EU, OFÉLIA DE FERNANDO

NO INÍCIO DA MADRUGADA DE 04 DE JANEIRO DE 2014

Eu amo Fernando Pessoa e sei que ele também me ama, mas sei também que um dos seus heterônimos ainda vai separá-lo de mim. Nenhum deles gosta do nosso namoro, nenhum deles gosta de mim.

Sou muito jovem e sei que Fernando não sabe o que se passa na minha cabeça e no meu coração. Amar a um homem que é tantos... há quem possa imaginar o que seja isso? Não posso fazer confidências às minhas amigas, elas não seriam capazes de compreender.

Um dia desses percebi que conversava com Álvaro de Campos, não com Fernando... Meu Fernando havia saído dali. Outra vez foi com Bernardo Soares e ainda com Caeiro que todos, inclusive Fernando, chamam de mestre.

Não é fácil perceber quando Fernando some, quando dá lugar a um dos seus outros heterônimos. Não é fácil porque eles, embora diferentes uns dos outros, como também do Fernando, possuem fortes elos entre todos, coisas comuns.

Há algum tempo li romance com história muito pior do que a minha: uma mulher ama a escritor também com muitos heterônimos, mas, ao contrário do meu caso, todos absurdamente diversos entre si, com a inclusão de algumas mulheres. Ela, a amada do escritor, acaba por enlouquecer.

Tenho medo, muito medo dos heterônimos do meu Fernando. Sei que algum deles ou mais de um tramam para nos separar. Eu sei.

Não nos há defesa possível porque Fernando não crê na minha capacidade de compreensão. Por isso esse silêncio, a ocultar-nos a ambos coisas absolutamente essenciais para a preservação do nosso amor.