**Dificl Separação**

E ela falava, falava e falava.

Eu achava que, a cada dia que passava, ela estava se transformando na pessoa mais insuportável deste mundo.

Não podia chegar em casa, começava a ladainha, era isto, aquilo, aquilo outro, até a hora que eu perdia a paciência e a deixava falando sozinha.

Não tinha mais vontade de ir as confraternizações em família, visitar amigos, ou qualquer outro tipo de passeio em companhia dela.

Ela dizia que, eu havia casado com o serviço e estaria me tornando alguém alienado, obtuso e só eu que não enxergava.

Esbravejava, tentava de tudo para me levar a igreja, fazia de tudo para que eu procurasse um psicólogo, mas, isso só servia para me irritar ainda mais, me afastar ainda mais.

Nossos filhos já estavam formados, só que, já estava cansado de trabalhar praticamente de domingo a domingo, além das horas extras, viagens a negócio para aumentar a renda, tudo para dar uma vida digna a minha família, porém, parecia que não havia agradecimento pelas coisas que eu fazia.

Ela exasperava-se com meu lado conservador, me chamando de retrógrado, homem das cavernas, tentando fazer-me compreender sobre a evolução, mostrando-me os filhos crescidos, a informatização, dizendo ela, ser necessário eu reagir e deixar de ser tapado e obtuso.

Meu casamento estava se transformando em um verdadeiro inferno.

Perdi a alegria de voltar para casa após o serviço, não havia graça abraçar minha esposa, meus filhos sempre ausentes, enervava-me com a casa cheia de gatos, cachorros e um papagaio tagarela e além de tudo, só escutava reclamações e cobranças.

Ela chorou, esperneou, pediu insistentemente para eu me tratar, porém, eu dizia que, era ela que precisava de ajuda.

Em um domingo, dormi até um pouco mais tarde, levantando-me quase na hora do almoço e para a minha surpresa, a família estava reunida a mesa.

Senti o ambiente tenso, todos olhando para mim e perguntei qual seria o problema.

Eles falaram algumas baboseiras e ao término da refeição, ela pediu para irmos a sala e ali começou o meu martírio.

Trouxe-me um café, colocou o maço de cigarros e o cinzeiro sobre a mesa e pediu-me para que escutasse a todos, que deixasse cada um expor suas ideias, pensamentos e sentimentos, levando ao entendimento familiar, como todas as famílias tinham o costume de fazer.

Concordei, entretanto, tornei-me o único alvo, escutando absurdos e histórias de tudo que é tipo, insatisfações de todos os gêneros, acusações incabíveis e o meu sangue fervilhava, mas, calado fiquei até que todos se desabafassem.

Sempre fiz de tudo para a minha família, arrebentando-me de trabalhar para comprar a casa, pagar a faculdade de todos, dar-lhes uma vida digna, cheia de confortos e depois de escutar tudo que escutei, parecia que eles me viam como a um monstro.

Da raiva, passou ao desespero e lagrimas teimosas banharam minha face, mesmo tentando contê-las, elas saiam em quantidade.

Levantei-me, saí sem dizer uma palavra e fiquei perambulando pelas ruas.

Depois de me acalmar, voltei para casa, peguei duas malas, jogando o que deu para jogar dentro, coloquei-as no carro sem que eles notassem e fui para a casa de minha irmã.

Meu cunhado estranhando a minha visita, abraçou-me com alegria e todos vieram me beijar, felizes por eu ter aparecido.

Eu e Jane tínhamos muita sintonia, notando algo no ar, pediu as crianças um tempinho para que pudesse colocar as fofocas em dia com o tio e rindo, eles deixaram os adultos a vontade.

Acomodamo-nos na varanda e eles começaram com uma série de perguntas, arrancando tudo de dentro de mim.

O interrogatório perdurava, e eu, ia expurgando a minha indignação, as tristezas e a decepção.

Casei-me com dezoito anos e ela com dezesseis e desde então, vesti a farda do guerreiro, do marido, do pai de família e lutei obstinadamente para que tivéssemos um lar cheio de realizações e vitórias.

Sentia-me um grande homem, assim como, um grande Pai, porém, não era esta a imagem que eles tinham de mim.

Falei sobre a triste reunião, que as minhas malas estavam dentro do carro, e que, não tinha a mínima vontade de voltar.

Paulo, meu cunhado, imediatamente abriu as portas de sua casa, dizendo que, eu seria bem vindo e poderia ficar o tempo que desejasse.

Neste momento, Jane levantou-se deu um forte abraço no marido e o beijou, dizendo com lagrimas nos olhos:

- Obrigada meu amor.

Correu para arrumar o quarto de hospedes enquanto fui pegar as malas.

Três horas depois que eu havia chegado, o celular tocou, era Sara.

- Você está louco? – Onde é que você está? – Acha que fugir de casa resolve o problema? Você não é homem de conversar e procurar contornar a situação, colocar as coisas nos eixos? Abandona o lar como um covarde?

Meu sangue subiu, vindo a vontade de jogar o celular na parede, entretanto, simplesmente o desliguei.

Bastante chateado, desci as escadas, sentindo o cheiro delicioso vindo da cozinha e quando entrei, Jane dava tapas nas mãos do marido e dos filhos que roubavam as batatas fritas e os bolinhos de carne assim que ficavam prontos e acabei rindo da cara deles.

Acabei não resistindo, participando do assalto as batatinhas, tomei dois tapas bem ardidos e as crianças gargalharam.

O jantar estava sensacional, cozinha simples, trivial, entretanto, muito saborosa, além do clima leve e extrovertido.

Estava na sobremesa quando a campainha tocou, com Sara entrando em companhia do meu filho mais velho.

Bastou Jane olhar para os filhos, para eles se retirarem.

Sara parecia um dragão soltando fogo pelas ventas, esperando o momento certo para colocar fogo em tudo e assim que todos sentaram, a primeira pergunta foi:

- Vocês estão de acordo com o que o seu irmão está fazendo?

Paulo retrucou na hora.

- Sara, o problema que você arranjou é com o Carlos, não conosco, portanto, resolva com ele!

Agora chegou a minha vez... Havia escutado tudo calado, tentando acertar os pensamentos, resolver os problemas de forma sensata, mas, o meu silêncio dava espaço para me crucificarem ainda mais e isso iria acabar ali.

- Sara, em primeiro lugar, paguei-lhe os estudos para que, crescesse no conhecimento, na sabedoria e assim, desse uma boa educação aos nossos filhos, mas, que também aprendesse a respeitar os ambientes onde estivesse... – Em primeiro lugar, respeite a casa da minha irmã!

Falava sério, conciso e baixo.

- Ouvi tudo aquilo que vocês tinham para falar e não foi pouco... – Vocês me ofenderam, me magoaram, me humilharam e preciso digerir tudo o que foi falado, para então tomar uma atitude definitiva do que quero para a minha vida, portanto, vou lhe pedir um favor:

- Vá para casa, deixe-me descansar e entender todo este drama e no fim da semana, nos reuniremos e acertaremos as desavenças ok?

Ela levantou-se, pegou a bolsa, virando as costas, sem se despedir de ninguém e na porta, Fernando voltou-se para mim e perguntou:

- Pai... – O senhor acha que está fazendo a coisa certa?

- Filho, filho meu... – Você acha que já é homem suficiente e a pessoa certa para me julgar?

Ele enfrentou o meu olhar, baixou a cabeça e se foi.

Fiquei parado na soleira da porta, quando sinto uma mão em meu ombro.

Jane me puxou pelo braço até a cozinha, serviu-me um café fresquinho, me abraçou forte, com muita força mesmo e então choramos juntos.

Chorei com vontade e as lagrimas foram me deixando mais leve, me fazendo bem, até que deixaram de escorrer.

Paulo gentilmente saiu com as crianças, nos deixando a sós.

- Jane... - Já tomei a minha decisão... - Acabou!

- Como assim Carlos?

- Não estou doente, não sou uma pessoa ruim, não preciso de tratamento, só precisava de carinho e compreensão.

- Não tem como beber o leite derramado... – Não tem como resgatar o amor que já morreu... – Não tem como recriar um lar feliz, ninguém vai mudar radicalmente a sua personalidade, o seu jeito de ser e eu teria que continuar vivendo uma vida sem sentido.

- Um pouco antes do jantar, me diverti como não me divertia há anos, ao assaltarmos as batatinhas e os bolinhos de carne, com você batendo em todo mundo, sobrou até pra mim.

- Mamãe fazia isto com a gente, lembra?

- Claro que me lembro... – Tempos bons não é verdade mano?

- Você tem muito da Mamãe, a mesma alegria, a mesma arte em cozinhar e o coração imenso, pois, mesmo que eu ficasse um tempo afastado, nunca brigou comigo, ao contrário, de repente aparecia em casa com um bolo para as crianças.

Comecei a ficar emocionado e a voz quase não saia...

- Neste meu desconforto, me acolheu com todo o carinho do mundo, não me criticou, não me julgou, simplesmente, me abraçou e chorou comigo.

- É porque eu te amo, meu irmão.

- É isso mana, amor.

- Em minha casa existe interesse, comodidade, dependência, necessidade, mas, o amor deixou de existir.

- Mano, desta vez vou lhe dar um conselho ok?

- Você já jantou, já passou um dia bem conturbado, então, está na hora de tomar um banho bem gostoso, procurar relaxar, assistir um pouco de televisão, orar bastante e se deitar... – Tente descansar, afinal, trabalhar cansado é horrível, deixa a pessoa nervosa, então, procure descansar meu querido.

Tais palavras encheram-me de paz e terminei fazendo exatamente o que ela havia dito.

No dia seguinte, trabalhei tranquilo, só que, ao chegar a casa de minha irmã, Paulo jogava bola com as crianças no corredor, me escalaram para formar duplas e eu paguei o maior mico... Perdemos feio e foi duro aguentar a tiração de sarro.

- O Tio é o maior perna de pau que eu conheço, credo, que coisa feia tio.

E assim foi até depois do jantar.

Fazia tempo que eu não suava tanto e dava tanta risada.

De noite, deitei e dormi gostoso, quase perdendo a hora de trabalhar.

Já havia decidido que iria me separar, então, passei no escritório de um advogado bem conhecido e me preparei para todos os dissabores que estavam por vir.

Para o meu total assombro, na reunião com a minha família no domingo, em poucas palavras expus a minha decisão e somente minhas filhas choraram, porém, Sara e Fernando, tranquilos estavam, tranquilos continuaram, como se já estivessem preparados para tal desfecho.

O divórcio foi de comum acordo, transcorrendo sem maiores problemas.

Sara parecia um general, garbosamente vestida, altiva, como se estivesse comprando um jornal ou uma bala, como se, trinta anos de casamento não tivessem tido nenhum valor.

Não houve comoção, raiva, nada, somente indiferença.

Ao entrar pela porta, Jane veio em minha direção e me abraçou.

- Está tudo bem mana, estou bem mesmo... Estou me sentindo como um pássaro fora da gaiola, como se tivesse tirado um peso enorme dos meus ombros.

Olhando-me nos olhos, ela sorriu e disse que havia feito uma torta de morango, mas, que só sobrara um pedacinho que ela escondeu, senão, eu teria ficado sem experimentar.

- Obbbbbaaa.

Saímos correndo para a cozinha, dando risada e me deliciei com a torta.

Na hora do jantar, disse que estava na hora de procurar uma casinha para alugar e seguir minha vida, foi quando então aconteceu:

- Paiiiii... O Senhor não vai deixar este Zé Mané ir embora né?

- Pedrinho... – Respeita o seu tio rapazinho!

- O Tiozão é meio doido, mas, é legal pra caramba.

Agora foi a vez de Jane.

- Peddrrriiiinnhhoo... – Quem te ensinou a falar assim?

Pedrinho, no auge dos seus dez anos, levantou-se, veio em minha direção e disse:

- Vai não Tio... Fica com a gente, fica?

Com os olhos rasos d’agua, abracei o garoto com força e cobri-lhe de beijos.

Estou morando há quatro anos, em total harmonia, aumentando a minha alegria, com os meus filhos vindo me visitar frequentemente.

Um dos dias mais felizes do meu viver foi quando Cristina, minha filha mais nova, disse em nome de todos:

- Papai, foi preciso a saudade, a sua ausência, sentir que o Senhor não estava mais lá para nos defender e mil outras coisas, para que acordássemos para a vida, e sentíssemos, o quanto o Senhor é importante para nós.

Hoje em dia, converso demoradamente com os meus filhos, somente Fernando é que é mais independente e arrogante, porém, nos abraçamos na hora da despedida, voltamos a nos beijar e ele pede a minha benção.

Jane e Paulo adoram os sobrinhos e eu, tenho que aguentar Rodrigo e Pedrinho que me sacaneiam no videogame, no jogo de damas e no xadrez... Não existe uma única vez que a disputa não seja ferrenha, com a gritaria tomando conta da casa e Jane dando broncas em todo mundo.

Estou namorando uma mulher fantástica, madura e cheia de vida.

Mesmo estando perto, depois do divórcio, nunca mais falei com Sara, o que ajudou muito, pois, fui me refazendo sem os fantasmas do passado.

Débora, minha namorada, conquistou a amizade de todos, e Paula, sua filha, parece que é já era da família, tal o entrosamento, como se fosse empatia instantânea.

Sábado, passeando pelo Shopping, Débora insistiu tanto, tanto e me fez comprar uma bonita corrente de ouro com dois pingentes de meninos, gravando o nome de Pedro e Rodrigo atrás.

Eu retrucava dizendo que não era o aniversário dela, mas, obstinada, Débora venceu, dizendo que, depois me diria o motivo.

Após a compra, ela euforicamente me fez levar o presente a Jane.

Como era sábado, todos estavam em casa, então, Débora chamou todos a sala e me fez entregar o presente.

Jane espantada abria devagar e curiosamente a embalagem.

Quando viu o belo estojo de veludo, tremia ao tentar abrir o pequeno trinco, ao destampar, deu um grito de alegria, ainda sem entender o motivo de estar sendo presenteada com uma joia tão bela.

Deu um pulo no meu pescoço, me beijou, riu, chorou, beijou Débora, mostrou ao marido que logo lhe colocou o colar no pescoço e correu a se olhar no espelho.

Jane fazia um fuzuê, dando pulos de alegria, olhando e alisando os bonequinhos de meninos.

Estava fascinada, encantada, felicíssima, abobalhada.

Débora tomou a palavra e todos ficaram em silêncio.

- Sabe Jane... – Carlos contou-me tudo sobre a sua vida, em especial, a forma como foi acolhido pela irmã e o cunhado e eu fiquei tão encantada com a história, mas, nós mulheres sabemos da importância de sermos recompensadas pelo nosso amor.

- Você não imagina o sacrifício que foi fazer o seu irmão, pão duro como ele só, meter a mão no bolso e te encantar da maneira que você merece.

- Paulo também merecia um lindo presente, até pensei em um carro novo, mas, sei que Carlos iria me matar.

A gargalhada foi geral... Realmente rimos a gosto, até doer a barriga.

Jane me encheu de beijos até que a afastei de mim e disse:

- Para! - Você está me babando todo.

- Você é um besta...

E saiu dando risada para abraçar mais uma vez a Débora.

A vida vem me sorrindo, com pessoas fantásticas a minha volta.

E assim vou seguindo a minha caminhada.

Nunca pensei em divorciar... Gostaria de envelhecer ao lado da mulher que tanto amei, mas, não sei explicar como, o amor foi desvanecendo, até morrer.

Quando o amor morre, a convivência torna-se difícil, geralmente sufocando, machucando, sendo que, a separação libertou a todos, afinal, Sara também não levava a vida que sonhara para si e havia muita insatisfação entre os filhos.

Não vale a pena ficar cogitando sobre os erros, ou, quem os cometeu.

Conheci muitas coisas que se podem restaurar, assim como, carros antigos, telas e quadros valiosos, reconstrução das arquiteturas das casas, móveis antigos, infelizmente, nunca ouvi ninguém dizer que, depois de extintas, conseguiu reacender as chamas da paixão.

A vida é isto... Uma busca eterna pela felicidade... Quando os caminhos começam a tomar rumos diferentes, temos que fazer a nossa escolha, por mais difícil que seja.

Não conseguimos viver sem a mais extasiante sensação que o amor provoca.

O amor é o sentimento que nos motiva e nos dá a certeza de um amanhã melhor.

A família é comunhão, solidariedade, conforto, harmonia e paz.

O amor?

O amor é tudo... Simplesmente a essência da vida.

Agradeço a Deus pela família maravilhosa, e, por amar e ser amado.

Camaro CMRS
Enviado por Camaro CMRS em 15/02/2014
Código do texto: T4691703
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