Querido Diário 4

Diário do Vinícius

Quarta-feira, 9 de julho

Tudo o que se ouvia falar hoje era sobre a maldita da festa da Elisa.

Ela entregou todos os convites ontem e chamou praticamente todo mundo. Mesmo assim, todos se sentiram de certa forma especiais. Afinal, era a festa da Elisa!

Os caras apostavam entre si quem ia 'pegar' quem. As meninas davam risadinhas enquanto sonhavam com casais se formando na festa. E todos comentavam secretamente que achavam que o Nico e a Elisa iam ficar juntos.

Eu não estava no meu melhor humor.

Era a hora do intervalo. Estava sentado na arquibancada, olhando praticamente todos os meninos da minha sala correrem de um lado a outro da quadra atrás de uma bola. Nicolas era um deles, e na verdade ele era o único que eu observava de fato. Eu tinha o caderno de desenhos no colo, junto com o casaco dele e sua camisa. Sim, ele estava jogando no time dos sem-camisa. Uma visão realmente apreciável.

Nico sempre fora bom nos esportes. E nos vídeo games. E nos jogos, de qualquer tipo... Enfim, todas essas coisas em que garotos normais geralmente são bons. Já eu era totalmente o oposto. Pra falar a verdade, eu e Nico não tínhamos tantas coisas em comum... Mesmo assim nos dávamos muito bem. Como opostos que se completam.

- Vem jogar, Vinícius! - ele chamou, quando teve que se aproximar de onde eu estava para buscar a bola, que tinha saído do campo.

- Eu passo, valeu.

- Seu cagão. - ele riu. - Fica dando uma de hipster aí, mas na verdade só tá com medo de perder pra mim!

- Vai se catar! - eu ri de volta.

- Volta pro jogo, Nico! Manda essa bola pra cá! - um outro garoto sem camisa gritou lá do outro lado da quadra. O tal se chamava Pedro. E ele tinha alguma coisa contra mim, eu tinha certeza. Sempre me olhava estranho, como se não aturasse a minha presença.

Não foi diferente dessa vez. Ele lançava um olhar irritado para onde nós estávamos. Nico voltou para o jogo.

Segundos depois, Elisa sentou ao meu lado, sem eu perceber.

- Uau, como você desenha bem!

Confesso que eu tive um pequeno ataque cardíaco quando ela falou. Primeiro: porque a loira nunca, em sã consciência e nesse mundo, falaria comigo (a não ser que Nicolas estivesse por perto), então foi algo que realmente me surpreendeu. Segundo: porque a voz dela era graciosa como a de uma gralha com um alto falante.

- Hum... Valeu. - respondi, vacilante.

Ela abriu um sorriso.

- Então... como anda a vida?

Eu arqueei as sobrancelhas. Eu tava ficando maluco, ou essa doida estava mesmo sendo legal comigo? Não. É óbvio que ela tinha segundas intenções.

- O que é que você quer, Elisa? - eu disse secamente. Ela pareceu não notar meu desprezo e riu.

- Ai, eu queria saber, tipo assim... Já que você é a amigo do Nico... Ele falou alguma coisa de mim pra você?

- Não. Absolutamente nada.

Ela pareceu chocada. Desapontada, talvez. Mas não desistiu.

- Será que você não podia, tipo assim... Perguntar pra ele... O que ele acha de mim?

Eu estava prestes a responder que não, não podia. Nem em um milhão de anos.

Mas daí me ocorreu... Eu também queria saber.

- Tá. - revirei os olhos. - Pode deixar, eu pergunto.

Aí ela soltou um gritinho e me beijou na bochecha. - Valeu, Vinico, você é o melhor! - Então foi embora aos pulinhos.

Eu simplesmente não tive reação. Meu ouvido zumbia com o estalo do beijo dela e minha bochecha formigava. Eu tinha medo de me limpar com a mão e me sujar ainda mais com brilho labial de maçã. Fiquei paralisado, tentando processar que merda que tinha acabado de acontecer. Mas não por muito tempo.

Da quadra vieram alguns murmúrios e exclamações. Só então eu notei que os meninos tinham prestado atenção em nós desde que a Elisa chegara.

- Olha o Vini, todo saidinho!

- Eita, Nico, tá roubando tua namorada, ó!

- Deixava não, hein!

Houve uma zoação geral. Nico abriu os braços, num tom de indagação, e exclamou sorrindo.

- Que isso, cara? Tá me traindo?

Naquele mesmo dia, depois da aula. Nós estávamos na parada em frente ao colégio, esperando o ônibus de Nico. Ele morava no 1º Jardim, uma parte mais afastada do bairro, porém perto da orla. Geralmente, eu ia com ele e almoçava por lá, para depois passarmos a tarde em seu quarto assistindo séries ou jogando conversa fora. Mas hoje a professora de História passara um trabalho monstruoso para a próxima aula e ele ainda tinha curso de inglês à tarde... Enfim, voltando ao assunto.

Falávamos e ríamos sobre alguma bobagem enquanto esperávamos ali na parada. Depois, o assunto acabou e ficamos algum tempo calados, ele mexia no celular e eu inspecionava o fim da rua para ver o ônibus chegando. O silêncio nunca era desconfortável entre a gente. Nossa amizade já tinha passado do nível em que era preciso preencher cada segundo com palavras sem sentido, como por obrigação. Na verdade, aqueles momentos de silêncio eram ótimas deixas para assuntos delicados, e eu estava me sentindo especialmente corajoso naquela hora.

- Nicolas...

Pausei para escolher as palavras.

- Fala - ele continuou mexendo no celular.

Eu queria falar, aquela pergunta tinha ficado entalada na minha garganta o dia inteiro. Mas eu tinha certo medo da resposta.

-... Você vai ficar com a Elisa na festa de sábado?

Ele de repente olhou para mim, analisando a minha expressão, e eu me arrependi imediatamente da pergunta, não sei por que. Eu não fazia a menor ideia de com que cara eu estava na hora. Sei que meu sangue começou a subir para as faces, mas felizmente o ônibus chegou e Nico se dirigiu para ele. Achei que não iria me responder, mas após subir as escadas do veículo, virou-se e me lançou um olhar enigmático:

- Acho que eu gosto de outra pessoa.

E o ônibus partiu.

Ingrid Flores
Enviado por Ingrid Flores em 09/07/2014
Reeditado em 08/09/2014
Código do texto: T4876008
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