Madalena quer Cultivar




Madalena era uma moça comum, que se ocupava dos afazeres domésticos e vivia só, mesmo datando da idade de apenas 20 anos. É um caso a parte explicar a situação de sua família biológica. Era dada e sua expressão de alegria era facilitada por amigos e vizinhos, já que vivia em uma comunidade bastante modesta. Seu ganha-pão principal era o ofício de lavadeira mensalista, que o fazia tranquilamente sem queixar-se. Todavia havia uma velha senhora que considerava como avó e assim a tratava.
D. Norma era aposentada e gostava de conversar inclusive sozinha. Com a viuvez e heptagenária, dedicava-se ao bordado, à roda de chimarrão, e as novelas. Além do hábito de visitar o túmulo do marido, quase que mensalmente.
Certa vez Madalena ajudou-a com a colheita de algumas flores silvestres, mais por achar que a esguia senhora poderia sentir-se cansada e também pela dificuldade de compra-las. Obteve um belo ramalhete, não era pomposo como de floricultura, mas creio que seu João Sérgio não ia perceber a diferença, tampouco o perfume.
- Vó Norma venha cá, olha o que consegui, “tá” bom assim?
- Pode ser minha filha, vamos andando que já é tarde.
Após mediano trajeto, a anciã ao longe escuta uma canção antiga de Dolores Durán. Sente o coração apertado de nostalgia da juventude. Madalena não entendeu a cara marejada da avó emprestada. Mais marejada ainda ficou ao deparar-se com o covil derradeiro que era o objeto da dita visita, mesmo assim não se furtou a palestrar com Sérgio.
Muito desconfiada, a jovem passou a olhar outras inscrições e epitáfios. Viu-os quase como poemas de amor e dedicatórias de vida. Contudo o que mais a maravilhava eram as flores, mesmo mórbidas, maioria já sem vista postas até mesmo ao chão, mas complementadas pelo lindo jardim que mais parecia o próprio Éden, onde cisnes valsavam sorrateiros sobre a água e cágados misteriosamente despontavam como uma de suas pétalas admiráveis que cingiam a paisagem e completavam o cenário. Era lúgubre e festivo, era calmo e admirável, quanta história de vida poderia conter ali, quanta simbologia da morte teimava em contrastar. Essas simbologias era por demais complicadas a Madalena, que só sabia admirar o rútilo naturalmente jovial das flores.
- Vamos minha filha, está ficando frio... Madalena... Madalena! – disse a velha já com ares aliviados e após também orar, entre palavras latinas que não se atreveria a jovem a perguntar o que significariam... pudera, nem prestou atenção...
- Sim ... sim D. Norma, vamos andando, cuidado o meio fio...
Madalena passou com isso a dividir seu tempo vacante e útil entre o cultivo de flores e as roupas de seus clientes. E aos poucos foi dando viço e exclusividade a nova atividade. Sensibilizados pela paixão da moça, os próprios vizinhos lhes concederam as primeiras mudas, e D. Norma que já descansa em outros ares, aliás não tão distantes assim, pois voltou a estar acompanhada, o terreninho por onde estabeleceu o cultivo e também a futura lojinha. Hoje a única que ganha flores de bom grado é D. Norma, gardênias e tulipas, mais especificamente, brotadas desse amor tardia e singular que inundou o coração de Madalena, vivia pelas flores e para as flores, e pela lembrança da avó, não naquele mesmo lugar, mas pela memória, pelo recordar daqueles olhos marejados e em seu coração ainda de menina. Enfim, sempre é tempo de recomeçar.


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créditos de imagem: schandramosaico.blogspot.com
Adam Poth
Enviado por Adam Poth em 26/03/2013
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