O dom do inimigo

Estar sozinho a essa altura do campeonato é dizer adeus para todas as pespectivas. Ter um dia de cão, é uma grande análogia. Não ter é criar uma grande importância para algo impotente. Sugiro que vamos para outro local que não seja a minha mente. Ela está sentada de fronte para mim. Dois estão sobre a mesa, e mais duas cervejas chegam. Ela espera que eu diga algo sobre mim. Ela queima o cinzeiro com cigarros, e eu apenas consigo sorrir sobre o drama psicopata, em que ela transaforma essa noite. Significar... sugerir, ela diz. Eu me recolho e dou de ombros. Tenho tanto medo que chego a ter cinco anos menos. Pago a conta. Saiu do café. Não posso ir para sua casa. Ponho-a dentro do táxi, e sigo a pé. Sento um pouco nessa noite. O vento chega a distribuir algumas mechas sobre meu rosto. Sinto falta de quando ela está comigo. Entro em outro café. Compro cigarros, os ultimos dessa noite, outro carregamento chegará bem cedo - diz o jovem balconista. Saiu porta fora e carrego meus quarenta anos comigo novamente. Digo: Perdão! - Ela nunca me perdoará. Não sabe o que me espanta. Não sabe que faço quarenta e um essa noite. Vejo lá, distante, logo na entrada da ponte. meus heróis me perseguem. Dizem que sou um fracasso. Gargalho. Não choro. Gargalho com toda força possível, e com o cigarro entre os dedos. Passo por uma senhorita. Jovem. Sonhos que nunca alcançará. Dou-lhe boa noite. Ela sorri. Talvez deseje ir para cama comigo. Não dou continuidade na conversa para que não crie uma proposta. Sou jovem nessa noite. Eles me seguem, os heróis. Dizem que posso estar exagerando. Não hesito. Estou só numa noite fria, que se tornou fria após um dia quente, num dia de cão.

Penso que Marie possa estar pensando em como acabei com a minha noite. Deve ter procurado outro rapaz. Outro assim, da mesma idade. Sempre lhe resucita os sonhos. Quer ser uma grande escrita. Estou aqui, grito. Dou corda as minhas satisfações. Me canso das garotas, então me deito com os caras, esses jovens escritores. Vão carregar um pedaço de mim por toda a vida.

Lá está outro rapaz. Está sentado sobre os degraus de uma entrada. Sabe que me espera. Não me espanto. Tenho alguns livros que lhe possam servir. Ou uma nova história que possa ser escrita, e ser citado seu nome. Digo que não escrevo bem aos quarenta anos. Ele diz que tenho quarenta e um. É um bom rapaz. Convido-me para entrar. Diz que talvez não possa demorar, mas que se encontra disposto a arriscar velhas intuições. os heróis estão do outro lado da rua. Sabem que preciso de trinta segundos, quarenta no máximo. Outro jovem quer se deitar comigo.

No corredor há um poster que diz, "iSí se puede!", com uma mulher meio 'revolução capixaba' fazendo um gesto braçal. Tenho orgulho desses jovens revolucionários. Digo que gosto das suas coxas. Ele sorri. Tenho vontade de dormir, de dorminar minhas vontades, de escrever. Pego a segunda opção, e a adrentro em mim com um gole de conhaque. Tenho a certeza de que vai comentar sobre algum livro meu. Talvez o mais antigo. Estou certo. Dez minutos depois estou de calças arriadas e fazendo todo o trabalho. Volto para casa em trinta. Ele mora dois quarteirões de mim. Talvez tenha me esperado por semanas. Imagino que foi um grande garoto. Acho que me disse ter vinte e três anos. Esqueci seu mano-escrito sobre a mesa de centro. Não hesitará em estar na minha porta amanhã para entregar.

Na manhã seguinte, estou no escritório cedo. Odeio café, e fumo meu segundo cigarro da manhã. Tenho projetos a serem concluídos. Monalisa sabe que tenho que ficar sozinho até o fim dos meus dias. Estou podre de vontade de não sair essa noite, de não ver Marie, da quele garoto não aparecer por aqui. Crio alguma importância no meu dia. Tento encontrar velhos amigos, aqueles que nunca morrerão. Sinto saudades de Cýnthia, Nícolas, Déborah... Mas estão todos ocupados essa hora da manhã. Venta mais forte, e a cortina batendo com força na janela começa a me chamar a atenção. Digo para Monalisa que não feche a janela, mas que retire a cortina. Tenho que ver a raça humana outra vez. Essa tristeza. Essa agônia. Alguém lá fora deve estar amando outro alguém, transformando o mundo num lugar mais brilhante. Um dos heróis bate na janela e me chama para fora. Pego meu casaco e saíu. Vejo crianças brincando, mães, pais, mas tudo com uma aparência cínza. Creio nessa verdade. Estou fora do padrão de qualquer vontade. Torno-me um velho, um sabichão. Logo colocarão meu nome num quadro de pensador, e eu direi: Vida, vida. Morte, morte. - O mundo aplaudirá. Todos os heróis irão rir. Vão dizer que todos são idiotas. Por que? Porque sou um velho. E as pessoas dirão: Mas ele se deitou com um cara de vinte e três anos. Poucos desses não abaixarão as calças.

O último dos heróis diz que estou apaixonado. É o que menos me conhece. Estou bem em não sentir nada, lhe digo. Não me apaixono, sou um pederasta. Diz que devo convidá-lo para colher maçãs. Gargalho. Realmente me conhece pouco. Logo estarei vestindo rosa, e correndo pela grama. No fim do percurso, o menino me abraçará, e então seremos felizes para sempre. Velhote! - ele grita. - Não me faça de babaca. -, retruco um pouco. Esse herói está na flôr da idade. Não conhecerá o mundo. Não me conhecerá. Mais na frente vejo Marie. Ela está com o rapaz. Recuo. Sinto algo colérico. Me apresenta como seu noivo. Não vejo desconforto nele. Ela parece estar animada. Estou surpreso. Nos sentamos no banco dessa rua cínza. Ela está mesmo muito empolgada. Ele parece neutro. Eu... Com quarenta anos novamente.

Yuri Santos
Enviado por Yuri Santos em 08/12/2012
Reeditado em 13/03/2013
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