PEDAÇOS DE ETERNIDADE

Chovia muito aquela noite, tanto que os pingos pareciam lágrimas de um céu completamente triste, escandalosamente desesperado, vivendo um pranto sem fim. Ele não sabia se era a melhor hora para sair e ir na casa dela, falar tudo aquilo que tinha para falar, resolver o caso complicado, por um fim em algo que parecia eterno, porém não poderia esperar mais nenhum dia, tinha que ser aquela noite, sem “por que” ou “pra que”. Resolveu sair assim mesmo, pegou o casaco que ela mais gostava, penteou o cabelo, passou um perfume de leve, procurou as chaves do carro e partiu.

A casa dela não era muito longe, 10 minutos em uma velocidade média, minutos que passavam rápidos em dias normais, mas, naquele dia durou tanto, como se ele não quisesse chegar, como se algo mais forte o fizesse ir tão devagar, que parecia mais voltar do que ir, certamente pensar em toda aquela história, em todos os momentos felizes que viveu ao lado daquela moça, eram armas contra a sua decisão de terminar o namoro.

Naquela noite ele não ligou para avisar que iria a casa dela, certamente para não gerar perguntas ou deixa-la ansiosamente feliz, como sempre ela ficava com as visitas dele. Queria chegar lá e falar o que sentia e depois ir embora, finalizar esse capítulo que parecia perfeito em sua vida, porém, por parte dele já não era a mesma coisa de antes, parece que a rotina cansou o amor, coisas que não se explicavam com matemática invadiam a cabeça dele, indicando que era melhor um fim, tudo fazia aquele querer todo do inicio se tornar algo sem gosto, sempre faltava algo, mesmo tendo aquele maravilhoso sorriso dela todos os dias, recebendo tantas declarações, carinho e amor que já mais tinha recebido de outra, mesmo assim, ainda precisava de algo novo, respirar novos horizontes, conhecer novas pessoas, queria achar a sua felicidade crua.

Chegou então na casa dela, bateu na porta e ouviu o cachorro latir, e o cão ao sentir seu cheiro aquietou-se, pois ele já era familiar. A mãe dela abriu a porta, e sorriu, um sorriso tão grande que não cabia no rosto, ele era bastante querido por ser um rapaz trabalhador, educado, e sempre atencioso com todos da família dela. Entrou sentou-se no sofá, e esperou ela que estava tomando banho. Feliz ao ouvir a voz dele a procura-la, ela apressou os processos e saiu de toalha, dando lhe um beijo, e correndo na direção do quarto para se vestir. Cada elemento daquela relação perfeita parecia tender a sua desistência, pensava consigo mesmo, que não deveria seguir o que estava disposto a fazer, então aquela contradição entre o coração que desejava uma paixão maior, e a razão acomodada com a perfeição daquela relação, explodiu silenciosamente naquela sala.

Ela não demorou em sair do quarto, vestindo um short cinza e uma camiseta preta, com a tolha enxugando os longos cabelos pretos, e sorrindo como sempre, perguntando o motivo da presença dele ali, e o “por que” de não ter ligado avisando que vinha, ele meio sem jeito, com sorrisos de canto de boca, disse que tinha algo muito importante para falar, abaixou a cabeça e desviou o olhar para os móveis, para TV, para o teto, para tudo menos para ela. Então sentou ao lado dele, abraçando carinhosamente na altura dos ombros, e pediu para que ele falasse. Ele buscou ar, com a dificuldade de um fumante de 80 anos, olhou naqueles olhos verdes que mais pareciam esmeraldas, e disse: - Bom antes de te dizer qualquer coisa quero deixar claro que você é a pessoa mais importante da minha vida, é muito bom estar com você, e todo esse tempo que vivemos juntos, foi realmente incrível, não tenho nada a reclamar de você, é tão linda, tão carinhosa, inteligente, sempre estando ao meu lado, nos bons e nos maus momentos, sempre esteve aqui, bem eu não sei ao certo como te falar isso, não preparei nada, apenas vim com o coração aberto, não sei se é a coisa certa, mas o que é certo afinal? Não sei, estou muito confuso, você é tão perfeita. Ela interrompeu com ares de preocupação, meio sem entender, meio querendo chorar, e disse: - Não estou te entendendo, aconteceu alguma coisa querido? Me diz logo, isso ta começando a ficar estranho, você não ta normal. Falou soltando o corpo dele, e pondo as mãos no colo, Ele fugindo o olhar novamente, segurou na mão dela e disse: - Bem eu vim aqui para dizer que não dá mais, não te quero mais, não consigo sentir o que sentia lá no começo, é isso, espero que perdoo-me, eu ainda gosto de você, mas, não me sinto feliz o suficiente para continuar, preciso te deixar. Ela sem acreditar perdeu as palavras na medida que seus olhos se encheram de lágrimas, repetindo várias vezes que tudo só poderia ser mentira, demorou em acreditar naquilo que tinha acabado de ouvir, e disse: - Não pode ser verdade, mas como? Ontem estava tudo bem. E o choro aumentava gradativamente, derramando lágrimas como a chuva lá fora, como uma cachoeira irritada vomitando água do céu para terra. Ele sentiu-se a pior pessoa do mundo, mas não tinha volta, tentou explicar novamente com as palavras mais doces que existia, mas no fundo sabia que nenhuma palavra era racional o bastante para aquela decisão tão sem lógica fosse aceita por ela na paz. Ela sem saber o que dizer, sem querer dizer, apenas chorando, correu e se trancou no quarto, e gritando pausadamente com o soluçar do choro mandou-o ir embora e que nunca mais voltasse, ele levantou-se e caminhou vagarosamente olhando para frente, com o coração tão apertado que parecia está sendo esmagado por uma gigantesca pedra, pensando que tinha feita a coisa errada, meio arrependido, saiu em alta velocidade sem destino.

Seis meses tinham se passado, nem ele sabia dela, nem ela sabia dele, ele andava mal, sentia-se só, e cada dia que passava tinha mais certeza que tinha tomado a decisão errada. Tinha tido alguns encontros com outras, ido as festas mais sacanas e vulgares que nunca tinha ido, e aquela casualidade não enchia sua alma, apenas saciava seus prazeres da carne. Inicialmente senti-se melhor, mas depois de algum tempo começou a sentir uma saudade tão grande dela, crescendo como mato selvagem, sem lado, sem tamanho, numa desordem total. Durante esse tempo ele tentou ligar algumas vezes, mas sempre deu caixa postal.

Um ano, e ele já não aguentava mais de saudade, resolveu ir lá, conversar, tentar alguma coisa. Vestiu-se bem, mas nenhuma bela roupa escondia o seu nervosismo, ansioso, mil coisas passava na sua cabeça, ele sabia que ela poderia estar com outro, ele sabia que ela poderia não querer mais falar com ele, eram tantas hipóteses negativas, mas, nada mudava a vontade de ver-lá, pois, ele tinha a certeza que ainda amava.

Partiu então, chegando lá, bateu cautelosamente a porta, tão fraco que nem o cachorro veio o receber, insistiu até que o pai dela o recebeu, surpreso com a presença dele, tomou um susto, mas gentilmente estendeu a mão e perguntou se ele queria entrar. Entrou e sentou-se ao sofá enquanto o pai chamava a filha que estava no quarto. Demorou alguns minutos, e aquela espera foi mortal, pensou que talvez ela não o quisesse receber. Foi ai que saiu um jovem, forte do quarto dela, e logo após ela saiu, sorridente como sempre, e parecia está mais linda do que a ultima vez que ele a tinha visto, ele não sabia como reagir ao ver o rapaz estranho, logo pensou que ela estava com outro, e perdeu a esperança de reconquista-lá. Ela não sabia o que dizer, apenas que estava bastante surpresa em rever-lo, ele meio sem graça disse : - Sei que passou um bom tempo, mas, desde então não parei de pensar em você, sei que errei, fiz tudo errado, hoje estou completamente arrependido, não tenho o direito de te ter de volta, mas queria te ver, saber como está?. Ela ainda sorrindo disse : Estou ótima ! Uma resposta curta, deixando-o mais tenso ainda. Ele então disse: - Enfim, só queria que soubesse que fiz a cosia errada, não deveria ter deixado você naquela noite chuvosa, deveria ter voltado no mesmo instante perdi perdão e continuar tão bem como estava, mas sabe como é, sempre queremos mais, nunca estamos satisfeitos com nada, e hoje sinto o peso da minha escolha, troquei a mulher mais perfeita do mundo por uma vida de curtição e casualidades, realmente fui um idiota. Ela então ainda sorrindo: - Relaxe ! Não se estendeu. Ele percebeu a falta de interesse dela com presença dele e começou a se despedir : - Foi bom rever-lá, espero que esteja feliz, esse rapaz é seu namorado? Ela mantendo o sorriso, não respondeu, deixando o apreensivo, ele então disse adeus e saiu em passos curtos em direção ao portão, com os olhos vermelhos, segurando o choro, bastante abatido. Não sabia ele, o que o esperava. Partiu em alta velocidade novamente sem direção, virando o carro numa curva perigosa da estrada, um acidente feio, o carro capotou várias vezes até parar, todo destroçado estava seu carro, estava sua vida, seu coração, apagou.

Acordou no hospital, por um milagre ainda estava vivo, abriu os olhos, e tudo estava embaçado, teu corpo doía tanto, que nem altas doses de morfina era capaz de reduzir seu sofrimento. Quando recuperou sua percepção notou que tinha sido amputadas suas duas pernas, foi um balde de água fria, o seu mundo então se desmoronou, chorou tão longamente, desesperadamente, sem acreditar, teve que ser sedado para que se agravasse mais suas lesões corporais.

Alguns dias depois, não conformado, porém menos agitado, ainda estava no hospital quando recebeu a visita dela, sorrindo como sempre , porém um sorriso de pena, com os olhos cheios de lágrimas, ela chegou perto do leito, e beijou sua cabeça, ele sem acreditar sorriu, esqueceu até da dor, ela então disse: - Estive aqui todos os dias desde que o acidente aconteceu, todas as vezes você estava dormindo, rezei bastante para que ficasse vivo, não queria que você morresse sem saber a verdade. Ele feliz, perguntou, que verdade era essa? Ela então retomou o discurso: - Eu também sentia sua falta, eu também queria que você voltasse, e naquele dia que você chegou lá em casa, não pude acreditar que tinha voltado para mim, que tinha se arrependido, não tive palavras, não sabia se deveria te aceitar de volta, mesmo te amando. Ele sem entender, continuou ouvindo atentamente ela falar: - Você não sabe o quanto me sentir culpada em saber que sofreu esse acidente logo após sair lá de casa, notei seu desespero mas queria que você sofresse um pouco mais, iria te ligar a noite dizendo que aceitava suas desculpas e que tentaria de novo reatar nosso relacionamento e aquele rapaz que você tinha visto era um primo que veio me visitar, não era nada meu, pois nunca te esqueci, nunca quis nada sério com ninguém, esperei você voltar mês após mês, pois sabia que você me amava, só estava confuso. Ele, ainda sem acreditar começou a chorar, um choro feliz e preocupado, perguntou: - E agora? você ainda vai me amar? não posso mais andar, vou depender de ajuda das pessoas, não sou mais o mesmo, vou ser um carma em sua vida. Ela tapou sua boca com a mão e disse: - O amor, não seria amor se só te amasse pelo seu corpo, o amor se faz real quando encontramos essas situações complicadas, enfrentarei tudo com você, mas do que nunca, estarei com você, disse ela segurando a mão dele, Ele então misturou o choro feliz com um sorriso mais feliz ainda e fez diversas declarações de amor a ela, e prometeu nunca mais sair do lado dela, e jurou que faria o máximo para que ela fosse feliz, ela o deixou com o sorriso e com promessa de voltar amanhã, virou-se e caminhou em direção a porta em pranto, chorando, ela sabia que poderia perder-lo, mas precisava passar forças para ele, o acidente foi grave eram poucas as chances de plena recuperação, ele beirava a morte, porém agora aliviado, recupera-se o amor de sua vida.

Alguns dias depois ele não resistiu aos ferimentos e ao tratamento e faleceu. Não há como entender a vida, não há como preparar um diagnostico de cada escolha, e é assim que caminha o ciclo humano, as vezes escapamos ilesos, temos uma segunda, uma terceira chance, porém certas vezes somos vitimas fatais de nossas inquietações e indecisões. Por isso é importante mas do que nunca aproveitar, cada instante de tédio que a felicidade tem.

Diêgo Vinicius
Enviado por Diêgo Vinicius em 10/05/2013
Código do texto: T4284419
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