A passagem comprada, roteiro pronto, malas afiveladas e ela parte em direção a Buenos Ayres. Não era uma viagem qualquer. No fundo funcionaria como uma libertação. Quebra de amarras, descobrimento do novo, quiçá de novas e fulminantes paixões. Uma sensação de liberdade pairava no ar. Uma sede de viver o novo, o desconhecido, sem barreiras, até as últimas conseqüências.
      Na sua cabeça, lembranças de fotos e filmes onde o tango é visto como objeto de prazer. Eis porque ele começou a povoar seus sonhos. E a fantasia foi aumentando com a chegada a Buenos Ayres. O hotel reservado se encaixava perfeitamente no desejado. Uma pequena sacada descortinava uma praça enorme, agasalhando casais enamorados. Tudo concorria para acontecer algo realmente estupendo.
       O primeiro dia estava cinzento. Ela banhou-se e desceu para o café. Escolheu uma mesinha no fundo do salão e passou a observar os presentes. Logo um garçom aproximou-se de sua mesa. Na bandeja, um cartão. Segundo ele, endereçado a ela. A surpresa e a curiosidade fizeram com que ela rasgasse o envelope. Num cartão vermelho lia-se. " Quero ter o prazer de lhe apresentar ao tango. Hoje à noite, às 21 horas, na Praça de San Telmo". Ela não questionou. Simplesmente entendeu que aquilo fazia parte do sonho.
       Olha o relógio e vê que ainda tem tempo para comprar uma roupa que estivesse à altura de tamanho acontecimento. Uma olhada nas vitrines e lá está o vestido preto de decote ousado, uma grande fenda na perna a lhe chamar a atenção. A quantia, fora de seu planejamento, mas valeria à pena. Necessário se fazia um sapato de salto grosso, de verniz, para realçar o vestido. Para fechar o figurino, uma camélia vermelha que serviria para arrematar os cabelos.
        A volta ao hotel foi rápida. Enche a banheira com sais e logo a espuma perfumada cobre seu corpo. Resolve então tomar uma taça de vinho como preparação para a noite que certamente seria a melhor de sua vida. Demora bem mais do que de costume. Quer prolongar o prazer.
        O vestido lhe cai como uma luva. Uma escovadela nos cabelos presos apenas pela camélia. Olha-se no espelho, perfeita. Um toque de perfume arremata o visual.  Sente-se jovem, linda.
       A Praça de San Telmo fica perto do hotel. Resolve caminhar até lá apreciando o frio da noite. O mistério, doce mistério, logo será devendado. Senta-se numa mesa embaixo de uma das arvores da praça, pede uma taça de vinho. O cenário está montado. A espera começa. Seus olhos acompanham todos os presentes e fica a imaginar qual deles será o mandante do convite para o tango. Um jovem de cabelos negros se aproxima. Ela pensa, deve ser esse. Que sorte! Ele é bonito. Mas, o rapaz não se aproxima. Outro passa perto, a observa, mas também não fala. Pena... As horas passam, uma segunda taça é pedida, a demora começa a se estender, mas ela continua na certeza que tudo acontecerá. A terceira taça chega e ela passa a duvidar se seu par irá aparecer. Mas, espera. As horas passam, as pessoas começam a escassear. Só lhe resta voltar ao hotel. Uma tristeza enorme a toma. Seus passos são lentos, tristes. De repente, seus anos pesam. Mas, restou a dúvida. Por que ele não apareceu? Sobe para o quarto e não consegue adormecer. Começa a fantasiar justificativas para o desencontro. Quem sabe algo grave o impediu? Melhor pensar assim.
        Vai par o café e lá está o garçom que lhe levou o convite. Logo que a vê, ele se aproxima e diz. "Queira me desculpar, ontem eu lhe entreguei um convite que era endereçado a outra pessoa. Desculpe!"