Beatrice

Compartilhando com vocês um conto que fiz para uma amiga universitária. Espero que gostem!

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Os olhos eram gentis, os cabelos cheios e longos, que lhe davam um ar de graciosidade. De quem a todo momento estava sempre feliz e satisfeita com a vida. E o sorriso de Beatrice era o que eu mais gostava. Era um sorriso bonito como um amanhecer visto da praia. A pele era negra, o corpo perfeitamente sob medida. Nosso primeiro encontro foi na escola. O ano era 82, no fim do nosso ensino médio. A terrível fase em que você tem que decidir o que quer da vida e quase sempre não sabe o que fazer da vida. Beatrice e eu nos conhecemos na aula de matemática, ela tinha acabado de mudar pra minha sala. O motivo ninguém sabia, mas corriam os boatos de que ninguém gostava da única aluna de cor da sala. E como a escola não gostava de polêmicas, trataram de resolver o problema. – Eu posso me sentar aqui? – Ela perguntou a mim, olhando-me com certo receio. Assenti. Beatrice sentou ao meu lado e pegou seus materiais de estudo. Nenhuma palavra foi trocada até a troca de aula, onde, eu que nunca liguei para nada me encontrei numa vontade esmagadora de conversar com ela. Eu tentei, juro que tentei, mas Beatrice não parecia disposta ao diálogo com um “branco rico”, como ela veio me explicar semanas depois quando finalmente conseguimos conversar. A nossa primeira conversa de verdade foi num sábado à tarde depois de pedidos insistentes meus a chamando para sair em que ela relutantemente se negava a ir, mas também depois de cansar de eu segui-la até sua casa, resolveu aceitar. – Eu vou sair com você, mas não pense que vou me apaixonar por você como todas as garotas daquela escola, entendeu? – Ela perguntou, quando entramos na sorveteria. – E porque não? – Devolvi, dando um sorriso sacana. – Porquê eu tenho cérebro, Paulo Henrique, eu tenho cérebro! – Soltei um risinho de canto, fazendo-a revirar os olhos, brava.

Eu só tinha 16 anos na época e achava Beatrice a garota mais interessante que eu já tinha visto na vida. Sendo sincero o meu primeiro encontro foi bem ruim. Ela continuava na defensiva, com respostas secas, me fazendo arduamente desistir dela. E quando você é adolescente e gosta de uma garota que é difícil você entende como desafio, e não de outra forma. E foi lá pelo quarto encontro (na mesma sorveteria de sempre) que eu consegui amolecer o coração de Beatrice falando sobre música. Ela me contou que fazia aulas de música na escola aos domingos e gostava de tocar piano, apesar de não se achar apta pra isso. Eu brinquei dizendo que não tinha talento algum para tocar instrumentos, mas poderia apresentar a ela algumas das melhores bandas de rock da época. Ela então deu um meio sorriso, depois acabou rindo, balançando a cabeça negativamente. – O que foi? – Perguntei, afastando os cabelos de seu rosto. – Isso não podia estar acontecendo... – Porque? – Perguntei, confuso. – Porque eu vou te magoar, Paulo! Você vai se apaixonar por mim e quando precisar de mim eu não vou estar mais aqui! – Ela exclamou, colocando a mão no rosto. Eu não sabia se essa era a hora de finalmente abraça-la, mas resolvi por não pensar muito e fiz o que parecia certo. Surpreendentemente ela retribuiu ao abraço, deitando a cabeça em meu peito. Eu entrelacei nossos dedos e beijei sua testa. – Não sei porque você diz uma bobagem dessas, Beatrice. Mas se por acaso um dia você não estiver mais aqui saiba que eu vou atrás de você onde você estiver!

Ela deu um longo e desolado suspiro e se aconchegou mais em meu abraço. – Isso não podia estar acontecendo... – Eu a ouvi repetir, com a voz desolada. E foi a partir daquele momento que começamos a namorar.

O início do namoro teve como tema, algumas situações complicadas na escola. Algumas garotas implicavam com Beatrice por ela ser negra e namorar um garoto branco. Os garotos já achavam estranho eu namorar uma garota de cor. Nós criamos um universo só nosso e eu me via cada vez mais dependente dela. E ela mesmo sem admitir, tornava-se um pouco dependente de mim também. E como toda grande história, teve um momento que foi crucial e definitivo para minha história com Beatrice Nogueira.

Hoje eu me pergunto qual é o verdadeiro sentido da felicidade. É um momento que você viveu com alguém e só percebeu o quão grandioso foi quando acabou? É alguém que você amou e teve o amor retribuído da mesma maneira? É uma conquista material que você passou anos tentando e conseguiu na hora dita certa? Eu não sei qual é a resposta certa e talvez ela nem exista. A única coisa que eu sei é que toda vez que eu pensava em felicidade, me vinha o rosto de Beatrice sorrindo meio braba com minhas piadas bobas, ou sua alegria quando estávamos sentados na grama do parque olhando as pessoas. Só entendi o motivo dela gostar de observar as pessoas quando soube o que fazia Beatrice não ir as aulas nas quinta-feira: ela fazia tratamento para a leucemia crônica. Foi um choque pra mim descobrir a doença.

A situação que já era por demais grave, piorou quando eu fui ao hospital visita-la e a mãe dela avisou que ela não queria me ver, mas prometera me informar sobre a saúde dela.

Essa foi a primeira vez que eu tive o coração partido por alguém que eu amava.

Sozinho, triste e sem Beatrice eu me vi vivendo a pior fase da minha vida. Não conseguia me concentrar em minhas tarefas na escola, não sentia vontade de viver a tarefa diária que é a vida. Não sentia vontade de nada.

E foi no dia 15/08/1983 que recebi na escola a pior notícia da minha vida. Eu havia perdido Beatrice. 16 anos. Fã de música e instrumentos musicais. Alegre. Serena. Toda uma vida pela frente e que foi acabada pela leucemia. A vida da gente, como dizia minha mãe sempre fora frágil. Eu só consegui compreender a veracidade daquela frase anos depois, já adulto. A última imagem que guardei de Beatrice foi o seu sorriso e seus gentis olhos castanhos. Os olhos que eram o espelho da alma. Os olhos que por dias refletiram o mais bonito daquela garota que amei. Amo.

E que pelo resto da minha vida amarei com o nosso amor de sempre.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 30/07/2015
Código do texto: T5329031
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