A Serenata dos Três Mosqueteiros

“E agora? Tá bão?”

“Não, não! Volte lá e coloque uma roupa melhor. Quero tudo perfeito. Ouviu? Perfeito, vey. Anda, tamo atrasado.”

“ E agora? Cara, eu não tenho roupas pra essas coisas. E outra, quem tem que tá bonitão é você. Nos vamos fazer isso é pra sua namorada.”

“Não interessa. Todos temos que tá fodas, na grife, pra chamar atenção de geral que tiver passando, né, não, Bino?”

“Cara, só to fazendo isso por você”

Enrolaram bastante ainda na casa de Sérgio. Beto queria tudo tão impecável que ficava quase choramingando para que não sujassem e nem amarrotassem suas roupas dentro do ônibus. É desses perfeccionistas, sabe? Bino, como sempre, muito calado. Os três eram amigos inseparáveis, independente do que fossem fazer. E, naquela noite, Beto agiria feito Dom Quixote. Um rapaz fora de seu tempo. Um rapaz que ainda carregava o romantismo em seus braços tal como num buque de flores.

Encontraram, assim que desceram do ônibus, com Pedro. Ele era quem tinha as habilidades para tocar violão, e só fora chamado por causa disso. Elogiaram-se, e por mais difícil que pudesse parecer, Beto não reclamou da roupa de Pedro. Mas também, ele estava mais vestido a caráter do que qualquer um dos três.

Sérgio foi o primeiro a descer a rua que levava ao prédio. Alvo detectado. Levou consigo o amplificador num braço e o violão n’outro. Instalou e assoviou para o restante descer a rua também.

Pedro começou a dedilhar levemente, acertando todas as notas possíveis, chamando assim a atenção das pessoas que passavam por ali. Não é todo dia que se vê um violão, um buque e quatro rapazes olhando em direção de uma janela de um prédio.

“A lá, ela vai aparecer. Agora cês voltam. Fica na paz. Para de tremer. Vai dar tudo certo”. Esse era o máximo de apoio que Beto esperava de Bino. Apertaram as mãos, quando notaram Sérgio disparar pedras em direção à janela de Joana.

“Vai, comecem a cantar!” exclamou Pedro e Sérgio ao mesmo tempo.

“Seja como for, eu vou

E vou correndo, não quero perder nada

Custe o que custar, eu dou.

Não tenho medo de rato nem barata”

Bino e Beto se abraçaram balançando o corpo no ritmo da música. Beto sabia, ela reconheceria sua voz - mesmo que ele não cantasse bem -, reconheceria sua vontade, reconheceria aquela música que tantas vezes eles cantaram uns para os outros enquanto estavam deitados de baixo das árvores do bosque que ele costumava leva-la.

A cortina da janela dela se mexeu. O olhar de Beto marejou de leve.

Ficou pasmado e com o rosto avermelhado quando viu que era sua sogra que havia aparecido. Sua voz foi perdendo a força, até que Sérgio se juntou aos três no abraço. E com seu jeito irreverente puxou a segunda estrofe.

“Meu bem, você pra mim é privilégio

Sorte grande de uma vez na vida

Minha chance de ter alegria

Não importa quando, como, onde

Somos nosso próprio Rei”

Pedro adiantou o solo. Bino e Sérgio empurraram Beto para frente sussurrando um “Vai!”. A sogra chamava sua filha.

Até que ela surgiu, reluzente. Com os cabelos numa bagunça que só, sem sua maquiagem, com um batom borrado e com um interesse que faria uma preguiça hibernar. Mas para Beto, ahhhh! mas para Beto, ela estava perfeita. Tão linda... tão fofa, tão tudo.

“Você não gosta muito de ver o seu leãozinho? Então! Mesmo que não seja dia, eu, seu leãozinho veio aqui para te desentristecer” Agora a confiança dele estava de volta, estava restaurada, a coragem revira o estomago, boca, nariz, braço, perna, cabeça e saia em forma de voz. Ahh, o amor.

E nisso, voltaram a cantar.

“Meu bem, você pra mim é privilégio

Sorte grande de uma vez na vida

Minha chance de ter alegria

Não importa quando, como, onde

Somos nosso próprio Rei”

Repetiram esse verso tantas vezes, que até as pessoas que estavam na rua cantarolaram também. A esperança foi unanime, o cativo universal, o sorriso uniforme... No fim, toda aquela rua estava tomada pelo mesmo sentimento que aqueles garotos. E no clímax do momento, um buque. Beto ergueu em direção de Joana. Disse algumas coisas bonitas que fez moças da rua suspirarem.

“Eu te amo, Joana”

Ela entrou no apartamento. O publicou ficou atônito. Aguardaram com êxtase a resolução da trama.

Eis que surgiu a catarse.

Várias coisas começaram a cair pela janela: flores, fotos, ursinhos minúsculos, roupas masculinas e, de graça, alguns praguejos que terminavam com o nome de Alberto. Tal cena seria censurada numa novela das nove.

A rua parecia o bosque em outono. Só restavam ali os rapazes, o violão, o buque e as tralhas, como dizia Joana. A plateia já tinha ido embora. E a janela fechada.

“Saco! Perdi a porra do raciocínio! Como faz esse exercício mesmo?” Indagava-se Joana se matando para resolver a atividade de seu cursinho para Medicina.