Memórias vivas

A brisa que entrou pela janela é suave. Porém, fria o suficiente para fazer minha pele se arrepiar por completo; calma o bastante para me trazer paz e, forte na medida certa para resgatar lembranças. Estou sentado na poltrona do meu quarto enquanto a vejo deitada em sono profundo. Ouço sua respiração com um tom de tranquilamente tomar conta do local. É inevitável ignorar os rastros do passado. Fecho os olhos e lembro-me da primeira vez que nossos olhos se encontraram. Algo aconteceu ali! Apenas não tive certeza. Abro a primeira gaveta do criado mudo e, avisto uns papéis dobrados. São pequenos textos e poemas que escrevi há anos atrás. Peguei todos e li um de cada vez.

Dizem que o amor acontece quando menos esperamos, talvez seja verdade. E, quando acontece, a realidade se torna fantasia, nossa volta se transforma em um palco onde ocorrem diversas peças melancólicas e músicas que nos enchem de felicidade ou agonia.

De repente, um cheiro de grama invade minhas narinas transportando-me para outro lugar. Um lugar que já estive antes. Quando escrevi meu primeiro texto, as páginas em branco me olhavam de um jeito convidativo e ao mesmo tempo impulsivo. Ao escrever as primeiras palavras, elas não tinham importância, não tinham vida, não tinham sentimentos. Ao contrário do que eu pensava. Quando olhei para o lado - dentro da minha viajem ilusória – vi-a deitada em meus braços. Nossos corpos quentes e colados. Podíamos ouvir nossos corações batendo em sintonia. Passei os dedos em seu rosto corado, olhei-a nos olhos cor de escuridão e a beijei. Fizemos promessas, amarramos laços, que mesmo não sendo forte o suficiente, sobreviveu em meio às tempestades, ventos furiosos e muitas dores, entretanto, chegou o arco íris, o frescor das árvores, os cantos dos pássaros, a poesia.

Seu rosto tinha uma expressão que eu decifrava de olhos vendados ou a quilômetros de distâncias. Seus dedos se enrolavam nos meus dançando como a Lua e as estrelas dançam em meio ao céu enegrecido. Deciframos sonhos, inventamos futuros improváveis. Fico imaginando como tudo se forma... Como as coisas ganham vida.

Ainda posso sentir suas mãos caídas e macias tocando meu pescoço. Posso ouvir o som da sua risada de menina doce e descontraída. Que sensação! Uma avalanche de emoções invade meu peito no mesmo instante, como um punho cerrado, rasgando minha pele, descosturando cada centímetro de carne, atravessando meu coração e tocando minha alma.

Uma lágrima cai.

Abro os olhos e vejo que está tudo como antes. Respiro. Mexo no bolso da camisa e busco um maço de cigarros. Ascendo um. Vejo meu mundo cair aos pedaços, cada canto que eu olho está sendo destruído. Minhas memórias são jogadas para longe de mim. Minhas insônias me perturbam sem cessar. Ainda sentado na poltrona, dirijo meus olhos lacrimejados em direção a cama e... Vejo-a vazia.

Pablo S Figueiredo
Enviado por Pablo S Figueiredo em 24/06/2015
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