não?”

“– Tanto fez, menino, que dessas coisas ocê ainda não calcula. O vô tem é batão no sangue já, que a velhice da pele trouxe de tudo pra dentro. Tudo aqui dentro, meu menino.”

“– Tendo não, vozinho! Gente grande complica muito das história que conta!”

“– Mentira nem é não o dito seu. Mas a vida complica tudo – até a gente mesmo. É meninice essa confusão toda sua ainda, tenha paciência meu filho…”

“– Mas, vozinho, a vózinha largou o sinhô e se fugiu com Deus…não entendo não! É amor essas coisa assim? É amor não! Pra mim que de amor e de amar a gente nunca que morre – nunca! Vó amava não, amava nem eu que ela tratava de criazinha apaixonada: nem mãe!”

“– Mas parte o coração do vozinho, menino! Bate na madeira e nunca que fale mais uma besteirada dessas! Vó amava nóis todos: todos. Veja bem que houve da querença do sinhô que ela subisse a algum serviço, mas amar foi o que ela só fez a nóis aqui menino…”

“– Mas explica então, vozinho, que eu encuquei: por que o beijo de batão na parede? Por quê?”

“– É simples e complicado: a gente quando nasce chorar só sabe, mas de alegria? De doença? Não! É de falta do quente do amor da barriga da mãe – ocê chorou de monte também. Vózinha tacou beijo muito no vozinho, muito! E tacou um de despedida de sempre, mas esse, e os outros já antigos, se botam pra dentro da gente, meu filho. O corpo parece que carece de tacar essas coisas nas veias da gente que, dasveiz, o coração até acelera! E disso tudo a gente só para de padecer quando é que morremos de direto, quando a alma esfumaceia nas altura. Tua vozinha era sabida, alegrada, sabia botar dente em carreira de sorriso. Quando penso nos beijos da vozinha aqui, dentro do corpo velho e acabado do vozinho, me dói tudo as conjuntura, as vista se cinzenta e me dói uma dor sem lugar dentro da cabeça. Ah! Que tristeza, meu menino, que tristeza! É só saudade, e quem vive feliz com saudade? Quem é que se pica de alegreza na saudade? Hein? Vozinha sabida era, sabia que ia dor na gente – ah sabia! Passou batão forte nos beiço e tascou um beijo engraçado na parede da cozinha, porque de comer carece o homi, pra não morrer das faltas da terra; e de se enfelizar um tiquinho todo dia carece também o homi que não tem muito do que viver, porque vive de saudade…e aí já é impulso novo de vida boa! Daqui pra dentro do vozinho as lembrança machuca, mas as parede branca dentro daqueles beiço de batão é um sorriso grandão, que me alegra o dia e não me deixa esquecer – a memória falha nas idades – que a felicidade eu tive foi dentro das paredes dessa casinha que permanece…”

“– Tendi foi nada não, vozinho…”

Vinicius de Andrade
Enviado por Vinicius de Andrade em 16/08/2012
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