Amanhecer - Parte I: Tão Frio

Se eu dissesse que não sofro mais, que tudo o que passou ficou no passado, onde é seu lugar, que ele já não habita mais meus pensamentos, eu estaria mentido. Se eu dissesse que as lágrimas cessaram, ou de exaustão, ou pelo fim da dor, estaria sendo falsa, sendo mentirosa. Pois nem por um segundo, nem por um infinitésimo momento, deixei de sofrer. Não somente a dor, também a raiva. Também seria mentira se eu dissesse que deixei de sentir raiva. Afinal, não deixei. Ao ver aquela cena, ao ver os dois juntos, se beijando, meu mundo não apenas desmoronou. Foi, entretanto, completamente destruído, aniquilado, extinguido. Tudo aquilo em que eu acreditava foi queimado, depois pisoteado, então congelado, e se tornou apenas uma faca, uma lâmina, afiada dos dois lados, me impossibilitando de me entregar apenas á dor ou apenas á raiva.

Deitada em minha cama, abraço meus joelhos. Não choro. Simplesmente respiro fundo. A dor não cedeu, nem por um momento, mas, pelo menos, não está me fazendo derramar lágrimas. Meus olhos ardem, como se alguém houvesse colocado sal neles. “Idiota”, sussurro para mim mesma. Afinal, não há ninguém aqui mais idiota do que eu. “Você é patética”, sussurro, e há verdade nas palavras. Claro que eu deveria ter deixado de sofrer já há muito tempo. Entretanto, continuo remoendo o que vi.

Naquela tarde, depois que vi meu namorado e sua amante juntos, depois que surtei daquela maneira, simplesmente me desliguei do mundo. Entrei em um estado de torpor, como se eu tivesse sido dopada e jogada em um beco escuro. Durante a primeira semana, não conseguia ver nada, literalmente – as lágrimas haviam me cegado. Quando essa fase passou, quando o torpor se fora, entrei em desespero. A desesperança tomou conta de mim enquanto o conhecimento de que a pessoa que suspostamente me amava para todo o sempre me traíra. Este se apoderava de mim aos poucos, como se fosse um liquido espesso passando por minhas veias, ou como se eu houvesse sido jogada em água congelada. Rapidamente, fui tomada pelo sentimento de tristeza, de infelicidade. Mas, ao mesmo tempo, o ódio se instalou em minha alma. Sentia raiva, porém, estranhamente, não dela. Não sentia raiva da garota que roubou de mim minha vida. No começo, imaginei que o alvo de meu ódio era ele, meu ex-namorado. Entretanto, descobri estar mentindo para mim mesma ao pensar assim. Não o odeio, assim como não a odeio. Na verdade, eu o amo. Sempre amarei. Por isso, sou incapaz de odiá-lo. Sinto raiva, contudo, de mim. Sinto raiva de ter sido tão egoísta, de sentir dor por saber que a pessoa que amo finalmente encontrou aquela que o ama. Ainda estou enfurecida comigo por persistir nisso, por meu espirito persistir em sofrer por algo que, no fundo, deveria me alegrar. E por mais que me doa, uma parte de minha alma, que está em segundo plano, adormecida em mim, sente felicidade ao ver que ele está feliz.

Recebi a notícia ontem à noite, de que os dois estão noivos. Em pouco tempo, eles irão se casar. Imagino o conflito que se passa pela cabeça dele ao considerar se deve ou não mandar para mim o convite do casamento. Honestamente, acho que iria ao casamento, mas não poderia garantir que iria me controlar durante a cerimonia, de que não ia explodir em lágrimas desesperadas. Sinto-me mal por ele. e por pensar nele neste exato momento, meu peito dói. Meus olhos se enchem de lágrimas, mas consigo me impedir de chorar.

Ouço a porta do meu quarto ser aberta, e ouço passos vindo em minha direção. Não me levanto. Continho deitada, dolorida esperando que meu visitante vá embora. Porém, o visitante se senta ao meu lado na cama. Uma mão quente acaricia meu braço nu.

- Vai ficar deitada ai pelo resto de sua vida? - pergunta uma voz masculina conhecida. Sorrio comigo por um momento. Aos pouco, devagar, sento-me na cama. – Boa tarde – diz ele, e sorri para mim. Sorrio de volta para ele. – Sente-se melhor? – me pergunta ele. Aquiesço com a cabeça. É figurativo e liquido que me sinta melhor, é claro, mas, de qualquer maneira, realmente sinto-me melhor. – Então, vai se levantar ou não? – pergunta-me ele, então ajeita os óculos no nariz. Por um momento, concentro-me em seu rosto, antes de responder. Seus traços são fortes, porém não brutos. De certa maneira, seu rosto é delicado, e sua pele cor-de-porcelana o faz parecer frágil. Os óculos lhe escorregam pelo nariz anguloso, e ele o arruma. Com um pouco de atenção, consigo identificar a cor de seus olhos: castanho-avermelhados, escuros como mogno, e uma grossa linha negra os contorna, como se os destacasse. Seus cílios enormes parecem arranhar os óculos, mas deve ser só impressão minha. Ele brinca com uma mecha do meu cabelo, e me dá um meio-sorriso.

-Vou me levantar – digo, preguiçosamente. Me espreguiço. Só então noto a dor física que sinto. Minhas costelas pulsam, mas isso não se compara á dor em meu joelho esquerdo. Esticar minha perna causa uma dor excruciante. Gemo quando o faço. – Assim que meu joelho parar de latejar. – gemo novamente. Dou uma risada. Ele ri também, e sua risada soa como música.

-Nada de desculpas – diz ele, e pega meu braço, puxando-o de leve. É estranho, e eu não deveria sentir isso, pois é errado pensar assim de seu melhor amigo, mas seu toque me causa arrepios. Meu coração dispara, e bate forte. Algo como um choque elétrico percorre meu braço, e o afasto imediatamente. Ele franze o cenho.

-É, sem desculpas – digo, e sorrio.

Continua...

Bruno R Montozo
Enviado por Bruno R Montozo em 30/05/2014
Código do texto: T4825716
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