Bom Dia

Ao som de “Eu sei que vou te amar” interpretada por Maysa, Mario Jorge criava seus relatórios. Ele precisaria entrega-los na manhã seguinte ao seu superior do escritório. Mas, ao ouvir versos: “Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver ao lado teu, por toda minha vida”, ele pensou no seu amor, que há tempos vinha guardando segredo e fazendo-se discreto, e suspirou.

Célia Regina era sua companheira de escritório. De todos os anos em que trabalharam juntos, pouco foi o discurso que saiu do: “Obrigado; Bom Dia; Até Amanhã. Como Mario se apaixonou? Isso, nem eu com toda minha onisciência, conseguiria explicar. Aliás, sobre o amor, explicações são desnecessárias.

Do outro lado da cidade, na banheira de um apartamento minúsculo, todo decorado em estilo vintage, ela se banhava e sonhava com o dia em que sairia dali e moraria em uma casa maior, onde esperaria o marido chegar do trabalho. Este era o sonho de Célia Regina.

Na manhã seguinte, às sete horas da manhã, Mario Jorge entregou os relatórios e voltou a sua mesa. Antes de se sentar, olhou para o cubículo onde ficava o motivo de seu sorriso, de sua angústia, de seu medo, de seu segredo. Ela não estava lá. Ela entrava às oito. Ela... ela... e foi pensando nela, que Mario Jorge não percebeu que ao sentar, a cadeira, que possuía rodinhas, foi para trás, e caiu sentado, de bunda no chão.

- O chão é duro como a própria vida – Exclamou.

- Bom Dia – o discurso diário começou e parou.

Mario Jorge nem percebeu que Célia já havia chegado mais cedo, pois naquele dia também entregaria relatórios. Ela, por outro lado, sabia que Mario Jorge havia chegado, mas, nem reparou que ele estava no chão. Afinal, reparar em Mario Jorge nunca foi seu robe.

E os dias, como de costume, foram passando. Mario apaixonado, Célia sonhando. Até que em uma manhã de Segunda-Feira, Mario Jorge comprou flores e decidiu abrir seu coração. Quando chegou ao escritório, colocou-as sobre a mesa de Célia, e formulou toda a cena em sua mente. Ela chegaria, pegaria as flores, olharia para os lados, e perguntaria se ele teria visto quem as deixara. Seria aí, que tudo viria à tona, e o amor deixaria de ser segredo.

Quando Célia chegou, olhou as flores, olhou para um lado, olhou para e outro, cheirou e sorriu. Mario não entendeu.

- Por que ela sorriu? – Ele se questionou em voz alta.

- Disse alguma coisa? Bom dia.

- Bom dia, Célia – seus olhos brilharam.

- Sinceramente, agora ficou bom. Olha que lindas tulipas brancas ganhei. – seus olhos também brilharam.

- Sério? De quem? – os olhos de Mario Jorge pareciam saltar.

- De Paulo Sérgio, meu noivo. – Célia disse intercalando as palavras com o sorriso – Ele nunca me deu flores, mas como dizia mamãe, para tudo tem uma primeira vez.

- Oi? Noivo? – os olhos de Mario Jorge agora estavam foscos.

- Sim. Há alguns dias, conheci um rapaz, foi tudo muito rápido, mas acho que dará certo.

- Rápido? Como nosso discurso de todas as manhãs.

- Oi?

- Desculpe, penso alto.

- Voltemos ao trabalho. Bom dia. – Célia disse sem entender os dizeres de Mario Jorge.

- Bom dia. – mas, na verdade, a partir dali, bom dia não era mais o início do discurso. Era o fim de tudo.

Durante todo o dia, Mario Jorge observou as flores, que agora estavam em um lindo vaso amarelo, com o desenho de uma rosa branca. Mario Jorge observou, além disso tudo, o dia, as horas que não passavam, o momento perfeito que alguém lhe furtara. E o desejo, morto, como estava sua alma, seus sonhos e agora seu corpo.

Sentada na sacada de um luxuoso apartamento, aos oitenta e três anos, viúva de um rico empresário, com quem teve três filhos, frutos do casamento mais infeliz que todo o Rio de Janeiro já viu, a Sra. Célia Regina Alcântara da Rocha, ouvia a canção: “Eu sei que vou te amar” interpretada por Maysa. De repente, a campainha toca.

- Encomenda dos correios – uma voz grossa veio do lado de fora do apartamento.

Dona Célia, agora com o auxílio de bengalas, levantou-se e foi atender a porta.

- Bom dia! – o mesmo discurso.

- Dona Célia Regin...

- Eu mesma, obrigado, passar bem...Bom dia. – Dona Célia disse cortando o assunto e tomando o pacote das mãos do funcionário dos correios.

Dentro do pacote havia um papel amarelado, parecia ser antigo, como um pergaminho. Dentro, de letra cursiva, estavam as seguintes anotações.

“Hoje, como canta Maysa, meu mundo caiu. Ela tem um outro alguém. Ela não é minha. Ela é a mais completa das mulheres. Ela sabe dizer bom dia em meio a sorrisos. Ela é linda... ela... ahhh!!! Ela!”

Sem entender, Dona Célia jogou o papel velho em cima da poltrona. Quando chegava a sacada, a campainha tocou.

- Bom dia.

- Mandaram entregar estas flores para a Senhora Célia Regin...

- Eu mesma – Dona Célia disse cortando a fala do rapaz.

- Obrigado, senhora, tenha um bom dia!

- Espere! Quem me enviou estas flores? – Célia indagou.

- Não disse o nome. Apenas explicou que gostaria que às oito da manhã entregássemos estas tulipas brancas à Senhora Célia Regin...

- Obrigado, mas a pessoa não disse mesmo o nome?

- Não! A única coisa que sei, é que a ligação veio do hospital Sant’anna.

- Hospital? – Célia questionou.

- Sim.

- Obrigado. – A velha agradeceu e fechou a porta.

No meio das flores, havia um pequeno bilhete. Quando a senhora abriu, se deparou com os dizeres.

“Naquela manhã, quando deixei as flores sob sua mesa, eu esperava um desfecho diferente, mas a vida é completamente complexa”. O amor, nem se fala! A única certeza que tive sobre eles foi: “Eu sei que vou te amar, por toda minha vida”.

Matheus Berocal
Enviado por Matheus Berocal em 07/04/2015
Código do texto: T5197661
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