Livro em branco
- Demorei dez anos para terminar de ler este livro e ele acaba desta maneira!?
O barulho do pesado livro contra a parede ecoou por todo o quarto quebrando o silêncio daquela noite morna de outono.
- Por quê? Estou confusa!
A garota sibilando as últimas palavras que acabara de ler desaba pesadamente em sua cama.
- Isto não é justo! Pensei em outro final. Mas qual o motivo para acabar desta maneira?
Batidas de leve na porta são ouvidas.
- Hum?! Quem é?
- Sou eu... Daniel! Posso entrar, Emily?
Emily apressadamente arrumou um pouco da bagunça sobre a cama e cobriu parte do corpo com o edredom.
- Sim! Pode entrar. – Limpou os olhos e esboçou um sorriso –
Daniel torceu a maçaneta de leve e adentrou a penumbra do quarto da amiga.
- Sua mãe disse que você está trancada aqui faz tempo... Disse que eu poderia entrar. – Colocou uma sacola de cor parda em cima da escrivaninha de Emily –
- Ah! Desculpe, Daniel. Hoje eu terminei uma história que lia há anos e não foi da maneira agradável, sabe?
Daniel pegou o livro que estava no chão, próximo de seus pés, e observou a capa violeta com a inscrição: “Perfeição”.
- É este, não? - Balançou o livro grosso para Emily –
- Sim... É este! – A garota tristemente abaixou a cabeça colocando-a para baixo do edredom –
Deixe-me ver... – Daniel leu o final da história, mesmo não sabendo toda ela, projetou, com certas limitações, o sofrimento que se abatera na amiga –
Sinto muito... – Olhou-a com a cabeça coberta e se aproximou da estante de livros pescando o lugar de seu descanso, e localizou o buraco na prateleira, a qual Emily fez questão de identificar como: “Por toda vida” –
- Não! Não neste lugar! – A garota colocou-se de pé e com movimentos rápidos tirou o livro da mão do amigo e colocou na última prateleira: “Experiências” –
- Emily...
- Sabe... Esta prateleira... Aquela ali no topo – Apontava com os olhos – É onde guardo meus melhores livros! Mamãe, papai... Eles me deram estes livros! Tenho outros tantos de amigos que guardo com carinho. – Riu lembrando-se das belas e divertidas histórias destes –
- É por isto o nome “Por toda vida”? – Daniel sorriu olhando livros grossos e outros finos lado a lado –
- Sim! Mas este não merece um lugar lá em cima. Não mais.
Daniel retornou para a escrivaninha e retirou da sacola parda vários livros, em sua maioria contos e histórias de Ficção, e enfileirou sobre a cadeira.
- Você e sua mania de histórias do futuro. – Ela sorriu gostosamente. Aproximou olhando a capa do livro que estava à mostra –
- Acha mesmo que é possível construir uma máquina do tempo?!
- Não só é possível... –Arqueou o sobrolho e tirou um livro rosa do fundo - Como tenho uma no porão de casa!
- Que livro é este?! – Estranhou –
- Pois bem! Eu também não sei. Lá na livraria, na hora que estava fazendo minhas pequenas compras, dei de cara com ele. – Entregou em mãos para Emily que olhou cuidadosamente –
- A vendedora disse não saber o porquê o livro está assim. Disse também que no dia seguinte um representante iria buscar. Acho, muito provavelmente, que é um erro da editora.
A garota de cabelos negros abriu o livro e observou que não continha palavra alguma impressa naquelas páginas.
- Este deve ser o erro... Está em branco!
- Sim. Contudo, logo na primeira página há um parágrafo. – Guiou os olhos dela para as poucas letras do livro –
“A manhã voltou a ficar calma. O espírito estava novamente em paz. O avião iria pousar”.
Emily leu estas palavras e de súbito começou a passar milhões de coisas em sua mente. Abaixou a cabeça e apertou os óculos contra o nariz.
- Formidável! – Murmurou –
- Não é estranho? – Daniel perguntou e viu a companheira de longa data caminhar em direção à biblioteca e preencher o buraco do antigo livro por este estranho livro com as iniciais: E.N.H na capa –
A prateleira do topo estava completa novamente. E olhando novamente para ele, Emily com sua bolsa favorita em mãos, ajeitou os cabelos por de trás das orelhas.
-Vamos sair!
Daniel compreendeu e afirmou com a cabeça esperando-a na porta que se fechara atrás de ambos.
- Vamos aonde?
- Que tal um restaurante japonês? – A voz de Emily começava a ficar mais baixa –
- Não! Já te falei que não gosto de comida japonesa... – Contrariava Daniel –
- Que tal um fast-food? É mais rápido! – Murmurava o rapaz que quase não se podia ouvir mais nada –
- Eu ainda tenho amor ao meu estômago! Obrigada, mas não.
As luzes apagavam-se, a fechadura era trancada, mas a discussão continuava. Afinal... Gosto não se discute, lamenta-se.