O BELO CAVALEIRO

Parecia um conto de fadas se materializando, num pedaço de fim do mundo.

Assim pensava a pequenina com suas bonequinhas ao colo.

Ela tinha razão, pois ali era um bairro simples e pobre, onde só acontecia poeira, dor e solidão. Alguma morte de criança ali era comum.

Naquele tempo a ciência não era tão evoluída.

Assim, um dia de manhã, junto com a nuvem de poeira que de repente se assoprou. Ficou na retina um quadro, tipo assim: Walt Disney, numa surperprodução de encantamento e suspense. De onde saiu um belo e agitadíssimo cavalo branco, poderosamente contido pelas hábeis mãos de um príncipe loiro, de olhos azuis.

Para a pequenina, esta foi a impressão que ele causou. O que não foi muito diferente para as jovens senhoras e vizinhas do vilarejo. Mais detalhadamente, daquela rua dos Sonhos. Que se não era esse o nome. É o que de melhor lhe convinha.

A paz antes reinante naquele lugarejo, mudou de ares e de lugar também.

E por muito tempo, viam-se e ouviam-se tagarelas línguas ao portão da tardinha, ou nas manhãs ansiosas pela presença de tal figura.

E o príncipe fez-se presente por muitos dias, cavalgando alegre e vigorosamente, chamando e despertando a curiosidade geral.

Até que um dia, uma das jovens casadinhas e desengraçadas, com a

mesmice dos dias, descobriu o belo jovem. Era um místico representante

dos deuses:

- Ele adivinhava o presente, passado e futuro. Mudava destinos e desviava o mal.

Era tudo e o bastante para as cabeças carentes de emoções e uma

pitada de fascinação.

Agora, pontualmente à hora matinal, tão esperada, as janelas da pacata rua abriam-se como sorrisos em boca casadoiras.

Só os maridos não gostavam da história. E aos poucos que souberam da novidade foram revelados os dotes do poderosíssimo Grande Pai.

Ao que a menininha na sua inocência indagava:

- Como pode ele, tão novo assim, ser pai de alguém?

Ela achava algo estranho nessa história, mas queria só observar tudo. Na calma de seus poucos anos, para aprender com a vida o comportamento daquela gente grande e complicada de se entender.

Até que uma das jovens adoeceu, com a falta e sumiço do paizinho, que desencantara do pedaço, por um bom tempo.

Foram tantas as rezas dos parentes. Busca de médico, que na ocasião, ia à casa dos pacientes.

E o buchicho entre as mulheres do local só aumentava.

Nada passava desapercebido ao olhar da menina, que não sabia precisar, ao certo, aquele zumzunzum. Mas já desemsimpatizava com a figura do belo cavaleiro encantador.

Até que com sua inocência toda, e numa das conversas com suas bonecas confessou:

- Acho, que ele queria mesmo é ser um ator de Hollywood. Incendiar

o coração das pessoas, ou quem sabe ter o poder mesmo de criar um mundo novo, sem problemas. Só perfeições e belezas femininas para

se admirar e passar uma vida cheia de alegrias e loucas aventuras ao

lombo de um cavalo branco.

- Coitado. Ele queria mesmo é ser um príncipe encantado.

E quando as desconfianças de todos moradores do local começaram a perder as forças, sua presença começou a cair no esquecimento. Até que o belo príncipe ressurgiu, envolto em esporas, poeiras e crinas alvíssimas.

Mas desta vez, a bruma de mistério parecia ter ficado só nos filmes de Hollywood. Sua fisionomia antes encantadora, agora era apressada, medrosa ou entediada.

Apeou frente a umas duas casas vizinhas. Vaticinou sortes, desfez despachos, tomou café, comeu alguns doces. Antes prazeirosamente e descansado. Agora sempre com pressa.

E finalmente, apeou na casa da jovem moribunda, sob as janelas cerradas e um tenebroso mistério, para nunca mais ser visto em nenhuma cavalgada naquele lugar.

Com o tempo a jovem doente sarou, contudo nunca mais sorriu.

O lugar voltou a ser a Rua dos Sonhos. Sem graça.

Ah, a menininha cresceu, continuou gostando de bonecas. Casou-se

e aprendeu a sonhar,... de olhos bem abertos.

anna celia motta
Enviado por anna celia motta em 05/04/2014
Reeditado em 10/12/2014
Código do texto: T4756775
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