ALVORADA DO AMOR
                                   
 
 
“E da costela que tinha tirado de Adão, formou o Senhor Deus uma mulher; e a levou a Adão. E Adão disse: eis aqui agora os ossos dos meus ossos e a carne da minha carne (...)”. Gênesis, 2;22.
                                              *** 
E no princípio Deus fez o céu e a terra,
Pela potência da sua Vontade exercida.
Para dar sentido ao que nela se encerra,
Povoou-a com diversas formas de vida.
 
E assim formou-se o reino dito animal,
Com criaturas da terra, da água e do ar;
E para dar remate a essa obra magistral,
Ele fez o homem, sua criatura modelar.
 
Do pó da terra ergueu o homem Adão;
Com um sopro o tornou alma vivente.
Multiplicar-se lhe foi dado por missão.
 
Para garantir a produção do resultado,
Fez a mulher, a criatura surpreendente,
Que todo homem necessita ter do lado.
         J.A. O Parto de Deus- A bíblia em sonetos- RL
 ***
Quando Deus terminou de fazer o mundo Ele viu que tudo era o que havia feito era muito bom. O sol era bom porque gerava luz e calor, necessários á vida; a lua era boa porque iluminava a noite e controlava o fluxo dos líquidos na terra e suas evoluções serviam como marcadores de tempo. A terra era boa porque gerava a vida vegetal e permitia a existência da vida animal. Os animais eram bons porque povoavam a terra e davam a ela um sentido de existência. O homem era bom porque era a única criatura na terra com quem Ele podia se comunicar. Então, satisfeito com sua obra, ele sentou-se em baixo de uma árvore e descansou.
Mas nem havia pegado no sono por completo quando uma voz o despertou da modorra. Era uma voz queixosa e magoada. Deus abriu um olho e eis que á sua frente estava o homem.
─ Senhor, porque fostes tão cruel e injusto comigo? ─ queixou-se o homem.
─ Como assim, Adão. O que fiz de mal para que você me acuse dessa maneira? ─ perguntou Deus.
─ A todos as outras criaturas macho e fêmea tu as criastes. Mas a mim, a quem fizestes para reinar sobre todos eles, não me destes companheira. Por que?
─Por que a ti, meu filho, dei coisa melhor. Dei-te razão e imortalidade. Como te fiz para reinardes sobre toda a minha criação, eu te fiz menor que os anjos, porém superior a todos os animais. Tu reinarás eternamente sobre eles, e não precisarás procriar, por que jamais morrerás.
Então  o homem compreendeu porque Deus não tinha feito uma fêmea para ele. Todos os demais animais haviam sido feitos em pares. Menos o homem. Se era o desígnio de Deus, então que fosse. O homem se embrenhou nas matas virgens do paraíso, para cumprir sua tarefa de rei dos animais. E Deus então voltou ao seu descanso.
Mas esse descanso durou pouco. Não demorou mais que um dia, talvez(embora o tempo, naquele tempo não houvesse ainda sido criado). Pois os dias de Deus não se contam por horas e minutos, mas sim pela quantidade de respirações que ele dá. Ele mal havia terminado sua primeira expiração de deidade em pleno descanso e lá estava, de novo, o homem, sacudindo a fímbria da sua túnica, com voz de choro e desconsolo.
─ O que é agora?─ perguntou Deus, já com uma ponta de irritação na voz. Ele sabia que era Deus e Deus não deve se irritar. Por isso acalmou-se e perguntou de novo, agora mais calmo.
─ O que está acontecendo meu filho. Por que essa cara de desconsolo?
─ Senhor. Eu entendi porque não me fizestes uma fêmea. Andei por esse paraíso todo e vi o que elas fazem com os machos. Elas se fingem de submissas e não se importam que eles pensem que são superiores. Elas “comem” os machos e os idiotas dizem que são eles que as estão “comendo”. E jamais teriam descendência se não se juntarem a uma delas.  Então percebi por que não quisestes me dar uma fêmea, pois um rei não poderia ficar na dependência de uma rainha.
Deus deu largo sorriso, pois viu que o homem, que ele havia feito era, realmente uma coisa boa. Além disso era esperto e inteligente. Ficou orgulhoso da sua obra.
─ Entendestes bem a coisa, meu filho. Por isso te fiz assim. Imortal e soberano como eu. Assim seremos eu no céu e tu na terra.
E Deus olhou para o homem e viu que, não obstante, ele continuava triste.
─ Porque toda essa tristeza, meu filho?
─ Eu vi, Senhor, todas essas coisas que dissestes. E também compreendi a sua causa. Entretanto, vi também a felicidade que esses animais sentem quando se ajuntam com seus pares; vi a alegria no semblante deles quando nascem suas crias; quando se abraçam e passeiam juntos pelo paraíso. Por mais que pense e tente me satisfazer com as condições especiais que me destes, eu juro que trocaria tudo isso, a sabedoria, a imortalidade e o parentesco com a família divina por uma fração desse prazer. De que me vale viver eternamente se nunca vou sentir o prazer de um orgasmo? A doçura de um beijo? A satisfação de ser pai? A alegria de pegar em meus braços o meu próprio filho? A felicidade de compartilhar com meus iguais os meus próprios sentimentos?
─ Sois ingrato ─ disse Deus. Eu vos fiz semelhantes aos anjos, dei-te todas as glórias de um filho único, te revesti com todo poder e majestade entre todas as criaturas da terra e tu ainda reclamas?
─ Vós me fizestes, Senhor, porque estava se sentindo só em vossa vastidão infinita e na vossa potência absoluta. Então fizeste alguém com quem pudésse conversar, se comunicar, exercitar a vossa grandeza majestática. O que sentistes na vossa solidão cósmica é o que eu estou sentindo na terra. Não posso dividir com os animais os meus sentimentos; não encontro entre eles ninguém que comigo se pareça.
Então Deus entendeu. Foi a mesma coisa que ele sentiu quando olhou para a criação celeste e viu que não havia ninguém que, efetivamente se parecesse com ele. A criação celeste, com seus anjos divididos em classes e potenciações eram como os animais que ele havia posto na terra. E ele se lembrou que fizera o mundo porque não aguentava mais a sua infinita solidão. Então ele disse ao homem:
─ Far-te-ei uma companheira, tirada da tua própria carne, sangue do teu próprio sangue.
E fez Adão cair num profundo sono. Retirou-lhe uma costela e dela formou uma mulher. Quando Adão acordou encontrou do seu lado, Eva, a sua companheira.
─ Tu pedistes e eu te fiz uma companheira. Por conta disso serás, agora como todos os animais. Terás descendentes e sofrerás todas as dores que eles têm. E no devido tempo morrerás, para que teus descendentes possam, por sua vez viver.  Mas quando a dor te atingir, não quero que me maldigas; nem quando  o cansaço do trabalho, que de agora em diante terás que suportar, te parecer pesado demais, não quero ouvir os teus lamentos; e quando a morte interromper a tua vida, lembra-te que trocastes a imortalidade por um prazer fugaz e incompleto, porque nunca saberás se ele pode ser maior ou não. Ganharás razão e sensibilidade. Experimentarás o prazer e o amor. Vai. Tomas a tua compenheira e faz dela uma mulher. E que ela faça de ti um homem. Essa será a tua glória e teu pecado.
E foi assim que aconteceu... Por isso nós estamos aqui. E como diz o Macaco Simão, “nóis sofre, mas nóis goza.”