Sete vidas

Ela estava deitada ali sozinha, mas há pouco estava acompanhada.

Um amante ou amigo ou o que quer fosse para ela havia acabado de ir embora e agora o quarto era só dela.

Nua, se enrolava nos lençóis como uma gatinha brincando com panos e na verdade, ela era uma gata.

Sexy, cada olhar e movimento eram calculados, mesmo os aparentes descuidos e tropeções eram feitos de forma a encantar e por mais inocentes que pudessem aparentar ser, tinham toda uma carga de tesão que não tinha como ignorar.

Ela era uma caçadora e o coitado que havia acabado de ir embora havia se tornado um rato, pronto a se atirar em suas garras ao primeiro chamado/miado que ela desse.

E ela sabia e gostava disso, gostava de ter esse poder sobre os homens.

Rolou sobre seu corpo e viu o seu reflexo na porta de vidro da sacada do hotel. Quem era aquela menina que olhava de volta para ela?

Os cachos caindo sobre seu rosto lhe davam um ar angelical, quase como um daqueles anjos barrocos. O olhar curioso e de certa forma ingênuo a encarava firmemente e não permitia que ela desviasse os olhos.

“Quem é você? Quem sou eu?” perguntou para si mesma.

Virou novamente na cama e olhou de um lado a outro do quarto e agora ele parecia muito grande e muito vazio.

Tocou o travesseiro ao seu lado e ainda pode sentir um pouco do calor do seu companheiro que estivera a pouco ali. Sentiu algo que não sabia o que era, uma pontada que fez um arrepio percorrer seu corpo.

Lembrou-se do toque dele em sua pele, dos dedos passeando por todo seu corpo, dos lábios dele beijando seus seios, sua barriga e sua boca, quando ela era capaz de sentir o sabor do seu próprio prazer, do corpo dele contra o seu, apertando, puxando, desejando. “Eu te amo” ele sussurrava em seu ouvido e ela permanecia calada, apenas sorrindo e se entregando.

Era saudade? Não, ela não sabia o que era sentir falta de alguém. Não sabia? Ou não queria? Ela negava, mas mesmo uma gata precisa de carinho e de cuidado, mas como aceitar uma coisa que poderia significar uma prisão? O mundo era seu playground e ela não queria menos que tudo e todos, mesmo que isso fosse o mesmo que correr atrás do próprio rabo.

Ela espreguiçou e arqueou seu corpo todo, respirando fundo para tentar esvaziar a mente desses pensamentos.

Nessa hora, um pequeno pensamento a pegou desprevenida, mais um medo que, tal qual uma picada de uma pulga, é quase imperceptível, porém incômoda: “E se eu não conseguir tudo e todos?”

Ela olhou para a garota no reflexo da porta e disse “E aí? Como fica?”.

Então ela viu a garota sorrir e dizer:

“Você é uma gata, está com medo de que?”.

Riu uma gargalhada gostosa e se levantou para ir ao banheiro tomar um banho.

Quando ia fechar a porta, olhou mais uma vez para a cama e viu as marcas de seu amante que estivera ali, sumindo conforme o suor misturado dos dois ia secando e, por um breve momento, se perguntou se não valeria a pena arriscar dessa vez...

“Não, não vale não e mesmo que eu me arrependa, eu sou uma gata e tenho sete vidas para tentar acertar”.

E enquanto fechava a porta, a menina do reflexo da porta ia sumindo, mas antes de desaparecer de vez, sussurrou:

“Ou para se arrepender...”