HEROTIKA

Meu Deus, não devia ter permitido isso. Que barulho foi esse? Estão na cozinha. É barulho de quem está mexendo com fogo. Conheço Helena há muito tempo, nunca pensei que seu marido fosse desse jeito. Como ele é gostoso! Sempre quis dar pra ele. Eu pensava que a Helena não merecia a traição. E agora estou algemada numa cadeira, vendada, esperando sei lá o que. Ele tem aquele modo de por o olho na gente, e só tirar depois que tira a roupa sem as mãos. Dá um tremor, um arrepio que sobe a nuca e desaparece no alto da cabeça. Quando Helena me falou que seu queria trepar com as duas eu gelei. Gelei porque era tudo que eu queria. Helena tem seios duros e mamilos empinados. Antes de por a venda nos meus olhos ela ofereceu, na minha boca, a taça redonda do peito rosa dela. Dizia apertando minha cara neles: “sua língua... Isso, mais forte... Morde devagar, isso “.

Enquanto sua mão direita aperta minha coxa a esquerda se perde entre minhas pernas. Eu sou um espasmo só. Tremo quando ela pede, gemendo no meu ouvido: “me beija”

Estou molhada da cabeça aos pés, chegamos aqui carregando dois baldes fechados. Um foi derramado em mim quando sentei nessa cadeira, era uma mistura, perfumada e morna, de lavanda e óleos. As mãos dele são grandes e firmes. Helena sentou-se no meu colo depois de algemar minhas mãos, secou meu rosto beijando cada milímetro de pele molhada, lambeu o pescoço sorvendo, aqui e ali, do que ficara da mistura. Ele introduziu na boca dela alguma esfera, e depois usou um lenço para amordaça-la. Eu cega ela muda. O que ele pretende mais? Agora ela está assim tão vulnerável quanto eu. Não esperava essa atitude da minha amiga, sempre foi modelo de mulher determinada, emancipada e dominadora.

Estão voltando, estão na sala. Na sala, estão voltando...

Sinto um cheiro de cera derretida, e o calor de uma chama perto do meu rosto É uma vela. Escorre lava sobre o meu corpo e eu me sinto em erupção, vem de dentro, a única peça de roupa que deixaram no lugar está ensopada. Ele diz alguma coisa - ou ela, não distingo - está derramando parafina derretida no meu colo, pescoço, nos seios. Desce quente, devagar, queimando e para seca no umbigo. Agora na nuca. Sinto o ardor na ponta dos meus dedos dos pés. De novo, novamente, e mais uma vez.

E se pingarem na minha boca essa porcaria de vela? Só de pensar tremo toda, e parece que ouviram meu pensamento. Deve ser as mãos dele, pesadas e firmes, é ele. Zaad força minhas pernas, empurra os joelhos em noventa graus e mete o quadril entre minhas ancas. Não! Não! Assim, assim... delícia. Eles vão me matar de qualquer forma, que seja gozando.

O que será tem no outro balde? “Pegue as cores” é a voz de Zaad, seco como um tronco de cedro, e doce como sândalo. Quente.

Estão arrastando o balde, parece mais pesado. Ele diz “pegue as cores” - é tinta! Na mais desoladora escuridão as mãos dele é uma presença colorida. Zaad é um tuaregue de cabelos negros prateados cobertos por um turbante de seda. Seu hálito quente é brisa na minha cara , ele vem tingindo tudo em mim. Estou lambuzada das mãos dele e penso rosa, turquesa, jade. Ele diz: “Sirva pra ela, e antes na minha boca”. O Moët Chandon está na boca dele, engulo por ele, sinto por ele, desejo a boca de Zaad - o cristal de uma taça cola na minha boca, bebo. Seus lábios estão molhados quando me beija, engulo a mistura de saliva e champagne. É como se Zaad descesse minha garganta, espesso, árido, desértico. Ele diz: “Sua vez, querida”. E Helena aperta meus seios com as mão molhadas de tinta. Helena exala o cheiro dele. As algemas estão apertadas, tenho a impressão que vão tirar a venda. Quero olhar nos olhos dessa mulher que permite seu homem ver minha alma sem medo de perdê-lo. Estou à beira de um abismo, perdida de mim. Que importa? Quero esse homem dentro de mim. Quero sua mulher. Quero todas as cores todas as cores. Quero mais. Quero ver tudo.

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 11/05/2013
Reeditado em 05/10/2014
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