A LOUCURA DO DIABO

O telefone toca as cinco da manha . Precisou tocar incansavelmente por quatro minutos até que eu resolvesse atende lo . Era domingo e eu já suava logo cedo no verão infernal que atordoava as pessoas que desprezam o calor como . Quando atendi , deixei o outro lado da linha dar as honras .

- Alô ?

- São cinco da manha – falei .

- Preciso saber se é você …

- Quem fala ?

- Tenho algo que vai lhe interessar …

Esses loucos viviam me ligando , eles achavam que eu era alguém que eu não era . Já fazem dois meses desde a primeira ligação . Tudo aconteceu por um engano . Alguém errou o numero no anuncio de postes e aqui estou eu , um demonologista . Eles me perguntam se sou Cassandra , digo que nunca ouvi esse nome e depois dizem que tenho a voz estranha para quem carrega um nome feminino .

- Isso porque sou homem . Alex Vellios .

- Então porque escreveu Cassandra no anuncio ?

- Foi um erro …

- Não importa , não estou nem ai . Mas você é o único que encontrei . Sabia que existem muitos charlatões ?

- Isso porque existem muitos demônios soltos por ai , não é ?- disse eu , ironicamente .

- Não sei , se você esta dizendo . Deve ser por isso então . Me parece um bom ramo de atuação .

- Deve ser isso oque ?

- Deve ser por isso que existem tantos charlatões no ramo . Estão abocanhando parte de um mercado pouco explorado .

Bom , era sempre baboseira e papo furado . Geralmente eu desligava o telefone logo e pedia para não me ligarem mais . É incrível a quantidade de malucos que andam soltos por ai a posse de um telefone . Geralmente me ligam chorando dizendo que ovem vozes em seus guarda-roupas ou que sempre que olham no espelho tem alguém ali . Mas não era para ter mesmo ? Porem com esse sujeito eu me atrevi a continuar o papo .

- Ta legal . Qual o seu problema ?

- Você já viu de tudo , né ?

- Um pouco de tudo , posso dizer – disse eu caminhando em direção a cozinha .

- Pois bem . Mas acho que você deveria vir aqui ver com seus próprio olhos .

Estava me servindo de um copo de água e me preparava para acender um cigarro . Dei uma olhada pela janela da cozinha e vi esse gato preto sobre o telhado vizinho .

- Não se preocupe . Pode me contar que eu não vou rir.

- É que tenho uma mulher em casa …

- Graças a deus . Esta com mais sorte que eu .

- Não , mas esta não é normal . Tive que trancá-la na jaula .

Jaula ? Fingi não ter ouvido isso . Ele estava estragando tudo .

- Sabe que existem leis contra isso ? - Falei , dando uma boa tragada .

- Mas eu não sabia o que fazer .

- Uns tapas resolveriam , mas isso também lhe botaria atrás das grades .

Ele perguntou se eu poderia ir até sua casa e resolver seu assunto . Segundo ele , ela o assustava .

- Talvez você só seja gay . Nada de mais . Alguns dos melhores são ou foram . Truman Capote , por exemplo.

- Eu não sou gay , porra !

- Não se exalte , meu chapa . Só estou dizendo que não seria problema nenhum se fosse .

- Mas não sou .

Ouvi voz feminina ao fundo . Era uma voz doce que pedia para deixá-la sair . O desgraçado parecia mesmo ter trancado a mulher em algum lugar .

- Escuta aqui , talvez eu devesse chamar a policia para você , o que me diz ?

- Eles tem um departamento próprio para esse tipo de coisa ?

- Pode acreditar que sim .

- Mas preferiria que você aparecesse por aqui e resolvesse meu problema de vez .

O gato preto me olhava de um jeito pidão , como que dizendo : me de uma tigela de leite . Fui até a geladeira mas não tinha leite , só garrafas de água e um queijo velho de aparência suspeita .

- O seu problema é que se trata de um tarado espancador de mulheres . Quantos anos essa ai tem ? 16 ? Sabe que eu tenho uma cartucheira que cospe chumbo como caças israelenses . Me de seu endereço que eu mesmo acabo com você …

Eu não estava falando serio , só queria dar um susto na figura . No final de contas , aquilo não era problema meu .

- Não , porra .. tu entendeu errado . Não é nada disso que esta parecendo !

- Sera mesmo ? Porque pra mim isso esta me parecendo uma grande merda .

- E é . Mas você precisa vê-la com seus próprios olhos para acreditar .

Ouve mais pedidos de socorro . Depois um estrondo e um grito de susto e desespero .

- Sabe , eu vou ter que matá-la . Não aguento mais isso , ela esta me olhando . Seus olhos machucam …

Pedi o endereço . Disse que chegava em dez minutos e falei que não agisse antes que eu chegasse . Entrei no carro , dei a partida e segui para o endereço . Quando cheguei o portão estava aberto , uma casa grande num condomínio de classe . O sol já dava o ar das graças e o calor aumentava conforme os minutos passavam . Trazia comigo um porrete que segurei atrás das costas . Toquei a campainha e um homem de meia idade com principio de calvície apareceu .Vestia roupão de banho e um tufo de pelos emanavam de seu peito .

- Cassandra ?– Ele perguntou

- Alex Vellios . Qual o problema ?

- Esta lá dentro .

- Numa jaula ?

- Exatamente .

O segui casa a dentro . Passamos pela cozinha , sala e desembocamos na piscina , logo ao fundo uma casinha de cachorro de luxo , grande o suficiente para abrigar três pessoas adultas , mas não havia nenhum cachorro ali , só uma ruiva de olhos claros com vestido de festa preto e descalça . A maquiagem borrada e os olhos vermelhos de choro . Era linda , um anjo cuspido do céu por atazanar os santos e seus paus . Quando me viu se encolheu num canto como se fugisse da cruz .

- Esta com medo , não é , satanás !- Disse o homem , com voz ameaçadora .

Me aproximei das grades e lhe dei um sorriso discreto . O porrete o homem louco já havia visto , mas pareceu não se importar muito . Perguntei qual era o problema dele .

- Essa é a mulher diabo , meu camarada . Vem me atazanando a vida nos últimos dois anos .

- Mas me parece inofensiva e assustada .

- As aparências enganam .

- E o que quer que eu faça ?

- Faça o seu serviço . É isso que eu peço , Cassandra .

- Alex Vellios , ALEX VELLIOS !

Tornei e me aproximar das grades , a garota que aparentava 25 anos quase entrou na parede .

- A quanto tempo ela esta ai ?

- Cinco dias .

Tentei parecer simpático para a moça e não assustá-la mais . Pensei nas coisas que lhe aviam acontecido ou foi submetida .

- Tudo bem . Eu levo – Falei como quem compra peixe .

- Leva ?

- Não posso fazer meu trabalho com ela presa como um animal . Preciso de espaço , de velas e whisk . Ela precisa estar limpa , prometo que a acorrento na hora do banho . Mas tenho de tirar a garota dai e levá-la para casa onde imediatamente , ou sera muito tarde .

Notei certa loucura nos olhos do homem . Loucura causada por mulher . Pra mim , aquele cara havia caído nas garras dela de tal modo que foi possuído pela mais pura loucura que só as mulheres são capazes de causar . O homem com seu roupão de banho cruzou os braços e pensou por um minuto .

- Mas que tipo de camarada eu seria entregando para você uma armadilha pronta ? - Disse ele .

- Seria um camarada consciente dos riscos que corre armazenando uma mulher diabo dentro de casa .

Ele tornou a pensar e cruzar os braços .

- Você tem razão . Afinal de contas , é um profissional . Vai saber o que fazer com ela .

- Com certeza . Finalmente pensando com clareza .

Ele me deu as chaves do cadeado e entregou uma maquina de choque .

- MAS QUE MERDA !

- O que foi ?

Peguei a maquina de choque e a atirei na piscina .

- Não esquenta . Trouxe meu porrete comigo .

Disse eu , chacoalhando o pedaço de pau na sua frente.

Quando entrei na casinha de cachorro a jovem ruiva me olhou com olhos ameaçadores e ao mesmo tempo encantadores . Perguntei seu nome e o homem respondeu por ela .

- Se chama Luana .

Me agachei ao seu lado e lhe estendi o porrete . Lhe disse no movimento dos lábios que estava tudo bem . Que iria tirá-la dali .

- Vamos , pegue isso – disse eu , me referindo ao porrete .

O homem olhando tudo do lado de fora quis saber o que estava acontecendo .

- Faz parte do ritual . Tenho que ganhar sua confiança- falei , como um pastor convincente pedindo esmolas .

- Esta me parecendo é que você esta afim dela .

- Quem é o profissional aqui ?

A ruiva desconfiada apanhou minha mão e se encorujou no meu peito . Pude sentir sua respiração , seu coração como baterias de um jazz animado .

Aos seus ouvidos avisei que iria dar tudo certo . Praticamente tive de carregá-la até a porta , seu corpo leve e macio cheirando a suor de cinco dias e salgado de lagrimas estava fraco. Quando cheguei ao carro estacionado em frente a casa o homem de roupão de banho e pelos no peito disse que estava faltando uma coisa . Me estendeu duas notas de cem e uma de cinquenta . Queria saber se bastava pelo trabalho .

- Por hora – avisei .

- E quando vai devolver minha mulher .

- As vezes elas nunca voltam .

Uma lagrima sincera escorreu pelo seu rosto bronzeado .

- Faça o que tiver de fazer .

Entramos no carro , dentro dele Luana desatou a chorar . Quando viramos a primeira a direita pude ver o homem acenando para nos , se despedindo , e no fundo dava até pra sentir pena dele . Outro animal capturado pelo sentimento egoísta do amor , iludido por uma bela dama que mostrou ser mais que um objeto sexual , uma boneca de látex , uma coisa de posse a ser exibida . É exatamente o tipo de coisa que costuma assustar os machos que temem perder seu posto nessa grande jaula azul que é esse manicômio criado por deus e governado pelo diabo ...

28/01/2014

15h39

Cleber Inacio
Enviado por Cleber Inacio em 28/01/2015
Reeditado em 28/01/2015
Código do texto: T5117314
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