O dono da festa **

     E quantas mulheres passaram por minha vida irrestrita sem que eu sequer tivesse a chance de agradecê-las por tantos momentos felizes – se bem que eu também lhes concedi seguramente o dia, e a noite, dos mais felizes de suas vidas. Que posso fazer se fui criado assim: dar prazer às pessoas por um dia apenas? Não tenho culpa se sou o centro das atenções, o verdadeiro dono da festa. Alguns homens nem podem me ver antes que eu me apresente. Mas ao me conhecerem, se esquecem do passado solitário que tiveram e passam a só pensar no que suas vidas serão daqui para frente, e logo aceitam a oportunidade que venho lhes trazer. Às mulheres interessadas em meu serviço podem procurar-me no mais badalado ponto do centro da cidade. Por conveniência, moro no meu escritório, e pode-se escolher-me entre tantos outros disponíveis, contanto que tenha dinheiro para pagar. Isso mesmo. Como tudo que é mais refinado e memorável na vida, eu também tenho meu preço. Mas a garantia são horas inesquecíveis comigo. Geralmente as mulheres chegam tímidas, indecisas. Eu as abraço, e depois de um tempo já abrem um sorriso deslumbrado. Depois é só alegria. O combinado é chegarmos juntos ao local destinado. Eu ouço o que ela tem a dizer, o que ela deseja, o que ela espera, então saímos para passear, dançar, e, à noite, temos nosso último momento especial de amor. No dia seguinte já estou de volta ao ofício, aguardando que a próxima sortuda venha procurar-me, cheia de expectativas e sonhos. Não tenho qualquer arrependimento do que faço, pelo contrário. Ser um vestido de noiva deve ser a existência mais feliz e gratificante deste mundo inteiro.
     Confesso que é um ofício sem inconveniências. Imagine-se em uma vida de festas. Cada vez que chego, todos me admiram, me elogiam. Uns suspiram, uns choram de emoção. E por mais que a mãe da noiva esteja mais nervosa que a própria noiva em muitas das ocasiões, sou eu que sinto seu coração palpitando de alegria e agitação por tão esperado momento. Quantos sonhos, quantas expectativas, quantas esperanças eu sinto todas as vezes...! E após o “sim”, todos me abraçam, parabenizando-me, tiram fotografias ao meu lado, eternizando-me, e depois dançam comigo, celebrando-me. Ah, as festas de casamento! Uma celebração de um sonho, uma celebração do que está por vir, do que se deseja realizar, do que ainda não foi construído. Fecho a noite com a consumação do amor. Despeço-me da companhia da desposada, desnudando-a, deixando-a de todo, tendo cumprido heroicamente o meu dever de proporcionar-lhe a noite mais memorável de sua vida. Mas só acompanho as pessoas até aqui, e o que acontece depois? Apostaria meu véu de seda para descobrir. Não sei se brigam, se se entristecem, se decepcionam-se, se deixam de se amar. Por isso tenho que admitir que, ao mesmo tempo, minha existência é muito fácil, muito cômoda, e por essa mesma razão, conveniente demais, e irreal, incompleta. Até mesmo alienada. Será que a felicidade pode ser duradoura para eles também, ou uma vida de felicidade constante como a minha só é única e especial por ser a repetição do mesmo momento? Na verdade, uma existência como a minha é até mesmo impossível, impraticável. Ou será que não? Podem as pessoas sonharem todos os dias? Podem elas aceitarem-se com alegria e esperança e celebrar a vida diariamente e com o mesmo entusiasmo que fazem nas festas em que sou convidado? Espero que sim. Porque se assim for, então quem sabe eu não seja o único ser plenamente feliz que existe no mundo. Tal como cada vestido de noiva, talvez exista quem tenha se bordado e modelado para ser o convidado mais esperado, o dono da sua própria festa.

Publicado em “Mulheres e seus amores”, disponível aqui em formato E-Book.


(publicado em: Palavra é Arte-Narrativas, 2017)
Vitor Pereira Jr
Enviado por Vitor Pereira Jr em 02/04/2014
Reeditado em 14/09/2021
Código do texto: T4753632
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