Gotas de Chuva

As gotas de chuva na janela escorrem devagar. Foco a visão em uma delas e percebo como vai diminuindo conforme desce inquieta, oscilando para a direita e para a esquerda quase desesperada, como se não quisesse continuar a escorrer e soubesse o que a esperava no fim. Mas então outra gota a encontrou e a envolveu, formando uma nova gota maior e que descia confiante e inabalável. Ao fim da janela, dissolveu-se e sumiu na enorme poça que se formava.

Sentia-me só, esquecido pelo mundo que eu mesmo escolhera abandonar. Não estava melancólico ou irritado, tampouco arrependido. Apenas lembrava, perdia-me em momentos distantes dali enquanto fitava as gotas de chuva viverem a efêmera aventura de suas vidas.

Lembrava dela. De seu sorriso puro e sempre sincero, até quando era acompanhado de olhos tristes e marejados de lágrimas. Lembrava do calor de seu corpo ao meu lado, do perfume eterno de seus cabelos que por muitas vezes me fez acreditar que poderia existir um paraíso repleto de flores que exalavam aquele mesmo cheiro. Mesmo para um cético inflexível como eu, ela me fez querer acreditar em tudo, até em mim mesmo, o que era a maior das improbabilidades.

E ela adorava a chuva, isso me faz voltar à realidade.

Encosto o rosto na janela e sinto o frio no vidro, que logo fica embaçado ao toque da minha respiração. Sinto a falta dela, era sempre primavera quando estava comigo…

Penso no inverno que invadiu meus dias há tantos anos, desde que ela se fora. Não há mais perfumes, sorrisos, calor. Afastei todos que se importavam comigo, mesmo que apenas por pena ou educação. Cansei dos olhares preocupados – não comigo, mas com a tragédia iminente que esperavam que eu cometesse em breve – e preferi simplesmente desaparecer. Deixei apenas algumas palavras de despedida para alguns parentes e poucos amigos. Fui embora numa noite nublada e sozinho. E sozinho estou há vários meses.

Sinto-me como uma gota de chuva na janela. Escorri sozinho por bastante tempo, sempre inquieto e com medo de que o vidro acabasse, mas encontrei outra gota que se juntou a mim e me deu forças para ambos nos apoiarmos e seguirmos destemidos nosso caminho. Porém, fomos separados bruscamente e ela escorreu para o fim sem mim. Fiquei para trás, perdido e confuso, com uma dor no peito e vazio por dentro. Não consigo sentir se o fim da janela está próximo.

Ainda com o rosto encostado no vidro, uma lágrima escorre do meu olho e desce solitária.

Ela adorava a chuva.

(Publicado originalmente em meu blog: http://reflexoescronicas.com)