DISTÂNCIAS

Como esta rua esta escura hoje, pensou Ricardo quando saltou do ônibus, headphone nos ouvidos, Iron Maiden como estampado na blusa com a jaqueta por cima, reparando que os postes haviam falhado em suas lâmpadas de mercúrio em grande carreira, restavam às luzes que vinham das janelas das casas de muros baixos, mesmo de algum quintal cuja lâmpada ficava dependurada mesmo em cima de uma arvore como acontecia no quintal imenso de seu João Guerreiro, o portuga, branquelo, alto, cheio de goiabeira, jaqueira, mangueira, frutas que enchiam os olhos da molecada, que queria pular o seu muro para roubar-lhe as frutas, e Ricardo seguia pela calçada, procurando algo mais iluminado, assustou-se com aquela figura alta, conhecida, acocorado ali no portão, os cabelos tão dourados e longos que chegavam a brilhar na certa escuridão da rua, mas o traje preto, aquelas pulseiras de couro viking, Se assustou comigo, rapá, exclamou num riso de dentes largos e grandes Fabricio, mesmo se levantando, Tu parece um fantasma de tão branco, cara, pô, observou rindo Ricardo, e ambos tinham tirado seus respectivos headphones dos ouvidos, Posso ficar lá contigo, na tua casa, cara, foi pedindo, Claro, pô, vamos, disse-lhe Ricardo seguindo pela calçada, Fabricio assim bem mais alto, magro, levou as mãos aos bolsos da calça preta, Meu padrasto é muito chato, não aguento ficar em casa, daqui a pouco ele chega, me encontra ai à toa, foi dizendo, mas nem foi contando que não fez os serviços que o português havia delegado a ele, quando chegasse da escola, estudava de manhã na escola publica, ultimo ano do ensino médio, tinha que limpar o quintal, a mãe o entregava, chamava-o de maluco, cortasse este cabelo, tirasse esta barbicha comprida, lisa, tomasse jeito, vou morar com minha avó, vinha ameaçando, mas passava uns dias com a velha, e o padrasto o mandava voltar, tinha casa, hem, sirva pelo menos para tomar conta da sua mãe, por que não ficas para tu, mulher, a pensão do falecido, dás na mão deste comprido vadio, ele gasta com bebida, estas roupas de maluco, ouvia o homem resmungar com sua mãe, mas ela apenas suspirava, o dinheiro não ia durar muito, deixasse o garoto se divertir, alcançando a maioridade ter-se-ia que arrumar serviço.

Aceito comer sim dona Bárbara, disse Fabricio sentando-se à mesa na cozinha, enquanto Ricardo tinha ido ao banheiro, uma toalha sobre os ombros, a mulher fritava bifes, virada para o fogão, as duas meninas à sala brigavam pelo controle remoto, ela tapou a frigideira um instante, teve um olhar de soslaio para o garoto ruivo sentado à mesa, empertigado, arrumei um filho branco, era só o que me faltava, agora, chegou à sala esbravejando, Raissa, você já é bem grandinha pra ficar brigando com sua irmã por causa de programa de TV, as orelhas grandes, escondidas sobre os longos cabelos dourados de Fabricio, atentaram-se, Ela tá toda assim, mãe, só por causa do amigo do Ricardo, foi falando Rayanne num tom sarcástico na sua voz ainda infantil, sempre gostou de ver Carrossel, agora que dá uma de que não gosta, Sua mentirosa, cale esta boca, vociferou Raissa, talvez se jogasse em cima da menor, pois pareceu que as duas embolaram, a voz de Rayanne gritando mais que a outra, Ricardo dá um jeito ai nas suas irmãs, foi pedindo Bárbara num tom aflito, voltando-se para a frigideira, e para o filho que saia do banheiro, eu tenho que colocar comida pro seu amigo, ele deve tá cheio de fome, Tou mesmo, dona Barbara, observou Fabricio com certo bom humor, enquanto Ricardo foi apartar as irmãs, Pronto desliguei esta porcaria, ninguém vai ver mais nada, disse num tom de voz autoritário o rapaz, mesmo o pai vinha chegando do trabalho, a roupa social fechada, beijando as meninas sentadas no tapete, qual era o clima, era a sua pergunta, e olhando com reprovação muda para aquele conhecido rapaz ruivo e cabeludo ali sentado à sua mesa, já comendo, headphone nos ouvidos ainda, Boa noite, foi dizendo, reparando Ricardo a fazer seu próprio prato, aproximou-se da mulher de pé junto à pia, beijou-a, sempre encarando mal humorado o convidado, que era aquilo até jantar agora na sua casa, uma coisa foi passar uma noite de sábado, amanhecer o domingo, pois viera da noitada com seu filho, amigos Headbanger, era o que era, mas agora estava sentando-se à sua mesa, jantando, sacudindo a cabeça, enquanto mastigava, Ricardo sentava-se ao lado dele, riu, Pô, cara, observou suspendendo o headphone dos ouvidos dele, é melhor comer sem isto, saca, Mas tá maneiro, cara, ouve só, respondeu assim de boca cheia, mastigando, colocando o headphone nos ouvidos do amigo, então tá ouvindo, neguinho, né foda, Skyforge, disse ainda, Não é muito, meu estilo, não, respondeu Ricardo, reparando que o pai arrastava a mãe para a sala, ia reclamar por que o amigo estava comendo ali, acreditou logo, enquanto Raissa aproximava-se, magrinha, baixa, com uma jardineira jeans fechada, os cabelos, crespos curtos, bem arranjados com grampos coloridos, seus olhos passeavam de soslaio para o rapaz cabeludo ruivo, que percebia, enrubescia, ela disfarçava, demorando-se a abrir a garrafa de refrigerante, encheu o copo do convidado, ele meneou a cabeça comprida em agradecimento, os cabelos resvalaram pelo rosto um pouco sardento, mas concentrou-se em sua comida, o headphone dependurado no pescoço. Acho que minha irmã tá a fim de tu, cara, foi confessando Ricardo num certo tom debochado, quando estavam ao quarto dele, um pouco exíguo, mas não tão apertado, o banner do Motorhead como cortina a janela fechada, e Ricardo foi ligando o estéreo em cima da cômoda ao lado do pequeno guarda-roupa de portas empenadas, Tá não, cara, objetou Fabricio sem muita firmeza, sentando-se pelo chão, descalçou as botinas, Olha cara, vá arrumando sua cama ai pelo chão, tu mesmo, saca, já é de casa mesmo, foi falando Ricardo a se deitar na cama, de camisa do Slayer, mesmo tocava no estéreo Love hate you , puxou a coberta, Porra, este som é bom alto, foi observando Fabricio a se levantar, quase do tamanho do guarda-roupa, abrindo a porta deste, Sabe tá tarde, não posso colocar som alto, foi dizendo Ricardo reparando, os braços cruzados sob a cabeça, a altura do amigo, caralho, tu é muito alto, cara, Sou nada, cara, foi falando Fabricio a arrumar o edredom pelo chão como se fosse uma cama, assim do seu jeito, de gatinhas, Ricardo jogou-lhe o travesseiro que estava sob seus pés, Fica ai, Valeu, manifestou-se pegando, sorrindo, tu me acha alto demais, por que sou magrelo, dá aparência que sou muito, muito alto, observou deitando-se, despindo a calça, a cueca samba canção preta brilhosa, Que porra é essa, debochou Ricardo, e Fabricio cobriu-se com a manta, imediatamente, assomado por certo constrangimento, Nem adianta, eu já vi, desbotado, tu tá de cuecão de velho, foi escancarando em risada, Ricardo, e todo florido, Né nada de florido, tá inventando já, observou rindo Fabricio, acomodando-se em comprido assim deitado de costas, a manta levantada até o pescoço, mas teve que encolher um pouco as pernas, pois seus pés ficaram de fora, os dedos compridos, os pés brancos e ossudos, mas virou-se de lado, os cabelos ruivos assim me desalinho pelo rosto, pareceu se encolher embaixo da manta, Tem que apagar a luz, doido, disse-lhe Ricardo, Ah, cara, não vou levantar daqui, não, foi dizendo, mesmo fechou os olhos, embora sorrisse nos lábios delgados, então Ricardo se esgueirou até o interruptor detrás do espaldar da cama, a luz se apagou, ficava o som do Slayer, baixinho, mas irado na penumbra, Cara, tu acredita também que o Enzo é veado, foi a pergunta de súbito assim de Fabricio, Pô, sei lá, cara, respondeu rindo Ricardo, mesmo virou-se de lado a encarar o amigo deitado ali no chão, a galera anda falando né, mas ele tá namorando aquela Yasmim, sei lá, O quarto dele é sinistro né, eu queria ter um quarto assim, porra, foi comentando Fabricio, Tu pode pô, observou Ricardo, teu padrasto tem grana, Ah, tá bom, já é muito ele me aturar assim, e quando eu fizer dezoito, ele vai me colocar pra fora de casa, observou ainda sem magoa na voz o garoto, os olhos voltaram-se para a lâmpada descendo lúgubre por um fio, apagada, balançando, no quarto simples daquele amigo, seu pai é muito mais maneiro, neguinho, foi enveredando ainda, mas acho que ele ficou bolado quando me viu jantando aqui, hem, observou com certo bom humor na voz, voltando-se para o amigo ao lado, Ficou nada, cara, tá sussa, hem, disse Ricardo a bocejar, e tu não vai pra escola amanhã, não, perguntou de súbito Ricardo percebendo que ele não trouxera nada, apenas o ipod com headphone e a roupa do corpo, Vou, claro, disse, a diretora me deixa entrar assim mesmo sem uniforme, foi observando, eu queria aquela escova de dente emprestada, Tá lá na gaveta, é sua desde aquele dia, respondeu-lhe Ricardo, eu não ia usar, saca, e gargalhou, o outro devolveu a mesma gargalhada, Vou desligar o som se não meu pai pode reclamar, foi dizendo Ricardo com o controle por fora da coberta, então Fabricio ajeitou o headphone nos ouvidos, Vou ouvir Amom Amarth, e mesmo virando-se para a parede a fim de tombar no sono, Ricardo conseguia ouvir o som que vinha do headphone do amigo ruivo, mas quando ele começou a cantar junto, desafinado, sacudiu-o, Hei, hei, vai acordar a casa toda assim, disse-lhe em tom de reprimenda, embora risse, Fabricio sorriu, desligou o ipod, tirou o headphone, É mesmo, é bom dormir, né, cara, e virou-se de bruços, puxou a manta a cobrir a cabeça, os pés ficaram de fora, ouviu o pequeno ronco do amigo ao lado, Assim vai acordar a casa toda, também, observou balbuciando num riso irônico.

Raissa virou-se no beliche debaixo, o ressonar da irmã na cama de cima chegava intenso aos seus ouvidos, assim como aquele silencio estático da penumbra do quarto, dos moveis além da porta cerrada, os motores da geladeira em alternância, ou os canos retorcendo-se tensos com as aguas estagnadas pelas torneiras fechadas; sentia-se mais que apenas ouvir aquele concerto longínquo de grilos, um pio de coruja pareceu mais perto, adiante um latido de um cão como num vácuo, transformando-se em uivos, seu coração apertava-se, puxou a coberta, a camisola de flanela ajudava ainda mais se aquecer, mas os moveis do seu quarto ganhavam certa tonalidade sombria descobertos assim na sua insone alma, perturbada por certas emoções, seu coração se via em folguedo, ele mal levantava aqueles olhos que pareciam ser verdes assim para ela, aquela pulseira de couro presa a todo punho, aquele jeito de olhar de esguelha, um vinco no meio da testa, enrolava aquela barbicha comprida, lisa e avermelhada, que garoto feio, esquisito, dizia a mãe, porem sem desprezo, antes tinha um tom de achar engraçado, não, não é feio, não respondia a mãe, mas achava Fabricio bonito, boa altura, mesmo ela alcançava o peito dele em altura, ou ela era baixinha demais ou ele alto em demasia, suspirou, assustava-a aquela cortina com estampas de Meninas superpoderosas agora, pois aquela boca escancarada quadrada, as pernas num pingo grosso sem pés num pulo triplo no ar, que era aquilo, disforme, então se virou para a parede, apertada junto ao sapinho verde de pelúcia, assim com os bracinhos magrelos para o alto, barrigudinho, os olhinhos vermelhos e atentos na penumbra do quarto, um perfume de eucalipto que emana dele, sei lá, algo como madeira aromática, cítrica, acho que ele nem sabe meu nome, convenceu-se a menina com certa magoa, um pouco ressentida, mesmo remoía algo assim como se fosse no coração, mas devia ser mesmo no estomago, ardendo, ele iria embora amanhã de manhã, estudava lá no mesmo colégio que ela, só que dois anos além dela, parecia nem ter amigos no colégio, usando aquelas calças pretas com correntes dependuradas, a blusa do colégio sempre suja, amarfanhada, por cima de uma blusa preta, com estampas mais esquisitas que Ricardo usa, foi de pensar a menina cujo sono não a afetava, ficaria assim se virando na cama, ele deve me achar criança, mas qual, tenho quinze anos, e voltando-se para a parede, pois não aguentava a cortina, deve ser por que sou negrinha, hum, aposto como é por isto, se eu fosse morena ao menos, ele ia ficar me paquerando, branquelo metido, só por que é ruivo, agiu buscando desprezo em ânsia quase de quem forçava vômitos, e o sono não, quando veio, não o sentiu afinal, povoava-se em um atmosfera intensa, densa, turbulenta e profundamente aceitável no estado em que estava: dormindo.

Caminharam juntos para escola aquela manhã nevoenta, mas ele pelo meio fio, ela pela calçada, segurando a mão da irmã menor que levaria até a escola primária, a mãe estava de plantão como técnica de enfermagem no hospital ao Centro, havia acordado antes do dia claro, mas Raissa soubera cuidar do café logo cedo, o hospede acordara assim com a roupa amarfanhada, ainda ajeitado o cinto na calça, aquelas correntes dependuradas assim como que fora do lugar, batendo aos joelhos, os cadarços das botinas ainda soltos, Fica quietinha, tinha cochichado ao ouvido da irmãzinha que parecia olhar para o rapaz alourado com uma cara risonha e suspeita, sentada à ponta da mesa levando uma caneca de café com leite à boca, mas ele nem perguntara nada, sabendo que Ricardo dormia até mais tarde, pois só precisava chegar no trabalho às onze horas, interessante Raissa achou ele ficar a esperando do outro lado da calçada, headphone nos ouvidos, braços cruzados, enquanto ela introduzia a irmã menor do portão da escola adentro, aquela algaravia toda de crianças agitadas, Mas cadê seu caderno, teve coragem Raissa de perguntar quando prosseguiram pela alameda, seguindo pelo meio-fio ele, ela assim pela calçada, alguns automóveis passando acelerados pela alameda, ônibus, motos, alguns transeuntes em bicicletas, vestindo capas de oleado, Ah, eu peço uma folha de papel ao professor, disse sacudindo os ombros, levantando um pouco o headphone, e ela ligou musica em seu celular, Justin Bieber, identificou Fabricio quando aconteceu um intervalo entre uma musica e outra que ouvia assim na cabeça, fez-lhe uma careta debochada, Raissa percebeu, começou a se requebrar, cantando alto, percebeu o olhar frio e irônico dele naqueles olhos que ora pareciam verdes. Entrou na escola assim mesmo, sem mochila, sem uniforme, com aquela camisa preta com uma estampa e nome de uma banda que ela nem conseguia ler o que era, mas Raissa já estava junto com suas duas principais amigas, Tainá e Kathleen, a primeira com os cabelos claros, uma maquiagem excessiva no rosto pálido, mochila cor de rosa em forma de coração, a outra, morena, um pouco mais comprida, tinha um certo franzir do sobrolho que se lhe denotava arrogância, Que você tava fazendo junto com aquele cabeludo roqueiro, foi perguntando assim que caminhavam a direção da sala de aula, em meio a certo tumulto que se formava de vozes, risos, passos e braços, Ele é amigo do meu irmão, ah, começou a puxar assunto, foi explicando não querendo entrar em detalhes, Esqueci que seu irmão é roqueiro, disse-lhe Kathleen, mas Tainá a puxou pelo braço, quase lhe arrancando a pulseirinha cor de âmbar da amizade, Vamos, vamos, podem pegar nosso lugar predileto, sim era escondido ao canto da parede, onde ao invés de ficar prestando atenção na aula, que achavam insipida, espionavam seus smartphones, celulares, as novidades das redes sociais, mesmo mandavam feeds, uma atenta ao professor, enquanto outra por sob a mesa ia sorrindo a conferir as “fofocas”, mas tinha aula de dança depois do intervalo, a dança do ventre, estava progredindo, Raissa adorava, os braços estendidos para cima, a musica entre o Techno e o Folk árabe, a barriguinha mexia-se, mas todo corpo estremecia em ondas, as cadeiras e mesas encostadas ao canto das paredes, o radio ligado junto a lousa na mesa do professor, e era este um mulato, alto, roupas de malhar, um touca de renda colorida escondendo os cabelos em dread, Raissa, minha estrela, disse logo ela chegou, tinha se trocado no banheiro das meninas, alguns rapazes se preparavam no traje de capoeira, berimbau na mão, outros vinham como espectador, alguns tentariam street dance, ela também gostava, mas a dança do ventre, ah a saia se abrindo nas coxas, os pés descalços, as pulseiras se chacoalhando nos braços em movimentos, percebia que Adriano, magro, moreno ou loiro, pelos cabelos oxigenados ou com luzes parecia ser a ultima opção, mas pelo bronzeado da pele era muito moreno, mas ele escondia aqueles olhos sem-vergonha nos óculos escuros espelhados, o jeans quase sem cós, cantaria rap com Tony, quase pretinho, tinha colocado em seu pulso aquela pulseirinha vermelha com a palavra amor, mas ela ainda não tinha força para essas coisas, ficou assim incendiando-se no meio do pátio da escola tomado pelos outros alunos a perambularem à toa na hora do recreio, considerou a possibilidade cheia de emoção por dois dias, e quando afinal parecia se sentir pronta a respondê-lo ela o viu com Tainá, os dois junto à quadra, ela sentada aos joelhos dele, ele assim acomodado naquele banco de pedra, os braços dela em torno do pescoço dele, as bocas se unindo, então era assim, essas coisas não esperam, é sim-sim ou não-não querida, havia dito mesmo Kathleen, ele preferiu a branquinha, sabe como são os pretinhos, se uma pretinha ignora ou o deixa esperando, sempre tem uma loirinha hem, querendo, mas sua própria amiga, mas se ela nem sabia, não houve tempo para tantos ressentimentos, sentia que podia gostar de Adriano, ele mesmo morava lá na sua rua, seu irmão não gostava dele, Tá dando confiança pra aquele funkeiro é, Raissa, tinha esconjurado Ricardo, mas a mãe apaziguara, Ricardo, deixa sua irmã, ela já tá na idade de namorar, hem, Tá bom, tá bom, resmungara ainda Ricardo, depois não reclama quando ela aparecer gravida, Vire esta boca pra lá, disse àquela hora e disse agora, imaginando os olhos dele atrás daquela lente espelhada e colorida dos seus óculos escuros, enquanto requebrava o ventre, virando-se, a mantilha ou o véu de contas prateadas assim pelo rosto, rodando, e no vidro da janela aquele rosto comprido estampado, os cabelos avermelhados longos, mas estava com headphone nos ouvidos, deu um sorriso sarcástico em muxoxo a desviar-se, Raissa estagnou no meio da dança, os braços hirtos para cima, as coxas expostas numa pose paralisada de cisne, Minha estrela, minha estrela, a voz do professor em meio a certo eco de risadas, tudo vinha longínquo, seu queixo pendido na boca semiaberta, mas nem havia mais ninguém olhando na janela ampla, mas ela ainda podia ver aquele rosto comprido, branco e sardento de Fabricio, olhando-a, Ah, foi surpresa voltando, percebeu as risadas em torno de si, aquela boca mole de Adriano como quem mascava chiclete, desculpa, perdi o rebolado, disse num tom frágil e desconsolado de voz, as gargalhadas troaram mais alto, pediu licença para se retirar, Mas e a street dance, foi o professor perguntando, enquanto, pegando sua mochila, foi dizendo que ia ao banheiro, voltaria já, mas que nada, trocou-se, mesmo lavou a maquiagem brilhosa âmbar de seu rosto ébano, percebendo um grampo colorido solto, uma mecha de seu cabelo crespo rebelava-se, suspirou, Debochado, que ele foi espiar lá, não tem aula não, murmurou consigo mesma, as mãos em conchas embaixo da torneira atirando a agua ao rosto, a agua vertia sobre o rosto, escorria prendendo-se entre os lábios polpudos, um pouco avermelhados, já com a calça da colégio, a blusa, fazia um solzinho quente, o portão do colégio estava fechado, encontrou-o no pátio, com seu headphone nos ouvidos, os braços cruzados, brilhando ao sol, “Os vampiros brilham no sol...”, lembrou-se do filme tantas vezes visto, mesmo o livro lido e relido, mas aquele cabelo comprido ruivo, ar empertigado, tinha um olhar vago para o céu azul, sentiu a presença dela assim próxima, voltou-se colocando o headphone dependurado no pescoço, Eu te vi dançando, pô, seu irmão sabe que tu fica dançando assim, rebolando na escola, quase nua, foi dizendo, as bochechas ficando escarlates, Seu idiota isto é dança, é arte, retrucou Raissa num tom irritado, Pra mim não é, disse num olhar sério, E este seu jeito de ser que é anormal, todo de preto, com este monte de corrente pendurando na calça, foi dizendo num tom sarcástico, ofegante, tensa a garota, o rapaz acompanhava a observação dela, riu, sacudiu os ombros, Se tu fosse minha irmã, eu não ia deixar, respondeu empertigado, então Raissa aproximou seu antebraço do dele, Olha a cor da minha pele e olha a sua, foi dizendo num tom malcriado de voz, tá vendo, ele balançou a cabeça afirmativamente, eu nunca, nunca poderia ser sua irmã, ele ficou escarlate de encabulado, mesmo chegou a perder o certo ar de nariz comprido empinado, Tá bom, eu não tenho nada com tua vida, e foi se acomodando no espaldar do banco de pedra, mesmo ia recolocando o headphone nos ouvidos, mas ela veio para cima dele, tirou-lhe aquilo dos ouvidos, Você acha que só este seu Heavy Metal é que é musica né, disse-lhe, Claro que sim, pô, foi ele num gesto de impaciência para ela, saltou num pulo, vendo que abriam o portão, vou pedir para sair, disse seguindo em carreira, ela veio no encalço dele, os dois saíram, Ué, tá vindo atrás de mim por que, foi Fabricio voltando-se num semblante amuado, não vai ficar pro resto da sua aula de rebolado, mas ela não diria que ele a fez perder o rebolado, Eu não vou pra casa, disse descendo a rua, em rumo a uma subida íngreme no final desta, o headphone nos ouvidos, Manowar, som dos guerreiros do Metal dos ouvidos ao cérebro até as correntes nervosas, mexendo com sua emoção e paixão, Raissa havia se escondido atrás de uma arvore, via-o distanciar, levantando os punhos, aqueles braceletes enormes de couro nos dois punhos com spikes, sacudindo os cabelos vermelhos, lisos e longos, sabia para onde ele ia, por isso prosseguiu na mesma rua, as casas se rareando, uma dessas tinha um quintal sem muro, um burro preso em uma carroça dentro deste, mesmo a assustou quando ela parou a arvore próxima, ele sumia na elevação descampada, chegou ao topo dela, brilhando aos raios do sol morno daquele começo de inverno, os punhos sempre erguidos, Retardado, balbuciou, enquanto ele encontrava a placidez à sombra daquela amendoeira, deitou-se com a cabeça encostada ao tronco, os pés cruzados, assim todo estendido, ficaria ali assim até o estomago provavelmente roncasse de fome, já tinha almoçado na escola, isto demoraria um pouco ainda, a sombra era boa, o lugar ermo, um pouco solitário, a musica, os hinos do Heavy Metal a disposição em seu ipod assim pelo headphone em seus ouvidos, que os pássaros chilreassem em paz na campina quase verde, mas sentiu aquela presença bem junto de si, e soerguendo a cabeça foi se perguntando, hem, de onde, tu apareceu de onde, não foi pra casa, sorria-lhe assim sentada, Por que é tão metido hem, perguntou num sorriso ofegante, a mochila nas costas, as mãos puxando o resto de grama, Eu metido, perguntou-se deixando o headphone descansar no pescoço comprido, Sim, não ver, este seu arzinho de superioridade desde quando entrou lá em casa pela primeira vez, foi dizendo a garota num sorriso ansioso, o rapaz riu num tom de ficar ruborizado, mas se ele jantara ontem com tanta humildade à casa dela, Eu não vou nem falar nada, disse pondo-se sentado, rindo, eu não entendo aonde tu quer chegar com isto, pô, Me acha uma vadia, pobre de espirito só por que gosto de dançar, né, foi acusando a garota num tom empedernido, Tá falando besteira, pô, eu não disse nada disto, retrucou ele num tom ofendido, o rosto bem mais sério, depois seu irmão vai pensar o que de mim, Tá preocupado é, disse-lhe num bico atrevido, ele sorriu, Chega de bobeira, pô, esquece o que eu falei, por acaso tem tanta importância assim minha opinião, atacou Fabricio com certo bom humor, ela virou o rosto num sorriso, o rosto ardia um pouco, ofegava, coração pulsava com certa emoção, Você já teve namorada, perguntou sem encara-lo, Para que tu quer saber disto, perguntou Fabricio num tom ressabiado, Responde a pergunta, poxa, foi a garota num tom enérgico, quase agressivo, Sei lá, respondeu o rapaz constrangido, sacudindo os ombros, Esta resposta diz claramente que “não”, nunca teve uma namorada, adiantou-se a garota numa risada frouxa, debochada, Qual é, pô, me deixa aqui na minha, veio pra aqui pra me tirar, desculpa ter olhado você dançar lá, falou, caramba, respondeu Fabricio num tom amuado, repôs o headphone nos ouvidos, mas a garota inclinou-se sobre ele impedindo-o, Aprenda a conversar com as pessoas, disse-lhe num tom adulto, atrevido, Eu não tenho conversa contigo, pô, respondeu num tom malcriado, eu sou amigo do seu irmão, nós dois falamos sobre Metal, saca, afinidades nascem de interesse em comum, foi observando Fabricio para a garota num tom amargo, mal encarado, Grosso, estupido, explodiu Raissa apontando-lhe o dedo em riste, ele recuou ressabiado, assustado com a veemência dela, mas o celular dela tocou dentro da mochila, ela acudiu em busca-lo dentro desta, Ah, Tainá, onde estou, ah, foi dizendo enquanto observava o rosto comprido do cabeludo a olhando falar ao celular, já vou ai, tou aqui por perto do colégio, me espera, desligou o telefone apertando-o na palma da mão, pôs-se de pé, o nariz empinado, Levanta dai e me leva lá embaixo, foi dizendo num tom atrevido, ele riu, Vou levar nada, tu é maluca, deitou-se os braços cruzados sob a cabeça, o headphone nos ouvidos, mas ela o sacudiu, ele soergueu-se irritado, o rosto já vermelho, Anda, tou mandando, exigindo, vai me deixar descer este lugar esquisito, este morro ermo sozinha, protestou Raissa alterada, Problema é seu, respondeu Fabricio, não mandei tu subir aqui atrás de mim, mas Raissa o puxou pelo braço, embora ele fosse pesado, magrelo, alto, Anda, anda, eu não tou pedindo, tou exigindo, não vou te deixar em paz, começou a gritar enquanto o puxava, ele se levantou, mesmo sentiu-se puxado com certa veemência, ficou aturdido, Espera, pô, já vou, já vou, mas seguiu mal-humorado, ia cruzar os braços, mas Raissa o segurou pelas mãos, Qual é, foi Fabricio como que ofendido puxando a mão de volta, mas ela insistiu pegando a mão dele na sua a força, arfava emocionada com seu atrevimento, a sua mão pequenina de dedos curtos entrelaçadas na mão de dedos longos dele, com aqueles anéis de caveira, era, foi desviando o olhar do rosto amuado dele para a mão que ela apertava a sua, Eu não sou isto que você pensa, foi falando Raissa num ar mais empertigado, o coração batia forte, ele a olhava com certo mau humor, não penso nada de tu, era o que pensava ele, cenho franzido, irritado, o rosto ficou ainda mais em brasa quando passou a porta do colégio, galerão dispersando no portão, mas era as amigas dela, Tainá e Kathleen reparando, sorrisinhos irônicos, Ah, depois disse que não, disseram em uníssono na risadinha, ele tentou livrar sua mão da dela, mas sentiu que ela apertou com força, notando que o rosto comprido e branco dele estava vermelho, Vou tirar uma foto para colocar no Facebook, foi dizendo uma magricela de óculos, aparecendo a afrente dos dois com uma câmera digital, lépida a bater a foto, Os olhos dele saiu vermelho, observou junto a Tainá e Kathleen, ao meio das duas, mostrando, Raissa puxando Fabricio pela mão foi conferir, mas ele puxou a mão com veemência, virou-se, sentiu a mão dela em seu braço, Deixa de ser grosso, disse-lhe puxando de volta, trazendo-o para junto das amigas, segurando-o pela mão, Carinha de enfezado, observou Tainá num risinho, mas deu um gritinho sentindo alguém por trás de seus ombros, era Tony, voltou-se toda oferecida para os braços do mulatinho, e suspirando orgulhosa Raissa agarrou o enregelado e confuso Fabricio assim pela cintura, confortando o rosto no peito dele, toda meiga, mansa, Vixe, o que temos aqui, foi a magricela de óculos agindo com a câmera digital, rindo. Por que tu fez isto, foi perguntando Fabricio a seguir com ela pela rua, e Raissa levava as unhas à boca, Me acompanha até a escola da Rayanne, pediu num tom bem diferente de voz, Claro, foi a resposta dele assim ressabiado, não precisa daquele teatro todo de novo, não, hem. Mas quem disse que era teatro hem, ou era, se era tinha um que de real na interpretação, ele nem percebe, ele não quer nada comigo isto sim, metido, também nem tou ai, foi dentro do quarto, a porta entreaberta, escutava a irmã remexendo na despensa na cozinha, talvez fosse o gato miando depois, mexendo no smartphone, Facebook, Credo, aquela magricela da Maíra postou mesmo no Facebook, mas tinha um sorriso malicioso e encantado nos lábios, deitou-se suspirando, mas um vidro estilhaçou-se lá pelo chão da cozinha, quase estremecendo a casa, o coração dela, nem dava para ficar assim sondando o próprio mistério naquele alvorecer de ardorosa novidade.