EU A CONHECI
Tão longe vai aquele tempo em que a poesia
soava como ternura aos nossos ouvidos.

Se concordas com isto porque tens uma alma
que aprecia os pensadores, os poetas, a beleza,
as flores! És um romântico...

Eras loura, olhos cor do céu, linda e sorridente... sabias escutar e seres entendida de forma simples e doce.
Como se fosse magia sabia o momento em que devias falar. E, nenhuma palavra se perdia ou se esvaia sem sentido.

As palavras que eu dizia faziam-te fixar meu rosto com expressão atenta nos olhos, valorizando-as.
As tuas palavras, não caiam no vazio, iam-me diretamente ao centro das emoções. Perfume, beleza, juventude, som e voz. Ao simples fato de nos vermos, o coração disparava. Medo e felicidade se mesclavam. Medo, de um dia a magia terminar. Felicidade, por mais um dia te ver. Que imensa saudade desse tempo de valores, alegria, ternura e respeito. Quando respostas e perguntas mais diretas causavam um rubor em teu rosto, um sorriso de meiguice e ameno conduzir de felicidade.

O velho jardim, que chamávamos “Jardim Velho” ainda lá está, embora prefeitos tenham retirado o antigo “repuxo”, onde o esguicho de água lá no alto caia sobre um menininho que segurava um guarda- chuva. Ninguém sabe para onde se foi a estatueta do garotinho que com seu guarda-chuva e seus olhinhos de bronze, viram tantos casais por ele passarem abraçados, tantas juras de amor eterno, tantos beijos apaixonados...

Crianças a correr, balões a revoar, risos ressoando fazendo eco na velha e vetusta matriz “Do Carmo”, sempre fechada, só se abria para casamentos.

A menina molhando os pezinhos na fonte, levando um susto com a grande e velha carpa solitária da fonte. Alunos do Ginásio Estadual Afonso Pena, sentados às sombras das árvores centenárias, uns estudando, outros fazendo a tarefa e alguns cortejando as meninas.

O sorveteiro, “seu” Ângelo vendendo sorvetes, da sorveteria "Do Genaro" - os melhores da cidade - fiado, para “marcar”. Os jovens e adultos pegavam os picolés de dentro do carrinho e “seu” Ângelo marcava em uma cadernetinha, e todos acertavam as contas com “seu” Angelim - como o chamavam - quinzenal ou mensalmente, sem falta! Velhos tempos, onde os bons princípios e a honestidade eram cultivadas nas famílias e transmitidas aos filhos.

Os bancos de cimento salpicado de branco e cinza, nos encostos levavam as marcas de seus doadores: “Loja de Rádios e Aparelhos Domésticos – Venda e Consertos, Bandeirantes”com o endereço e fone.

Interessante eu citar esse banco em específico, porque era nele que sempre sentávamos, por causa dele ficar debaixo de um grande jacarandá florido e o local era bastante tranquilo às tardes, com a velha e escura catedral “Do Carmo” a lançar sua sombra fria sobre nosso canto predileto do “Jardim Velho”. Ao vento das tardes espargia as flores, que caiam sobre nós, e tingindo de rosa nosso redor.


Eu e Noemi sentávamos embaixo de um grande pé de jacarandá-rosa florido, que ao vento das tardes espargia as flores sobre nós e tingia de rosa  nosso redor...

Falávamos dos projetos para o futuro, no que gostaríamos de nos transformar profissionalmente. Ela havia-me adiantado que queria seguir a carreira do magistério, tanto que já se preparava para fazer a Escola Normal, no próprio “Ginásio e Escola Normal Presidente Afonso Pena”, eu pretendia fazer o Clássico, onde não havia alunos suficientes para se iniciar o curso e saímos, eu e colegas, convidando outros para completar o número de pelo menos quinze, conseguimos vinte. Daí fui ver, que para quem gosta de idiomas: português, francês, inglês e latim - ah! o latim -, é um prato cheio!

Na época, quem procedia a estatística - censo - do IBGE, na contagem da população, idades, sexos e escolaridades eram os já formados no ginasial, o que era o caso meu e de Noemi, qual foi nossa felicidade quando: na junção de um rapaz e uma garota, assim aos pares, ela me escolheu.

Logo ao se aproximar vi seu rostinho mais corado do que o normal, como se ela tivesse pensado, ter sido, digamos: muito ousada em tomar essa iniciativa.

Fomos para a zona oeste da cidade, nosso setor, que eu pedia aos céus que fosse enorme e levasse dias para percorrê-lo. Acho que fui ouvido, porque havia setores cujas casas eram de chácaras distantes uma das outras, divididas por vastas pastagens sem nenhum habitante.

Assim fomos percorrendo aquele setor que era o ponto mais alto da cidade, uma colina, e lá de cima ela de repente disse: “Olha lá a rua de minha casa, vou ver se consigo ver minha casa; olha lá, a sua rua e a sua casa. Conheci pelo jardim de sua mãe na frente”.

Realmente, a casa era afastada para o fundo e na frente minha mãe tinha um belo jardim. As suas flores prediletas eram as dálias de imensa variedade, mas ela cultivava violetas, cravos, margaridas, rosas de várias cores, tantas flores e folhagens coloridas... Uma enorme variedade botânica da qual muitas espécies nem mais lembro o nome.

 

Noemi era como uma fada encantada, nas tardes de sábado vinha à
minha casa buscar flores de nosso jardim...      
 
           

Do que mais me lembro ao falar desse jardim, era que Noemi como uma fada encantada, nas tardes de sábado vinha à minha casa buscar flores , com as quais se enfeitavam a igreja. Ela era uma das encarregadas de enfeitar o templo. Assim, mamãe fazia sua doação de flores para a igreja.



Minha mãe tinha um belo jardim de dálias e outras flores, mas as dálias eram as suas preferidas

Um dia, minha mãe chegou-se a mim e disse: “A Noemi gosta de você!” Eu disse: “Como a senhora sabe? Respondeu-me: “Ela me falou”. Foi numa tarde, depois que ela veio buscar as flores, sorri sozinho, acho que até falei sozinho também. Chegou a noite. Algo dentro de mim parecia não se conter, o coração acelerou, o rosto de Noemi, nunca esteve tão perto de mim nos meus pensamentos - que na verdade mesmo - não imaginava tanto: Noemi gostava de mim! Aquilo foi muito para meus dezessete anos. Ia fazer dezoito no próximo janeiro, estávamos na primavera daquele ano. Tinha ela, dezesseis anos.

Passamos a nos ver mais, a conversar mais, mas a busca da conquista profissional, da realização de meus projetos levaram-me para a capital, para ingressar na carreira militar, daí, conforme as promoções, ia para outra localidade... E depois outra... Foi quando as ausências e possibilidades de encontros se tornaram cada vez mais constantes, raras e difíceis.

Naqueles tempos, a comunicação se resumia a cartas e restritos acessos a telefones. Até que um dia, ambos com lágrimas, transformamos o encontro em despedida, para sempre... A vida nunca mais nos reatou!

Hoje, eu um oficial da reserva e advogado aposentado, ela uma inspetora escolar que finalizou sua carreira, auferindo todas as promoções.

Longos e muitos anos se passaram, um dia no interior da mesma igreja que ela sempre enfeitou, quando ocorreria um casamento, nos cumprimentamos, ela tão linda quanto sempre, me disse com suavidade: “Lembra-se do recenseamento... De nosso banco e... Do jacarandá...?”
E se despediu. Foi sentar-se nos primeiros bancos do templo.


Noemi despediu-se de mim e foi sentar-se nos primeiros bancos do mesmo templo que tantas vezes ela o enfeitou com as dálias de nosso jardim.  

Não resisti em ficar sentado lá atrás observando-lhe,muito menos  aqueles mesmos cabelos loiros agora mais curtos e apropriados; sua mesma beleza de ascendência germânica, mais madura apenas.

Eram muitas recordações... Meu coração apertou-se e doeu. Levantei-me para ir-me embora. Não podia, não iria conseguir mais ficar... As músicas programadas que li no folheto, eram as mais contundentes para um coração sensibilizado. O próprio desenrolar da cerimônia...Quantas vezes estivemos juntos ali, manipulando literalmente, as rosas e as flores de todo um sonho futuro. Antes que alguém viesse e a voz embargasse com os olhos marejados, o melhor a fazer era me retirar...

Perguntei então ao Tempo que tudo devora, o que ele faria conosco. Uma voz lá no fundo de minha alma respondeu por ele: "Deixe-me ser o Tempo, deixe-me apenas passar."

Mas o valor para mim disto tudo, muito embora nunca mais dela tenha aproximado, é que no perder a conta dos anos, carrego comigo a sublime alegria, porque: Eu a conheci!



"Eu prefiro ter a beijado uma vez,
ter a abraçado
uma vez,
ter a tocado
uma vez,
do que passar
a eternidade sem isso.
"

 
Mauro Martins Santos
Enviado por Mauro Martins Santos em 11/04/2013
Reeditado em 04/03/2015
Código do texto: T4234770
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