Por Amor

Por Amor

Ele ainda não conseguia compreender como aquilo fora suceder com ele, logo com ele que sempre jurara que jamais se deixaria prender nas garras da paixão.

Agora ali estava ele, como estivera no dia anterior, e no outro antes, e no outro, e no outro..., à porta da loja onde ela trabalhava, ali estava ele só para a poder ver sair, sim era só para a poder ver sair, já que lhe faltava a coragem para lhe dirigir palavra, tinha receio de a perder de uma vez por todas, não compreendia que não poderia perder aquilo que não lhe pertencia, todos os dias prometia a si mesmo que seria no dia seguinte que lhe falaria, mas era sempre a mesma coisa, via-a sair, deixava-a afastar-se alguns metros, seguia-a, apanhava o mesmo autocarro que ela, procurava sentar-se a seu lado, quando tal não lhe era possível, tentava sentar-se em frente a ela, saía quando ela, dava meia volta pelo quarteirão, para disfarçar e fazia o trajecto em sentido contrário.

Há muito que ia directo do autocarro para casa, deixara de parar no café, onde sempre parara, mal beijava a mulher ao chegar a casa, dirigia-se para a sala, sentava-se no sofá e punha-se a sonhar com ela. Só saía do seu sonho quando a mulher o ia chamar para jantar, jantava apressadamente, raramente comia sobremesa e voltava para o sofá, deitava-se, tapava a cabeça, fechava os olhos e punha-se a sonhar com ela.

A mulher começava a ficar preocupada, ele recusava-se a sair com os amigos, já nem saía para ir ao futebol, algo se passava com o marido, desde há pouco mais de um mês que ele não era o mesmo, precisava de descobrir o que se passava, aquilo não poderia ser só cansaço. Seria que estava gravemente doente? tinha de fazer alguma coisa, tinha de descobrir.

No dia seguinte esperou que chegasse a hora do marido sair do trabalho e resolveu ir fazer-lhe uma surpresa, iria esperá-lo, convidá-lo para darem um passeio, irem ao cinema, jantar fora, tinha de ajudar o marido.

Entreteve-se a ver as montras que ficavam próximo do escritório do marido, ficou perplexa quando o viu sair muito feliz e dirigir-se em sentido contrário ao que deveria tomar para ir para casa, resolveu segui-lo. Viu-o chegar à esquina, encostar-se e ficar ali parado, não percebia o que se passava, consultou o relógio, eram 19 horas, as lojas começavam a fechar portas, viu-o aprumar-se e colocar-se como se estivesse a espiar alguém.

Distraiu-se um pouco e quando olhou para o local onde estava o marido, este tinha desaparecido, olhou em redor e nada.

Voltou para casa, meteu a chave à porta e verificou que a mesma continuava fechada à chave, isso queria dizer que o marido ainda não tinha chegado. Preparou o jantar, como normalmente fazia, o marido chegou e repetiu-se tudo o que se vinha passando nos ultimos tempos, optou por não lhe contar nada.

No dia seguinte voltou a ir ao encontro do marido, seguiu-o com toda a atenção, viu-o esperar pelo fecho do comércio, viu-o sair da esquina onde se encontrava, viu-o apanhar o autocarrro, regressou a casa e voltou a optar por não falar do sucedido ao marido. Iria descobrir o que se passava.

Ao fim do sexto dia tinha conseguido descobrir a causa do comportamento do marido, tinha, inclusivé, identificado a mulher que estava na origem de toda aquela história, precisava de arranjar uma maneira de chegar até aquela mulher, mas tinha de o fazer de uma forma discreta, havia peças naquela história que não encaixavam umas nas outras, não se podia precipitar.

No dia seguinte dirigiu-se à loja onde trabalhava a moça, era uma perfumaria, pôde admirá-la, era extremamente bonita, um corpo perfeito, um rosto muito bem delineado e uns modos que denotavam uma extrema sensibilidade e doçura, fez-se interessada num perfume de homem e conseguiu captar a atenção da moça:

- Posso ajudá-la?

- Sim, queria escolher um perfume para o meu marido, mas não sei bem qual.

A moça foi-lhe fazendo algumas perguntas sobre os gostos do marido, ela foi-lhe falando dos perfumes preferidos do marido e foi, ao mesmo tempo, fazendo algumas perguntas à moça, ficou a saber que a mesma era casada, perguntou-lhe de rompante:

- A menina é muito bonita, já alguma vez se sentiu assediada?

A moça olhou-a nos olhos, pegou-lhe na mão e disse-lhe:

- O perfume é para o seu marido, ou para outro alguém?

- Não, não, o perfume é para o meu marido, eu seria incapaz de o trair, e olhe que pretendentes não me têm faltado.

- A senhora nem me fale nisso, se eu lhe contasse o que me está acontecer.

- A menina está apaixonada por alguém que não o seu marido?

- Não, eu amo o meu marido, sou extremamente feliz, o que eu lhe estava a dizer é uma história inacreditável, é algo que eu pensava que só aconteciam com os miúdos.

Ela não conseguia esconder a sua curiosidade, pediu:

- Conte.

- Há pouco mais de um mês, tenho um homem, um verdadeiro cavalheiro, totalmente perdido de paixão por mim, ele pensa que eu não percebo, espera-me à saída da loja, segue-me, apanha o mesmo autocarro que eu, tenta ficar junto a mim, sai comigo do autocarro, e depois volta para trás. Nunca me dirigiu uma palavra que fosse, no entanto o seu olhar irradia amor, não tenho dúvidas algumas de que aquele homem tem um amor platónico por mim.

- Posso perguntar-lhe uma coisa?

- Sim.

- Nunca sentiu vontade de ser a menina a dar o primeiro passo.

- Não. Como já lhe disse, amo o meu marido e não quero dar falsas esperanças a um homem que me dedica um amor assim.

- Posso pedir-lhe um favor?

- Claro, diga.

- Primeiro tenho de lhe contar uma coisa, esse homem é o meu marido, eu vim aqui para tentar perceber o que se passava, eu sabia que havia peças de duas histórias distintas em tudo isto. Peço-lhe que me desculpe.

- Eu compreendo-a, a senhora quis certificar-se se havia alguma coisa entre mim e o seu marido, é normal, a senhora não me conhece de lado nenhum. Mas o que é que me queria pedir?

- Esqueça, não tenho o direito de lhe pedir isto.

- Não, parece-me que já percebi o que me queria pedir. Quer que eu a ajude a descobrir se o seu marido a ama. Não é?

- Sim, era isso mesmo.

Os dias foram passando, tudo continuava na mesma, até que um dia, ele chegou a casa, beijou-a e disse-lhe:

- Amor, deixa isso, anda comigo, preciso contar-te uma coisa.

Ele segurou-lhe nas mãos e contou-lhe todo o seu caso de amor platónico que dedicara àquela mulher, realçando no entanto que acabara por compreender que era a ela que amava de verdade.

Ela beijou-o apaixonadamente.

ele nunca tivera coragem de dirigir uma palavra que fosse à moça, mas agora tivera a coragem suficiente para lhe contar a sua paixoneta por aquela linda mulher, ele não a amara, amara a sua beleza exterior, era só o que conhecia dela.

- Perdoas-me?

- Sim, com uma condição.

- Qual?

- Perdoares-me o facto de eu também me ter apaixonado por uma mulher muito bela, a mulher mais bela que alguma vez conheci, tu apaixonaste-te pela beleza exterior, eu pela beleza interior, quem sabe se da mesma mulher.

Ele não compreendeu nada do que a mulher lhe estava a dizer, mas também não lhe importava. Estava Feliz.

Francis Raposo Ferreira

FrancisFerreira
Enviado por FrancisFerreira em 27/12/2012
Código do texto: T4055923
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