A foto

Aquela foto já era tão velha quanto ele.

Quantos anos já haviam se passado desde aquele momento? Ele já não se lembrava mais das datas, sua memória não ajudava muito.

“É o peso da idade” ele murmurava baixinho para si mesmo.

O tempo não perdoava, mas ali, naquela foto toda riscada e desbotada, ele havia conseguido capturar o passado. Um momento efêmero, uma lembrança feliz de algo que havia passado, mas ali, naquela foto, ele havia conseguido vencer o tempo.

Abraçou o porta-retratos e sentiu uma lágrima rolar pelo seu rosto.

“Ainda assim, depois de todo esse tempo, você consegue mexer comigo...” murmurou para si.

Estava dentro do carro e a chuva que caía cantava uma triste canção. Era quase como se o céu chorasse junto com ele.

Quantos anos haviam passado? Isso importava?

Não se lembrava das datas, mas lembrava dos lugares e lá estava ele de novo em frente àquele prédio abandonado, cujas ruínas expunham ainda mais o seu esqueleto devorado pela ferrugem.

“O tempo não perdoou nenhum de nós não é meu velho?” sussurrou para aquele prédio que havia se tornado o palco do fim.

O dia estava tão diferente do que ele se lembrava. Era um feriado ou seria um final de semana qualquer? Datas... mas enfim, era um dia de Sol e ele se lembrava da sensação de medo ao invadir um espaço que não era dele, mas do que mais se lembrava era dos cabelos vermelhos dela e de seu sorriso que o chamava até ali. Aceitou o convite e entrou junto dela no meio daquelas ruínas.

Caminharam por entre sujeiras, cacos, plantas e tantas outras coisas que ali estavam largadas como testemunhas do abandono daquele espaço.

A chuva havia cedido um pouco, mas ainda caía. Levantou a gola do casaco e tirou a boina que cobria sua careca que agora era mais proeminente. A barba, repleta de fios brancos se somavam ao olhar cansado para pintar um quadro que representava o pesar mais profundo que um coração pode sentir.

Colocou o porta-retratos dentro do casaco e saiu do carro, cruzando a rua sem pressa, sentindo as gotas da chuva escorrerem pelo seu rosto e se misturarem com suas lágrimas. Era um fim de tarde, mas a escuridão no céu fazia parecer que a noite havia chegado mais cedo.

Chegou à calçada e parou no que deveria ter sido a porta daquele prédio em algum instante de sua história. Por um momento, quis voltar para o carro, mas ele não podia, não agora depois de tantos anos e de tantos quilômetros para voltar ali.

Entrou e as cores daquele lugar voltaram como se o tempo ali dentro estivesse parado. O verde vivo do mato que crescia livre por ali, as cores de alguns grafites feitos por artistas anônimos e ela... ele a viu novamente sorrindo e o chamando enquanto saltava com suas havaianas por sobre o lixo do chão. Viu as poses, os ângulos, lembrou-se de como o Sol entrava pelos buracos na parede e incendiava aqueles cabelos vermelhos.

Quanto tempo faz...

Ele caminhou até o que havia restado da escada que levava até o primeiro piso, onde ele havia feito àquela foto que era a única que restava e que ele guardava com tanto carinho. Sentou-se em um degrau e se aninhou ali para tentar espantar um pouco o frio da chuva. Tirou a foto de dentro do casaco e olhou para ela com seus olhos embaçados pelas lágrimas e pela chuva.

“Estamos aqui juntos, uma última vez” disse enquanto corria seu dedo pelos lábios daquela moça na foto.

“Sim, estamos” ele ouviu uma voz conhecida dizer “mas agora é hora disso realmente terminar, você precisa descansar”.

- Sim, eu realmente preciso descansar – disse ele concordando.

- Então descanse... – a voz disse em um tom convidativo.

E ele sentiu um abraço conhecido o envolver, sentiu seu corpo se acomodar naquele abraço. Não havia mais chuva, não havia mais frio, não havia mais nada.

Ele se sentia em paz.

- Vou descansar sim, mas foi bom te ver uma última vez... – sussurrou para a foto antes de fechar aqueles olhos cansados e finalmente, descansar.