AQUELE DIA DE JULHO EM PARIS

Ele apeou-se do táxi e correu a refugiar-se da chuva na entrada do café. Incauto, saíra do hotel sem chapéu de chuva e agora escorria água, estava encharcado.
Outras pessoas agrupavam-se à entrada, sob o toldo, protegendo-se assim da tempestade. Os parisienses já estavam habituados àquelas variações de humor do tempo, mesmo de verão ora chovia ora estava um dia limpo e radioso. Mais pessoas foram-se apinhando, ele chegou-se para junto dos outros e empurrou ligeiramente uma mulher que também parecia contrariada com aquela chuva incomodativa.
- Então? Cuidado, sim?
Ele surpreendeu-se por ouvir falar português, embora com acentuado sotaque.
- Queira desculpar...
Foi a vez dela o olhar. Acabaram por sorrir um para o outro. Ela tinha um rosto muito agradável, pensou.
Espreitou para dentro do café, tudo cheio. Não, uma mesa estava a vagar e aproveitou para se dirigir para lá, ela teve o mesmo pensamento e acabaram por dar novo encontrão um no outro. Sorriram de novo pela coincidência.
- Olhe, eu só quero sentar-me um pouco e tomar um café. Tenho um compromisso profissional aqui ao lado, dentro de duas horas e assim evito apanhar mais chuva. Não está bom dia para ver montras. - Fez uma pausa - Você está muito longe de casa...
- E você também, pelos vistos... Ou mora cá?
Ele sorriu perante a espontaneidade dela... - Não moro cá, vim a uma feira internacional, fazer uns contatos, só cá estarei mais dois dias e depois regresso a Lisboa.
- Eu vim de excursão com a minha filha e o meu genro. Moro há muito anos em Curitiba. Se quiser podemos compartilhar a mesa.
- Está bem! - E dirigiram-se para o espaço que vagara.
Ela tirou o impermeável, ele também tirou o seu e sem intenção olharam-se de alto a baixo.
Ele constatou que ela era muito bonita. Pelo aspeto elegante e encantador, sorriso aberto, sincero e cativante, pareceu-lhe não ter mais de quarenta anos. Fora mãe cedo, com toda a certeza.
Ela também o olhara melhor. Era alguns anos mais velho que ela, cabelo grisalho e um olhar penetrante, avaliador. Sentiu um arrepio agradável. Lembrou-se que minutos atrás estavam lado a lado, ele era um pouco mais alto. Não era gordo, nem sequer barrigudo, a curva da felicidade como já ouvira dizer. Sorriu mentalmente.
- Demora por cá? - Perguntou ele enquanto pedia ao garçon dois cafés.
- Depois de amanhã irei embora, de regresso  doce lar. Os meus pequenos foram ao Louvre, eu estive lá de manhã mas para mim já chegou a visita de ontem ao Museu d'Orsay. - Olhou para as mãos dele. - Trouxe companhia?
- Só a mala e a roupa que trago vestida.
Ela sorriu de novo perante a desenvoltura dele. Não trazia aliança mas isso não queria dizer nada. Andavam por ali muitos lobos com pele de cordeiro, infelizmente já conhecera mais do que um assim.
Ele olhou-a fixamente, os olhares cruzaram-se, ela não aguentou a intensidade e desviou o seu.
- Tenho alguma coisa de errado?
- Não, por amor de Deus! Mas você tem algo que me cativa, desculpe-me a frontalidade e a ousadia. Não me leve a mal, sim?
Ela olhou-o e sorriu de novo. Ele pareceu-lhe tão sincero, havia algo nele que também a cativava. Química?
Ele contou-lhe que trabalhava numa empresa de eletrónica, era diretor técnico e tinha vindo ali ver as últimas novidades e eventualmente firmar algum contrato. Por sua vez ficou a saber que ela era divorciada, tal como ele e  pela primeira vez saíra do Brasil.
Entretanto o tempo voou e ele deu conta das horas.
- Com grande pesar tenho de me despedir de si. Já estou em cima da hora. E pega mal chegar atrasado, sobretudo no caso de reuniões. Desculpe-me, sim?
- Com certeza, daqui a pouco também saio, vou para o hotel, os meus pequenos devem estar a chegar e também sabe bem o conforto do quarto.
Ele chamou o garçon, pagou os cafés apesar do protesto dela e depois olhou-a de novo, por momentos.
- Ouça, ainda nem nos apresentámos, mas queria, gostaria imenso que me passasse o seu número de celular. Se não quiser não ficarei melindrado, atendendo às circunstâncias.
Ela também se levantou, sorriu e ditou-lho, ele digitou-o nos contatos do celular. Depois foi a vez dela inscrever nos seus contatos o número dele.
Ele esticou a mão para a cumprimentar, disse-lhe o nome, ela apertou-lhe a mão e também lhe disse o seu.
- Prazer!
- Muito prazer! - Ele não lhe largou a mão e então perguntou-lhe:    - Mais logo, se eu lhe telefonar para nos encontrarmos um pouco amanhã, acha que terei alguma chance de sucesso?
Ela sorriu mais uma vez e respondeu-lhe: - Quem sabe? O futuro a Deus pertence, né? Tenha um feliz restinho de dia!
Ele finalmente largou-lhe a mão e fez o caminho até à saída, perfurando a massa humana que se agrupava à porta.
Acenou uma última vez, com o coração a bater desordenadamente. Pela primeira vez nos últimos anos, tinha desde logo ficado preso ao sorriso e encanto de uma mulher. E teve a certeza que aquele dia mudaria para sempre as suas vidas.

17/06/2013