Doce doçura

Ela não soube como começou e nem porque terminou ou se mesmo terminou. Sabe que durou, e durante este durar foi dureza e doçura. Achava-se gorda, atarracada, sardenta, desbotada sendo assim nem morena nem pálida. Tinha piano em casa, destes pianos como se ver em novela de televisão e a mãe arranjava aquela jarro cristalino cheio de rosas ao meio do tampo negro luzidio dele e ficava tão bonito com as cortinas balouçando, claras e suaves, a leve brisa da tarde, pois era a hora que ela chegava do colégio. Ele ficava na praça de skate, com outros meninos. Os outros eram feios, ele sendo bonito, muito bonito, as bochechas desbotadas em sardas dela até ganhava certo corante, e achava ridículo, e nem podia conter embora aquele biquinho de mafagafo, e suas meias, compridas de vir até os joelhos, deslizavam e ela tinha que puxa-las, era para que ele não percebesse a flacidez ali. Sentia-se gorda, e tão sem pescoço como se fosse mesmo um mafagafo de grande cabeça e bico curto. Tocava o piano divinamente, antes de despir o uniforme, mas os dedos - de unhas roídas pelo sabugo - lambuzados de chocolate iam pelos teclados certo, lá se ia a sonata, mas nem fugia pela janela, se fugia encontrava obstáculos lá fora na grande algazarra da rua, automóveis, maquitas, caminhão do lixo, sirenes de ambulância e polícia. Nem sabia onde se escondia os passarinhos. Como chegava até a praça. Ele tão ocupado em rolar de skate na pista em U, em S, o cabelo espetado, os olhos grandes aboticados. Talvez fosse homem já. Ela gostava dele por assim. Sabia o nome dele. Seguia ele nas redes sociais, estavam conectados, mas ele nem falava com ela. Gostar da foto dele era gostar dele. E tinha muitas que gostava, embora tinha ouvido aquela Zinha dizer que então ele era feio com aquele olho de sapo, nem vê recalcada, a pessoa tem dois olhos. Burra! Só mesmo burra pra não gostar dele. Ele era muito famoso para perceber ela. Quantos likes! Meu piano toca doce, consolava-se. Seguia naquilo, seguia ele, conectada, apegada, admirada de ver que ele tinha tempo de sobra para o ar livre. De um branco moreno, nem baixo nem alto, os lábios tão polpudinhos como se pedisse um beijo. Imaginava fazendo biquinho de mafagafo, debruçada na janela do seu quarto no alto da casa. Além os morros recortados, aquém a poeira seca e o barulho cotidiano. Suspirava. Era dureza doce doçura!