O VÔO DA ANDORINHA

O VÔO DA ANDORINHA

Conto de 2011

Por: Fernando Barbalho de Melo

Cap I

Costumamos pensar que tudo será maravilhoso quando nos apaixonamos e que nada poderá impedir a felicidade. Somos treinados para pensar assim. Somos naturalmente românticos. Esquecemos, todavia de travar uma conversa franca com Afrodite, para que ela ordene a Eros flechar a amada com a mesma pontaria que nos flecha. Este pequeno detalhe costuma despedaçar corações...

A época, realmente, não importa,... Os fatos ocorridos são atemporais no coração dos amantes.

Encontraram-se, quando tudo era improvável. Eram as pessoas errado-certas no lugar certo/errado. Embriagados pelo néctar de Dioniso somente conseguiam ver o que seus olhos, embaçados de paixão, deixavam ver. Não viam os laços, mesmo rotos, que os prendiam a outros corações. Não viam ou não queriam ver... O chamado do outro, era inebriante. Não despertava outro sentimento a não ser uma atração febril. Avassaladora. O local: era o mais impróprio! A situação: mais inadequada ainda! Tudo maquinava contra aquele caso arrebatador de paixão fulminante. Assim começava um romance mesclado de muito tesão e desenganos entre duas almas que se atraíam e repeliam como ondas cíclicas de um tsunami: Hernandes e Valkíria. Ele com 35. Ela com 26 anos.

Aqueles dois dias juntos no Congresso do Greenpeace “Amor à Natureza”, no hotel da Borda, foram determinantes: Hernandes vivera como se não houvesse amanhã... Fora livre, pelo menos naqueles dois dias que infelizmente terminaram e terminaram como tudo termina: com um adeus, um até logo e nada mais... Terminara o Congresso e agora tinha que enfrentar sua vida monótona mais uma vez. Ao chegar em casa tudo lhe pareceu diferente e irreal. Não se sentia morador daquela casa... Ali já não era mais o seu lugar. Seus livros, seus discos... Nada mais parecia seu.

Teria uma noite perturbadora. Sonhos rondavam a mente de Hernandes. Não conseguia tirar a imagem de Valkíria da lembrança. Fora dormir inquieto... Acordaria com uma sensação de que nada seria como antes. Há alguns meses sofrera um acidente que o fizera repensar seus valores, enquanto estava no hospital. Redirecionar seus objetivos.... Vira a morte de perto e o esquisito disto tudo é que não se assustara com a idéia de morrer, apenas ficou com a sensação de que estava passando pela vida sem viver. Sem objetivos. Sem uma meta a alcançar... Suas metas eram muito minguadas para a grandiosidade que havia planejado para sua existência. Sempre se imaginara alguém conhecido pelos seus feitos e agora estava contentando-se em ser um “Zé Ninguém”. Isto fora decisivo! Iria para aquele Congresso com uma nova visão de vida. Só não tinha colocado em seus objetivos, e muito menos em seus planos, aquela mulher linda e independente... Hoje observando o tempo passado, talvez não fosse tão linda assim: baixinha, gordinha, com um cabelo um pouco ralo na franja, óculos de grau... Com um agravante: era pedagoga. Mas com um encanto pessoal que suplantava quaisquer impedimentos. Valkíria marcava presença onde estivesse...

Trabalharia mal durante todo aquele dia. Os clientes que tinha para atender estavam entendiantes... Como representante Comercial de uma indústria de implementos agrícolas, costumava visitar algumas usinas e fazendas... Ainda não era um vencedor, muito embora fosse um batalhador incansável. Seria um longo e estafante dia...

Lembrava-se da forma como ficara surpreso ao encontrar aquela garota arrebatadora justo naquele Congresso. Não podia imaginar que ela fizesse parte de algum grupo de apoio à natureza. Ele era membro atuante do Greenpeace, mas ela... Pelo que sabia era pedagoga e trabalhava em uma escola... Ele, nas suas horas de folga, procurava mudar o mundo a seu modo... Não tinha importância para os outros, mas esta tinha sido uma decisão tomada desde o acidente que mudara sua vida: poderia não alterar muita coisa, mas não iria ficar parado! Ingressou no Greenpeace e desde então participara de tudo que dizia respeito à manutenção e conservação da natureza. Promovendo encontros nas usinas e fazendas que visitava. Era como gostava de se intitular, um moderno cruzado da natureza. Isto o fazia sentir-se bem. Era gostoso...

Só muito mais tarde se daria conta da decisão tomada já no final da manhã. Estava no escritório de uma usina no meio do mato... Pediu a ligação para a telefonista em um ímpeto! Um impulso! Sem pensar direito no que fazia...

-“Alô. Gostaria de falar com Valkíria.” – do outro lado da linha alguém perguntou polidamente:

-“Quem gostaria?”

-“Hernandes. Dr. Hernandes.” – Não costumava apresentar-se com o título. Era advogado. Chegara a montar um escritório, mas com poucos clientes não se sentira impelido a levar adiante a carreira, muito embora adorasse o ambiente jurídico. Ganhava melhor como Representante Comercial. Apresentou-se com o título de advogado muito mais pela formalidade da atendente, que pelo prazer de dizer-se advogado...

- “Um momentinho só, por favor.” – Não se passaria mais que dois minutos. Para ele seriam horas de angústia. E se ela não quisesse falar? E se não houvesse sido dias tão bons para ela como foram para ele?... Estava montando mil conjecturas quando ouviu do outro lado da linha:

-“Hernandes? É o Hernandes do Congresso?”

-“Valkíria. Claro que sou eu...”

-“Não acredito... você ligou...”

-“Gostaria de ve-la, hoje.” – Hernandes estava sendo direto por acreditar que não conseguiria, mesmo sendo sua formação e sua profissão conhecidas por ter bons oradores, continuar conversando na incerteza de poder ou não encontrar aquela garota que o enfeitiçara com a cumplicidade de Afrodite.

-“Tudo bem. Você conhece a praia do Feitiço? O restaurante Buono Gosto?”

-“Conheço. Claro.” – Hernandes estava afirmando conhecer o que não sabia nem pra que lado ficava. Sabia apenas que era na zona sul da cidade... Acharia... Afinal não estava em Nova York.

-“Estarei defronte ao restaurante às oito horas. Tchau.”

-“Tchau.” – A euforia tomou conta de si pelo resto de tarde. A partir daí Hernandes começaria a contar o tempo...Tomaria um ônibus! Não iria querer alguém reconhecendo seu carro em um lugar diferente dos que ele costumava freqüentar. Não ficaria bem ser visto em um encontro. Muito menos em encontro no fim do mundo, como descobriu ser a praia do Feitiço. Após uma viagem que demoraria um século, avistou o restaurante Buono Gosto. Não conseguia distinguir se Valkíria estava ou não no local. Havia um pouco da penumbra de uma árvore... Saltou do ônibus meio desconfiado... Não conhecia o lugar e mesmo sendo praia era bastante deserto. O restaurante, uma casa grande, estava iluminado e sozinho naquela avenida comprida e deserta. Aproximou-se e somente distinguiu a jovem quando estava a pouco mais de cinco metros dela

-“Oi.”

Não respondeu. Aproximando-se a tomou nos braços e beijou-a mansamente. Um beijo esperado e ansiado por dois dias...

-“Oii” – Não havia reprovação no olhar dela, apenas surpresa e pelo visto uma agradável surpresa.

-“Isto é o que não pude fazer no Congresso...” - Voltou a beijá-la. Seus lábios macios corresponderam ao beijo. Sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha. Um calafrio agradável...

Entraram no restaurante. Em uma mesa no canto estava um casal de meia idade. Em outra mesa um jovem comia espaguete. Mais adiante um homem só servia-se de um prato indefinível... Sentaram-se em uma mesa com vista para o mar. A lua começava a sair do mar àquela hora, manchando a água com sua luz pálida. Um pescador vigiava sua vara fincada na areia... Um casal de namorados namorava ao luar, sentado na areia da praia... Distante, viam-se as luzes dos navios no alto mar. Uma visão do paraíso... Um garçom entediado trouxe o menu e Hernandes pediu o prato indicado por ela: Bife a parmegiana. Segundo Valkíria: “O melhor da região”. Comeram. Realmente o Bife era dos melhores que já havia provado... Entre uma garfada e outra Hernandes contemplava aquela beldade e esta não se sentia constrangida. Sabia o que estava provocando... Por sob a mesa suas pernas se procuravam para acariciarem-se, já que as mãos estavam ocupadas com a refeição... Conversaram bastante e logo chegaria a hora fatídica da despedida. Nenhum dos dois queria que esta hora chegasse. O desejo já havia feito morada entre eles.

-“Tchau. Tenho que ir, afinal você mora no fim do mundo...”

- “Não precisa ir. Caso queira ficar vamos até minha casa...”

Era como oferecer carne a gato! Os dois só estavam esperando a chance de estarem juntos. Convite aceito! Foram para a casa de Valkíria. 10º andar de um prédio bem situado à beira mar. Entraram em um apartamento pequeno e aconchegante com uma luz ambiente. Uma escrivaninha e uma velha arca compunham a sala de pouca mobília. Da varanda tinha-se uma vista esplendorosa do mar.

-“Fique a vontade que eu vou tomar um banho.” Valkíria saiu. Hernandes ficou na varanda pensativo. Escutava o chuveiro e Valkíria cantarolando feliz. Fazia tempo que não se sentia tão liberto dos seus problemas. Aquela garota o havia enfeitiçado! Observava o ambiente despojado de luxo e até um pouco desconfortável. Parecia a residência de um monje franciscano. Aconchegante e vazio ao mesmo tempo, o que lhe dava impressão de ser maior. Uma velha arca, daquelas de madeira antiga que calculou ter pelo menos uns cinqüenta anos. Vira uma destas quando era criança no interior. Uma mesa de madeira escura com duas cadeiras. Uma estante com alguns livros. Uma velha escrivaninha com papéis empilhados. Uma luminária simples estava no teto da sala e um abajur de juta completava a iluminação. Um ventilador ao chão demonstrava que em alguns momentos aquele apartamento era quente. Dois quadros na parede e uma cortina artesanal de sisal... Não havia cadeiras ou sofás. Almofadas... Muitas almofadas de todos os tamanhos estavam espalhadas pela sala alcatifada. Embora alcatifa não combinasse com o clima da cidade era uma moda naqueles tempos. Chegou até a cozinha e descobriu que ela não era afeita a cozinhar: o fogão estava intacto como se não fosse usado há muito tempo, abriu a geladeira para tomar água e somente poderia tomar água, nada mais havia na mesma. Voltava à sala quando ouviu:

-“Hernandes. Terminei. Caso você queira tomar banho, tem uma toalha limpa no banheiro.”

Claro que Hernandes iria tomar banho. Estava se sentindo suado. Sujo mesmo... Havia saído do escritório direto para aquele encontro. Era uma suíte. Passando pelo quarto não viu nenhuma cama... Será que ela dormia em rede? Também não notou nenhum armador de rede... Onde aquela garota dormia? No quarto franciscano como a sala, apenas havia um guarda roupa. Entrou no banheiro pequeno. Valkíria tinha bom gosto com a maquiagem e o cuidado com os cabelos: Produtos Payot estavam sob o espelho. Xampu Pharmaervas e quando entrou no Box deparou-se com sabonete Alma de Flores e... Calcinhas dependuradas para secar! O pequeno recinto rescindia ao perfume daquela mulher. Ligou o chuveiro e a água fria o despertou. Tivera uma carga muito grande de adrenalina com aquele encontro tão inesperado quanto improvável. Sentia calafrios a percorrerem-lhe a espinha e não era pelo contato com a água fria... Nunca agira desta forma! Era o que se poderia dizer um “cara careta”. Compromisso assumido era coisa séria e ele era um homem compromissado, mesmo sendo um compromisso esfarrapado... Sem gosto... Desgastado pelo tempo e pela convivência desrespeitosa. Um noivado quase casamento, onde o amor já não fazia morada há muito tempo e ele não tinha coragem de terminar ou já estava bastante acostumado com o fato. Era assim como uma coceira que lhe incomoda, mas que você não sente interesse em livrar-se dela... Ainda assim era um compromisso!... Saiu do banho com a toalha enrolada no corpo... Claro. Não tinha roupa de reserva e não esperaria que Valkíria a tivesse e, com certeza, suas camisolas não iriam combinar nada com ele... Pensando isto começou a sorrir. Saiu do banheiro e passou pelo quarto, ao chegar à sala sentiu um cheiro forte de café no ambiente, reconheceria este cheiro em qualquer lugar. Era viciado em café. Aquela sala desprovida de móveis dava-lhe a nítida sensação de estar em uma casa “hippie”. A cena de Valkíria sentada em algumas almofadas com uma caneca de café era uma imagem bonita e singela, mas que parecia coisa de hippie... Ah isso parecia.

-“Quer café?” – Hernandes acenou que sim.

-“Tem na garrafa térmica. Não se preocupe que acabei de passar. É uma das minhas especialidades e meu café é uma delícia.” – Sorveu o café com prazer. A garrafa térmica estava sobre a arca juntamente com uma caneca. Hernandes serviu-se e aproximou-se dela.

- “Realmente...” - Afirmou após tomar um grande gole de café.

O perfume de Rastro de Valkíria tomava conta da sala e quando Hernandes fechava os olhos somente uma imagem lhe vinha à lembrança: lá estava ela no Congresso, com seu cabelo preso por uma marrafa espanhola de casco de tartaruga e um eterno sorriso nos lábios. Maquiagem leve. Lábios bem definidos em um vermelho forte... Aquele cheiro pulsante que agora sabia de onde vinha. Segura de si. Comandando a sua equipe de trabalho. Era de uma personalidade marcante. Almoçariam juntos desde o primeiro dia. Conversariam bastante sobre vários assuntos... Não conseguiram ficar no mesmo grupo de trabalho, mas sempre que se encontravam nos intervalos para o cafezinho... Um monopolizando o outro, ninguém mais fazia parte daquele momento... Um congressista jovem como ela tentaria aproximar-se... Naturalmente com intenções conquistadoras, e o lado “macho alfa” de Hernandes fez-se presente, encontrando um jeito de afastar o intruso... As cenas do Congresso passavam em sua mente quando foi trazido à realidade por Valkíria, tocando em seu braço:

-“Hei, terra chamando... menino, estou falando com você há uns dois minutos e você nem aí...”

Valkíria havia ido ao quarto e Hernandes nem mesmo notara sua ausência.

-“Desculpe... Estava absorto com meus problemas...” – mentiu desconcertado. Estava pensando realmente em seus problemas! Só que seu problema atual era Valkíria!

Quando se inclinou para deixar a caneca sobre a arca, propositalmente, ou não, encontrou em seu caminho a boca convidativa de Valkíria. Beijaram-se! Agora sofregamente, como se não houvera amanhã... Ambos entregues à volúpia. Valkíria vestia uma camisola modelo “da vovó” que ia até os pés, própria para terras frias... Nada atraente e muito menos sexy ou prática... Hernandes tentaria tocar seus seios, ao que ela recuara deixando-o constrangido e com a sensação incômoda de que havia avançado, ou entendido errado, o sinal.

-“Desculpe... Acho que entendi tudo errado...” – De repente o calafrio sumira e por um breve momento Hernandez sentiu-se perdido. - “Não tem problema... Se você me arranjar um colchão eu durmo aqui na sala mesmo...” – Era um apartamento pequeno que só tinha um quarto, só havia esta opção.

-“Desculpas, peço eu...” – Valkíria estava se recompondo. A camisola amassada... –“Só tenha um pouco de paciência comigo...”

Hernandes ouviu o som da trombeta de Jericó, os címbalos mágicos do Olimpo e sentiu fundo a flechada de Eros... Dirigiram-se ao quarto. Aquele que não tinha cama. Valkíria havia estendido um colchão, que Hernandes não sabia de onde havia aparecido... Estava forrado e perfumado com Rastro, como ele sentiria ao deitarem-se... Realmente aquela menina parecia uma “hippie”...

Aquela seria a noite mais maluca e inesquecível de Hernandes... Não tinha nenhum compromisso com desempenho. Nenhum compromisso com compromissos. Aquela garota sabia de tudo. Fazia com que ele se sentisse um Adônis, mesmo sendo um cara magro e até desengonçado, e de uma rudeza de comportamento a toda prova. Não era um grosso, na expressão da palavra, mas passava longe de ser um “gentleman”. Valkíria, totalmente consumida pela volúpia, entregava-se aos seus carinhos possessivos e másculos. Estava inebriada com aquelas mãos que a acariciavam sofregamente... Com aquela boca que passeava pelo seu pescoço e pelo seu corpo com beijos pegajosos... O suor dos dois misturava-se naquela noite de verão... Orgasmos? Não contaram quantos... A noite mais inesquecível que os dois já haviam vivido. Rolaram pelo colchão, que se tornara pequeno, mesmo sendo de casal... Encontraram-se na própria alcatifa... No chão... Sem se darem conta do fato. O prazer fizera morada entre eles e enlaçados e arquejantes de amor veriam o sol nascer...

Cap II

Naquela manhã, tudo pareceu diferente. Hernandes observava aquela jovem nua ao seu lado, cochilando exausta. Tinha um corpo escultural. Gordinha... Mas escultural! Coxas carnudas, sem celulite, mesmo sendo rechonchuda. Uma cintura definida com uma barriguinha sarada, o que era aparentemente incongruente com seu biótipo. Seios pequenos e bem formados, levemente arrebitados... Só agora notara que tinha sardas no rosto, no colo e nos ombros, culpa exclusiva do sol, sem protetor solar... Que lhe davam uma sensualidade natural. Lembrava-se de quando a conhecera em uma feira no Centro de Convenções. Não era nada ligada ao seu ramo (tanto que não conseguia lembrar de que fora a tal feira). Alguns amigos o convidaram e ele achou que era um bom programa. Lá estava aquela garota fulgurante. Com uma presença marcante. Baixinha e sexy (como ele a definiria futuramente para alguns amigos). Sentindo-se atraído por aquela garota, arranjou uma forma de se aproximar dela: em um stand de livros lá estava ela lendo um folder. Aproximou-se. Perguntou algo à promotora. Não lembrava bem o que... Mostrou interesse no que a jovem estava lendo e começaram a conversar. A conversa fluía naturalmente entre eles. Em alguns minutos já eram velhos “amigos de infância”. Estavam rindo e foram tomar sorvete juntos. Os amigos? Ele não tinha a menor idéia de quando os perdera de vista... Era uma sensação extasiante conversar com aquela jovem inteligente e com “tiradas” que o deixavam desconcertado...

-“Noto que você tem duas covinhas nas bochechas, quando ri...”

-“...e tenho outras duas acima do bumbum...”

-“Só acredito vendo.”

-“Não vai ser tão fácil assim...”

-“Olhe que um dia eu vou ver...” – O destino fizera com que hoje Hernandes pudesse apreciar aquele bumbum redondo e rechonchudo. Realmente tinha duas covinhas onde termina a coluna e começa o bumbum... Uma maravilha de se olhar. A imagem daquela coxa roliça trazia à sua a mente a idéia esdrúxula de um pernil. Era uma idéia esquisita, mas era isto que lhe ocorria... Valkíria mexeu-se no colchão e ao ver Hernandes sentado ao lado dela, deu um salto assustada.

-“Calma! Sou eu...”

-“Que horas são?...” – Valkíria não esperou que Hernandes lhe dissesse a hora. Saltou do colchão e foi para o banheiro. – “Estou, com certeza atrasada. Tenho aula às sete horas e meu colégio é longe...”

-“São só cinco e meia... dá tempo. Afinal seu colégio não deve ser em João Pessoa... ou é?”

-“Tenho que correr mesmo assim.” – Ligou o chuveiro e Hernandes não resistiu à tentação de olhá-la no banho. Uma imagem inesquecível! A água escorrendo pelo seu corpo moreno. O cabelo molhado a deitar-se pelos ombros sob a força do jato... Ficaria ali olhando por toda uma manhã. No fundo era um voyeur... Não resistiu e como ainda estava nu, entrou debaixo do chuveiro junto com ela, que não ofereceu resistência a seus carinhos... Recomeçariam toda sua sede de volúpia, não fosse a crise de responsabilidade de Valkíria.

-“Tá tudo muito bem... tá tudo muito bom... mas eu realmente tenho que ir.” – Saiu do banho. Enxugou-se. Enquanto se vestia, Hernandes deixava a água fria aquietar seu desejo. Por longos cinco minutos ficou debaixo do chuveiro e quando saiu do banheiro enxugando-se, Valkíria já estava perfumando-se com seu costumeiro Rastro. O perfume ocupava os espaços do quarto deixando, com sua passagem, uma pista. Um Rastro... Não precisava ser nenhum sabujo para segui-la... Mesmo com uma roupa comum: uma calça jeans e uma camiseta do colégio, onde se lia “coordenação”, estava linda... Saíram apressados e tomaram um café rápido na padaria da esquina. Hernandes lembrava dos seus tempos de estudante, quando tinha que sair correndo da república e comer alguma coisa na padaria.Bons tempos... Tomariam o mesmo ônibus e na fila um jovem de aproximadamente 18 anos cumprimentou Valkíria.

-“Bom dia professora.”

-“Bom dia Gustavo” – entrariam todos no ônibus. Hernandes decidira ir até o colégio de Valkíria, queria conhecê-la melhor.

-“Não gostaria que você fosse até lá...”

-“Por que não?”

-“Não fica bem... É melhor assim. A gente se vê. Afinal você tem meu número, é só me ligar...” – Não restava muito que fazer e Hernandes desistiu de argumentar. Como dizer-lhe que queria estar junto a ela todo o dia? Que não tinha nenhum interesse naquele momento que superasse o desejo de estar consigo? Estava tendo uma crise aguda de irresponsabilidade. Era um cara certinho... Tudo seu tinha um momento e um dia certo... Agora queria quebrar este paradigma... Queria ser diferente... Se dependesse somente de sua vontade, nunca mais retornaria àquela sua vidinha medíocre de Vendedor/Representante... Aquela noite havia sido um marco definitivo do rumo que sua vida tomaria a partir dali. Nunca mais seria como antes...

Hernandes voltaria à sua rotina entediante... Seria flagrado várias vezes com o olhar distante e sonhador de adolescente, algumas vezes com um sorriso bailando nos lábios... Suportaria três dias! Apenas três dias antes de procurar novamente Valkíria. Precisava sentir novamente aquele desprendimento e aquela sensação de poder que o contato com seu corpo lhe havia proporcionado. Ligou e marcou o encontro com ela. Seria naquele mesmo dia! Teriam uma noite tão arrasadora como a primeira! Estar com Valkíria era por si só motivo de júbilo. Encontrar-se-iam ainda algumas vezes durante todo o mês. A paixão. O desejo... O tesão... Só aumentava a cada encontro. Parecia que um vulcão entrava em erupção a cada vez... Novamente o travesso Eros havia flechado Hernandes e desta vez com várias flechas. Parecia ter feito de seu coração, como diz a música de Adoniran “tauba de tiro ao álvaro”, todo dia uma nova flecha aumentava o encanto... Estava completamente apaixonado...

Inconsequentemente, como já conhecia seu endereço, decidira lhe fazer uma visita surpresa naquele dia. Era sexta feira. Não precisaria acordar cedo... Passaria a noite na esbórnia. Em um supermercado, comprara um bom vinho alemão, macarrão de sêmola e tomates maduros, além de um azeite de excelente qualidade. Iria surpreendê-la com uma bela macarronada... Subiu o elevador, após uma desculpa esfarrapada na portaria. O porteiro o olhou com um olhar certamente desconfiado e ele disse que era aniversário de Valkíria e que iria lhe fazer uma surpresa. Como tinha uma aparência de homem sério não foi difícil convencer o porteiro a deixá-lo subir. Defronte ao apartamento de Valkíria, ajeitou a roupa, alisou o cabelo e a barba.. Empertigou-se e tocou a campainha.

-“Pois não.” – Um jovem de aproximadamente 18 anos, bastante jovem, (nem mesmo tinha barba completa...) atendeu a porta com uma toalha enrolada na cintura e com os cabelos molhados de quem saíra do banho. Era início da noite... O espanto de Hernandes foi tamanho que julgou ter tocado a campainha errada. Deu um passo atráz... Olhou para a porta do apartamento... Olhou para o número do apartamento: 1012! Estava certo! Afinal não tinha como errar! Estivera ali nas melhores noites de sua vida. As noites dos seus sonhos... Vira bem o número na porta: 1012! Estava parado, abobalhado, olhando por sobre o ombro do rapaz... Reconhecia aquela sala hippie. Não havia dúvidas o apartamento era aquele... O jovem insistiu:

-“Diga moço, posso ajudá-lo?” – Um flash! Um relâmpago surgiu com uma imagem nítida: uma visão... A fila do ônibus... Aquele rapaz era o mesmo que havia cumprimentado Valkíria após sua primeira noite, na fila do ônibus... Era com certeza seu aluno!

Hernandes não entendia nada... Sua vista quase escureceu. Apoiou-se na soleira da porta meio zonzo... Sentia-se tonto... Quando, por sobre o ombro daquele menino, viu Valkíria que veio saber do que se tratava. Também enrolada em uma toalha e com os cabelos molhados.

-“Quem é Mô?” – Quando Valkíria viu Hernandes desmoronou. Caiu pesadamente na sala! Não havia como saber se estava fingindo ou se realmente havia desmaiado. Hernandes apenas olhou para aquele corpo, agora seminu na sala do apartamento, caído e desprotegido. Aquele rapazola atarantado sem saber o que fazer... Teve uma única atitude: colocou calmamente suas compras no chão e deu meia volta... Retornaria para seu mundinho sem sentido... Afinal nunca deveria ter saído dele...

Arrancaria do coração as flechas lançadas pelo malicioso Eros. Esperaria que as feridas cicatrizassem... Que já não doessem tanto... Iria com certeza esquecer a mulher mais gostosa que jamais conhecera... A mulher mais maliciosa e intrigante que tivera conhecimento em sua vida de poucas aventuras...

Os deuses do Olimpo perderam suas vagas no panteão dos deuses, por costumarem brincar com os mortais. Não era legal dispor dos sentimentos dos outros assim. A tal Ninfa do Destino deveria estar se divertindo, enquanto Ares tentava enfezar Hernandes para que ele tivesse uma atitude feroz e hostil... A culpa toda foi da gostosona da Afrodite e seu filho mafioso: Eros... Hernandes poderia encontrar mil desculpas para o desfecho daquele idílio de amor...

Agora, que ia ter uma conversa séria com Afrodite e este tal de Eros... Ah isso iria.

Fim.