Musa lunar

Todos os dias, a empolgação que me resta é única: esperar as voltas do relógio para o fim do expediente. Não pense você, leitor, que sou um mau empregado. Não! Muito ao contrário, na esperança de amenizar a dor dos açoites do tempo que se arrasta, dedico-me incansavelmente ao desempenho de minhas funções. Tudo isso, é claro, para satisfazer os anseios da alma.

Saio apressado, seguindo o coração que escapou pela boca e foi na frente. Nas ruas, esqueço dos semáforos. Nada importa. Já posso sentir o fluxo de sangue se perdendo nas esquinas da minha cabeça. Corre de um lado pro outro até que para, preso no congestionamento.

É nesse momento que sua claridade me ofusca, mas não hesito, meus receptores se excitam ainda mais. Os nervos, confusos, me deixam em êxtase. Finalmente, alcanço o coração e, guardando-lhe com carícias de consolo, consigo acalmar-lhe. O júbilo toma controle das minhas emoções quando vejo a bela face que, tímida e encoberta, se mostra. Tuas curvas, delineadas pelos holofotes, me fazem recordar de suas peripécias na ilha de Milo que inspiraram, indubitavelmente, a Vênus no mármore.

Os pelos se eriçam, as pernas bambeiam. Regozijo-me em dizer que cresceu estonteante na última fase e não haveria como não reconhecê-la. É lua cheia.