Amor além da vida por Di Rodrigues

Catedral da sé. quarta-feira 17:16 da tarde. Faltando dois dias para o fim do mundo.

Tom caminhava sozinho e resolveu que precisava dar um jeito no andamento das coisas. O coração está batendo mais forte. Os olhos brilham um pouco mais e de alguma forma ele precisa encontrar respostas pra tudo o que tem acontecido. Chove muito. Suas roupas estão encharcadas, seu baseado está todo estragado no bolso lateral direito da calça jeans preta mas mantém o pequeno embrulho a salvo no bolso do blazer.

Ele entra na igreja, caminha lentamente pela nave central e ignora completamente as senhoras, os amores, as prostitutas, os dealers e os santos que o observam a distancia vestidos de preto.

As senhoras o chamam, algumas prostitutas o reconhecem, os amores o tentam, os dealers permanecem como sempre a espreita e os santos torcem pra que ele tome todas as decisões de forma adequada.

Sussurros. Alguns gemidos. Algumas lembranças e uma leve sensação de torpor, igualzinha aquela sensação maravilhosa de acender um cigarro depois do ultimo trago no charro.

Ele caminha forte. Objetivo. E ensaia dar o sorriso debochado que ele vem guardando ha algum tempo. Passa por todos. Para no altar e olha nos olhos daquele homem negro, alto, de barba comprida e olhos levemente claros que está ali aparentemente o aguardando.

- Você me ouviu, não ouviu Tom? – diz o homem.

- Parece que sim, meu velho.

- Então... o que vai ser?

- Eu tenho tempo pra pensar? – pergunta ele

-Você quer tempo pra pensar Tom?

- Cacete... Você não pode esperar que eu tome todas as decisões pra mudanças internas com tanta influencia externa.

- Deus escreve certo por linhas tortas Tom.

- O que você quer dizer com isso meu bom homem? Eu digo... Você me chama aqui pra me mostrar o caminho certo, mas desenha perfeitamente a rota pra que eu pegue o errado?

- É exatamente isso, filho.

- Posso me reunir com o pessoal antes?

- Você sabe que se você for, tens grande chance de cair não é?

- Sei sim. Posso acender um cigarro?

- A história é sua Tom... Escreva-a da forma que achar correta. Só não vá seguir o clichê de jogar a bimba na água benta porque outros virão após você.

- Ok. Temos um trato.

Tom acende o malboro vermelho e vai de encontro às velhas, aos amores, ao seu futuro como escritor e ao sonho de ter uma poltrona de couro e uma coleção de discos e de fotografias.

Ele se sente incrível novamente, se sente forte. As velhas o recebem de braços abertos, seus amores estão mais tentadores do que nunca, estão lindas e ele imagina que estão todas molhadas esperando por ele. Uma delas o direciona para a poltrona e faz com que ele se sente enquanto consegue de alguma forma fazer tocar o seu rock preferido nas caixas de som da catedral. A vida está perfeita! O momento está perfeito. Ele olha pro Negro no altar e sorri pra enquanto pensa “Que tipo de babaca abandonaria isso?”.

Ele tem duas de suas mulheres sentadas no seu colo. Uma delas acende um charro que cheira maravilhosamente bem enquanto a outra passa a mão na sua barriga. Ele dá um trago e estranhamente sente uma pontada no coração. Instintivamente ele põe a mão direita sobre o peito e sente o volume do embrulho. Sente o único dos seus bens atuais que não foram destruídos pela chuva e por tudo aquilo que ele mais ama fazer.

A pontada se transforma em batimentos fortes e fora de ritmo. Ele se sente estranho. Tenta dar mais um trago no charro mas não consegue, não vem nada. Uma de suas mulheres começa a passar a mão entre suas pernas e ele a afasta. Depois a outra. O volume do rock diminui. As velhas somem. Os dealers olham desconfiados. A poltrona se torna desconfortável, as estantes dos discos começam a quebrar e as fotografias pegam fogo. Ele levanta atordoado. Com dificuldade caminha até o negro no altar e diz:

- Eu passei pela prova.

- Sim Tom, inacreditavelmente você passou.

- Vamos terminar logo com isso.

Ele entrega o embrulho pro homem no altar que o recebe e o abençoa.

Tom acena com a cabeça. Vira o corpo e caminha em direção à saída da catedral e agora sim ele libera todo aquele sorriso filho da puta que estava guardando desde o início e escuta um dos amores:

- Estaremos te esperando, gostoso!

- Não dessa vez baby!

Ele sai da igreja e faz uma ligação.

- Alo?

- Oi, sou eu!

- Oi, amor! Nossa voce não sabe... estou indo pro restaurante onde tivemos nosso primeiro encontro! Eu amo aquele lugar! Mudou tanto minha vida! Voce pode me encontrar lá?!

- Estou indo. Chego em 30 minutos.

- Olha... eu te amo, chega logo.

- Estou indo sua maluca!

Eles desligam o telefone. Tom passa a mão sobre o embrulho que novamente está no bolso do blazer e caminha em direção ao metro, ensaia o discurço da proposta enquanto percebe que não chove mais, que ao invés de pontos, vários pássaros de várias espécies habitam a praça. As fontes estão funcionando. Os trabalhadores não correm. As crianças não estão pedindo dinheiro. Os mendigos não estão usando drogas. Os traficantes foram todos presos e ele caminha, simplesmente caminha e cuida do embrulho no bolso do blazer como um pai cuida de um filho que tem potencial pra ser uma cria brilhante e maravilhosa.

Di Rodrigues
Enviado por Di Rodrigues em 19/12/2012
Código do texto: T4044011
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