Esqueça-me

Enquanto adoça o café lentamente, Laura mais uma vez repassa sua agenda mentalmente. As visitas são muitas e ela não sabe por qual começar. Desde quando entrou nessa de vender cosméticos de porta em porta, Laura não sabe o que é ter um dia sequer de descanso. Porém, ela dá graças a Deus por isso. Quando ela se divorciou de Miguel com quem foi casada por vinte anos, a bonita Laura teve que se virar para poder sustentar Junior, filho único do casal. As vendas estão indo muito bem. Por dia ela chega vender de dez a vinte produtos e quase todos a vista.

O divorcio pode ter acabado com sua alegria, mas, não com sua beleza. Laura ainda ostenta um brilho digno das divas. Branca, mediana e de cabelos negros batendo nos ombros, a vendedora ainda arranca suspiros dos cinquentões de plantão por onde passa. Depois de fazer seu roteiro mentalmente finalmente ela toma do café. Olhando pela janela ainda vestida com sua roupa de dormir, Laura faz uma viagem dolorosa por um passado recente.

Laura não sabe se está vivendo um sonho ou realidade. O cheiro de fruta e pão quente é quase tangível e ela desperta. A sua frente uma cesta de café da manhã suspensa no ar pelas mãos fortes de Miguel. O sorriso do homem é iluminado:

- Feliz aniversario meu anjo! – Miguel coloca a cesta no colo da esposa.

- Ai amor, obrigado, não precisava.

- Como não. – a beija na testa. – faço questão.

- Nossa que cesta maravilhosa. Quer uma maça?

- Adoraria. – se deita ao lado da mulher a beijando no pescoço.

- Hum, já vi que a festinha vai começar mais cedo não é?

- Adivinhou. – a puxa para debaixo do edredom.

Ao ouvir seu nome pela voz pastosa de Junior, Laura volta à realidade:

- Preciso de um café forte, coroa. – Junior se espreguiça.

- Você precisa de uma lição isso sim, bebeu ontem de novo, Miguelzinho.

- Xi, Miguelzinho não, Junior, dona Laura Mendonça.

Laura se aproxima do filho e sente o forte cheiro de álcool.

- Você tem apenas 18 anos, Junior, e já está nessa vida, como será daqui pra frente?

- Mãe, por favor, hoje não, amanhã talvez. – sobe para o quarto.

Além de ter que conviver com o abandono do ex marido, a vendedora precisa lidar com o problema do filho. Miguel Junior experimentou álcool quando tinha quinze anos e desde então não parou mais. Laura vive um pesadelo toda vez que ele volta das noitadas com os amigos. Junior já passou noites e mais noites na rua, dormindo na sarjeta. Muito preocupada Laura saiu às cegas pelas ruas tarde da noite o procurando. Junior foi encontrado apagado numa calçada a alguns quarteirões de casa. Sem dinheiro a mãe precisou quase que carrega-lo até em casa. Muito complicado.

***

Bem vestida e muito bem maquiada, Laura encara a primeira visita. A casa é linda com duas câmeras de segurança na entrada. A dona a recebe com um bom dia pra lá de empolgante.

- Bom dia, Laura Mendonça, pontual hein, gostei de ver.

- Quando o assunto é trabalho, a cama fica em segundo plano.

- Isso mesmo, vamos entrando.

Depois de comprar dois hidratantes, cinco sabonetes de ervas, perfume e cremes e tudo avista, dona Socorro pede sua funcionária que sirva o café mesmo Laura dizendo que não precisava. A bandeja veio repleta de iguarias deliciosas. Praticamente um almoço.

- Então, Laura, como vão as coisas?

- Bem, na medida do possível.

- Senti uma ponta de tristeza em sua resposta.

- Que nada, está tudo bem. – ajeita os cabelos atrás das orelhas.

- Então me explica o que faz uma mulher linda como você trabalhando duro.

- Eu gosto. – belisca o bolo de laranja.

- Gosta ou precisa?

- Dona Socorro, eu tenho outras clientes para visitar e eu já vou indo.

- Não vai experimentar a torta salgada, eu mesma fiz.

- Terá que ficar para uma outra oportunidade. – se levanta e pega suas bolsas.

***

Na hora do almoço, como de costume, ela sempre dá uma passadinha na pensão da Malu para degustar do melhor bife a milanesa da cidade, segundo a própria Malu. Há quem diga que o bife apanha mais que os torturados na época do militarismo. A comida é boa sim , mas poderia ser ótima se Malu não pesasse tanto no sal.

- Qual a boa Laura? – pergunta com sua típica touquinha e um chamativo batom vermelho comprado justamente com Laura.

- Trabalho, acho que não vou conseguir descansar o almoço, terei que ir correndo para a próxima visita.

- Tentando ficar rica? – Malu retira o prato do almoço e coloca o da sobremesa. Um delicioso doce de abóbora com coco.

- Tenho muitas dividas, é só isso.

- E o Junior, como ele tem passado?

- Na mesma, bebeu ontem de novo. – prova do doce. – acho que terei que tomar medidas drásticas com ele. Para o bem dele.

- Que barra hein amiga.

Malu poderia ser muito bem uma filha mais velha de Laura. A diferença de idade entre as duas não atrapalha nenhum pouco o relacionamento entre as duas. Malu pode ser um pouco extravagante com suas roupas curtas e decotes abusados, porém é uma moça madura e inteligente. Laura gostou dela assim que a conheceu. É a única cliente que a vendedora gosta de compartilhar seus dramas pessoais.

Quando Laura estava para se separar de Miguel e a mesma enfrentou uma tempestade em sua vida, foi justamente a jovem escandalosa quem a apoiou, aliás, a única.

- E o crápula, tem ligado?

- Nem sinal de fumaça, acho que desapareceu.

- Pelo visto nem da casa ele faz questão. – recolhe a prato da sobremesa.

- Já pensou, eu nessa altura da vida ter que pagar aluguel, fala sério.

***

Escutando rock pesado no volume máximo em seu fone de ouvido, o filho de Laura dança freneticamente no pouco espaço de seu quarto. Sozinho ele é capaz de ser até a bailarina do municipal se deixar. No intervalo de uma música para outra ele dá boas e longas goladas na garrafa contendo vodca e suco de laranja. Já meio doido ele se joga na cama e canta alto num inglês até que perfeito, porém arrastado pela embriaguez. Miguel Junior é um rapaz apresentável, puxou muito de seu pai até mesmo no jeito de lidar com as coisas. Miguel pai nunca foi um sujeito organizado. Das inúmeras brigas entre ele e Laura eram por causa desse jeito do empresário. O golpe da separação dos pais mexeu bastante com o jovem que trancou a faculdade de engenharia civil quase que na metade. Ele já bebia antes, mas com o acontecido, Junior fez do álcool seu único e exclusivo amigo.

O dia passou. Junior não comeu nada. Dormindo ele se desliga da vida. Um sono pesado. Sem sonhos. O gosto amargo em sua boca o faz tossir várias vezes até despertá-lo. Ao tentar olhar o relógio ele não consegue. Sua visão ainda meio desfocada não permite.

- Droga, ainda estou bêbado.

Vendo que ainda resta uma pouco da mistura na garrafa ele saliva. Sua mão tremula não consegue segurar a garrafa. Com as duas Junior consegue levá-la até a boca. Imediatamente o tremor cessa e ele está pronto para outra.

- Agora sim!

***

O dedo fino com unha bem feita pressiona o botão do interfone. A voz metalizada atende. Laura aguarda alguns segundos até que o barulho do portão destravando é ouvido. Não há elevador, o prédio tem menos de seis andares. O novo cliente mora no segundo andar, exatamente no 201. A campainha é berrante. Quem atende é um homem alto, grisalho e de barba também grisalha.

- Boa tarde, vamos entrando. – convida ele gentilmente.

O apartamento é grande, bem decorado. A estante repleta de livros denuncia a intelectualidade de seu dono. Muito cautelosa, Laura evita certos comentários.

- Bebe alguma coisa, suco, chá ou café?

- Prefiro água mesmo.

O sujeito não passa despercebido. Esbelto e bonito, Laura sente o coração bater forte. Ele volta com um copo embaçado pela água fresca.

- Desculpe a falta de educação, me chamo Murilo, quem te recomendou foi uma vizinha. Você deve trabalhar com produtos como loções pos barba e tudo mais não é?

- Sim, a nossa linha homem é fantástica, quer dar uma olhada?

- Adoraria!

Sim, Murilo é um homem encantador, educado, fino, sonho de consumo de toda mulher. Ele olha atentamente ao catalogo junto com Laura. Vez por outra ela discretamente o olha e sente seu perfume.

- Gostei desse, posso saber o valor?

Desatenta ela não responde.

- Oi, tem alguém ai? – brinca Murilo.

- Ah, sim, vou ver pra você. – nervosa pela mancada ela ajeita os cabelos atrás das orelhas.

Laura termina de preencher o recibo enquanto Murilo volta com o dinheiro das compras. Feliz pelas boas vendas que fez nesse dia, a vendedora agora só pensa em voltar para casa e cuidar de Junior, porém o charme de Murilo a deixou sem chão e se ele a convidasse para ficar um pouco mais, com certeza ela não hesitaria em aceitar.

- Prontinho dona Laura, aqui está. – estende a mão com as notas.

- Obrigado!

- Você está com muita pressa?

Realmente a pergunta a pegou de surpresa. Quase engasgando Laura demora a responder. Murilo com paciência aguarda a resposta com um olhar meigo irresistível.

- Sim, quero dizer, não, eu estou indo para casa.

- Não quer ficar e...

- Seu Murilo, bem que eu gostaria, mas, tenho que voltar para casa.

- Tudo bem. – enterra a mão no bolso e saca um cartão. – caso mude de ideia é só me ligar.

***

Se sentindo a pior de todas as mulheres e se xingando em pensamento, Laura cruza as ruas quase no automático. Murilo não sai de sua cabeça, seu cheiro ainda é sentido, sua voz a convidando pra ficar é bastante presente em sua mente. Por que não aceitei ficar? Enquanto espera o sinal fechar ela imagina o que poderia acontecer se ela tivesse ficado, uma boa conversa, um jantar romântico, um bom vinho e depois sabe-se lá o que. O semáforo fecha e todos os pedestres atravessam correndo sem necessidade, inclusive Laura. Mais alguns quarteirões e ela estará em casa.

***

A noite apenas começou e Junior já está na quinta lata de cerveja. Os amigos ao seu redor dançam como loucos. A casa noturna está lotada de jovens que dançam, bebem e fazem sexo sem pudor algum nos cantos do estabelecimento. O ambiente é pesado, carregado. Em alguns pontos é possível ver traficantes vendendo trouxinhas de cocaína para os “playboy” metidos a besta. A policia finge que não vê. Vez por outra uma viatura para em frente à boate e um dos garotos se debruça na janela da viatura:

- Fala meu chefe, veio pegar a merenda? – pergunta o traficante.

- Sim, e o nosso esquema?

- Firme e forte. – abre a pochete e pega um maço de notas de vinte e cinquenta. – pega ai meu chefe.

Junior resolve dançar no meio do salão. Trocando as pernas ele dança como se fosse um boneco de marionete. Uma garota de vestido curto e preto se junta a ele numa dança pra lá de sensual. Se insinuando para o filho de Laura a mulher rebola até o chão. Não resistindo aos encantos da diva a sua frente, Junior a toca. No mesmo instante um brutamonte surge no meio da escuridão o socando no rosto.

- Tire as mãos dela seu pivete.

O corpo de Junior cai no chão frio da boate assustando a todos. Sangrando bastante Miguel Junior tenta se levantar. A dor e o álcool o deixam meio tonto. A garota tenta impedir que seu namorado o agrida ainda mais.

- Me solte sua piranha senão vai sobrar pra você.

Depois de muito tentar, Junior está de pé. Uma roda é feita no meio do salão como se fosse um ringue. O gigante de músculos desfere mais um soco fazendo a cabeça de Junior girar. Mais uma vez ele está no chão.

- Levanta! - vocifera.

Quando estava se preparando para acertar mais um de seus poderosos murros no rosto frágil do rapaz, dois seguranças ainda maiores aparecem salvando a vida de Junior.

- Chega, Dragão, a festa acabou. – diz um segurança de cabeça raspada.

Felizmente Junior sofreu ferimentos leves e não precisou ser hospitalizado. A dor de cabeça é forte, semelhante a um martelo pregando um prego. Dentro do carro seus amigos o zoam.

- Só você mesmo para dar em cima da mulher do Dragão cara.

- Cara, eu estou tão chapado que não a reconheci.

- Gente. – diz uma menina de cabelos coloridos. – e se ele consegue levá-la para um lugar mais reservado? Iria tirar onda “magrelo esquisito fura o olho do valentão da noite”

- Obrigado pelo “magrelo esquisito” Dany. – resmunga Junior.

***

A vontade de pegar o cartão e ligar para Murilo é grande, quase a consome. Laura já deitada em sua cama não desgruda os olhos do teto imaginando e relembrando os momentos com seu cliente charmoso. Devo ligar? Mais uma vez ela olha para o relógio, ele já deve estar dormindo à uma hora dessa. Vestida com seu roupão rosa bebê a vendedora se levanta. Pega sua bolsa e encontra o cartão.

- Murilo Pinheiro, empresário. – fala para ela mesma.

O celular é solicitado. Devagar os números do celular de Murilo são digitados. Respirando com dificuldade Laura hesita em discar. Desiste e volta para a cama. Qual foi Laura Mendonça, está igualzinha a uma adolescente apaixonada.

***

A noite demorou a passar. O relógio ainda não havia marcado sete e Laura já estava passando o café. O dia não está tão cheio, as visitas são poucas, Laura acredita que antes do almoço ela já esteja em casa. Junior sente o cheiro do café e desce. O susto de sua mãe ao ver seu rosto é inevitável.

- Junior, o que houve?

- Cai! – boceja.

- Não minta para mim!

- Certo, certo, eu nunca consegui te enganar mesmo. – boceja mais uma vez. – um sujeito me bateu.

- Te bateu ou te espancou? – Laura analisa os ferimentos. – foi para o hospital?

- Claro que não.

- Você bebeu outra vez Miguelzinho, quando isso terá fim meu filho?

- Miguelzinho de novo não Mãe, foram só algumas cervejas e nada mais.

Laura se afasta de maneira abrupta.

- Algumas cervejas que quase lhe custou à vida. Meu filho, você só tem 18 anos, não trabalha, trancou a faculdade, o que você quer da vida Junior?

- Mãe, por favor, ainda não são nem oito da manhã e já vem você com bronca, pelo amor de Deus né, ninguém merece. – se afasta rumando para a garrafa de café.

- Hoje nós iremos procurar ajuda, eu não vou ficar de braços cruzados vendo a destruição de meu filho.

Enquanto se serve do café fumegante Junior a olha bem nos olhos.

- Eu não preciso de ajuda! – falou bastante categórico.

- Tem certeza?

- Se meu pai estivesse aqui ele com certeza me entenderia.

O clima pesou. O coração de Laura se desfaz em mil pedaços.

- Você ainda pensa em morar com seu pai, é isso? – a fala de Laura é baixa, sem força.

- Pra ser sincero penso sim. – toma um gole. – nossa vida mudou bastante desde quando vocês romperam. Ninguém na verdade me perguntou como me senti ou como estou enfrentando essa situação.

Laura sente que colocaram uma tonelada em suas costas. Miguel Junior sempre foi apegado ao pai. Quando pequeno vivia para cima e para baixo com ele. Foram diversas pescarias, passeios no parque, disputas no vídeo game além das sessões de cinema. Quando Miguel foi embora de casa a desculpa que Laura arranjou foi que ele voltaria em alguns meses. Esses meses se transformaram em alguns anos.

- Você acha que será melhor viver com seu pai? – voz embargada.

- Não sei, às vezes penso em alugar um apartamento e morar sozinho.

- E vai viver do que? Você não trabalha meu filho.

- Eu posso arrumar um, sem problema.

***

Dessa vez Laura não quis andar até o ponto final do ônibus e preferiu pega-lo cheio em frente sua casa. Em pé e sendo esmagada por um sujeito obeso a seu lado, Laura se esforça para não chorar. As palavras de seu único filho cortam seu coração como lâminas afiadas. O divorcio destruiu um lar que aparentemente era feliz. Miguel era dedicado, cumpridor de seus deveres como chefe do lar. Laura se esforçava para manter a casa organizada e gastava horas na educação do filho. Tudo funcionava muito bem até que a bomba explodiu espalhando sonhos por toda a parte.

Só depois de muito tocar é que o celular é atendido em meio ao aperto do coletivo.

- Alô?

- Bom dia, eu falo com a vendedora Laura Mendonça?

A voz do outro lado da linha é familiar.

- Sim, ela mesma. – o ônibus breca.

- Aqui é o Murilo, lembra?

Mais uma vez o coração de Laura salta quase vindo à boca.

- Oi senhor Murilo, bom dia. – Laura se esforça para não parecer tão interessada.

- Você não me ligou então eu achei que eu deveria ligar.

- O senhor quer comprar mais alguma coisa?

- Sim, você pode passar aqui?

- Hoje? – o coletivo faz uma curva.

- Sim se não for atrapalhar.

- Tudo bem, vou passar ai hoje a tarde.

- Lhe aguardo ansiosamente.

De repente todos os problemas, todas as dificuldades deram lugar a voz de Murilo a convidado para ir até sua casa. Ele me ligou! Mais um pouco e ela passa do ponto pensando no empresário.

***

Depois de faturar mais um pouco com suas vendas, chegou o momento de visitar seu cliente charmoso e encantador. Vale a pena toda uma produção antes de tocar o interfone. Até mesmo um perfume de leve Laura passou. Nervosa ela toca o interfone, ao terceiro toque Murilo atende. Autorizada, à vendedora cruza o portão principal do prédio.

Ele nunca esteve tão bonito, nunca esteve tão elegante e atraente. Murilo a recebe com um sorriso iluminado.

- Seja bem vinda de volta Laura.

- Boa tarde senhor Murilo, eu...

- Opa, chega desse negocio de senhor Murilo, tudo bem?

- Desculpe-me, podemos ver o catalogo agora?

- Sim, acomode-se por gentileza.

Após ver e rever os produtos ali expostos no catalogo, Murilo em fim compra avista alguns cremes e sabonetes. Laura já estava se ajeitando para se despedir quando ele puxou uma conversa pra lá de interessante.

- É casada, Laura?

Engolindo seco a mulher demora a responder.

- Não, divorciada.

- Sinto muito!

- Tudo bem, você vai querer mais alguma coisa?

- Não. Na verdade eu estava pensando em convidá-la para sair.

Nocaute, com essa ela não esperava.

- Como? O que disse?

- Eu estava pensando em convidá-la para sair, um amigo meu que é músico estará se apresentando num restaurante, então? Gostaria de ir?

Muito nervosa Laura começa a rir causando estranheza no empresário.

- Algum problema, Laura?

- Não, claro que não, adoraria.

- Ótimo, me passa seu endereço.

***

Dany é do tipo que transa com qualquer um que fale algumas palavras bonitas em seu ouvido. Junior de vez enquando se dá bem elogiando a gata. Mesmo no auge de uma tarde ensolarada eles transam no quarto da menina de cabelos coloridos. Com Junior o assunto é outro. O filho de Laura Mendonça é o único que a cobre de carinho e isso ela já vem notando á muito tempo. Ofegantes eles se jogam na cama buscando fôlego. Dany acaricia seu tórax com pêlos ralos.

- Você me ama? – indaga Daniele.

- Sim!

- Até que ponto?

- Não sei.

- Se casaria comigo?

Junior não responde, porém afirma uma outra coisa.

- Eu namoraria com você.

A menina abre um sorriso largo e o abraça forte.

- Você está falando sério?

- Sim, por quê o espanto?

- Ora, a gente já transou várias vezes e nunca você me disse nada.

- Você também nunca me perguntou né!

- Quer transar de novo?

- Essa pergunta é para selar de vez o nosso namoro? – o jovem ex universitário a segura no rosto.

- Sim!

- Então vamos!

***

O show é simplesmente maravilhoso. O amigo de Murilo presenteia a todos os clientes do restaurante com sua voz doce e afinada. Laura está adorando e aplaude a cada canção executada.

- Hum, estou vendo que estou diante de uma apreciadora da boa música romântica.

- Amo de paixão, adoro Roupa Nova, Roberto Carlos entre outros.

- Quer que ele toque alguma de sua preferência?

Ela pensa por alguns instantes.

- “Um sonho a dois”, Roupa nova.

- Uau, gostei, faz tempo que não a ouço. – estala os dedos.

A noite foi repleta de boas músicas e de conversas agradáveis. Murilo é um exímio cavaleiro. Falou de sua trajetória de sucesso no ramo empresarial. Do quanto teve que investir para que sua empresa crescesse. Laura ouviu a tudo com uma atenção de poucos e soube interagir com ele. Tudo isso faz aumentar o interesse pelo belo homem a sua frente, não pelo fato de ser rico e sim pelo modo com lida com as coisas. Mais tarde voltando para casa, eles ainda conversam sobre diversos assuntos. Ao volante de seu carro importado, Murilo conduz um papo sadio e bem humorado. Laura vive uma noite de princesa como ela jamais teve.

No portão de sua casa a vendedora se despede de seu cliente meio que não querendo que a noite chegue ao fim.

- Gostou?

- Adorei!

- Se você quiser, no próximo fim de semana podemos repetir a dose.

De repente Laura se mostra insegura. Ajeita as madeixas negras atrás das orelhas e olha para baixo fixando o asfalto irregular.

- Algum problema, Laura?

- Murilo, não me leve a mal, mas, sou uma mulher que foi abandonada e devido a isso precisei me refazer, sabe, catar os pedacinhos do que sobrou de mim. –olha para os lados. – então não sei direito o que eu quero.

- Veja bem, Laura, quanto a isso não se preocupe, por enquanto podemos ficar só saindo como amigos, tudo bem?

Laura sorrir deixando Murilo ainda mais apaixonado pela vendedora. Por ele tudo bem, tudo que é conquistado com dificuldade vale mais a pena no final. Ele resolve esperar por Laura pacientemente.

- Quando nos veremos outra vez? – Murilo sorrir.

- Quando você quiser. – responde com doçura na voz.

- Ótimo, eu te ligo então.

Depois que Murilo ligou o motor do carro e desapareceu na esquina foi que a ficha da vendedora caiu, estou apaixonada de verdade. Fazia algum tempo que Laura não se sentia assim, leve como uma pluma, radiante como uma estrela. Meio que no automático ela entra em sua casa e se joga no sofá. Pelo menos por alguns instantes ela se esquece que há uma ferida em seu coração. De que há uma marca em sua vida irreparável. O fantasma de Miguel ainda a apavora. Porém nesse momento ela só tem cabeça para o homem grisalho charmoso, que se veste e fala muito bem. Seria isso tudo um sonho? Se for, por favor, ninguém a acorde. Ela fecha os olhos e ri sozinha em meio à sala na penumbra.

***

Os olhos de Laura se abrem e vão direto ao relógio pendurado na parede. Sete e meia. O cheiro de café misturado ao de ovos fritando é quase sufocante. Será mesmo o que estou pensando?Junior está mesmo cozinhando? Veste-se com o roupão rosa bebê e desce cuidadosamente as escadas. Ao chegar a sua cozinha uma menina bonita de cabelos coloridos pilota seu fogão desastrosamente. Sentado a mesa está Junior lendo atentamente o jornal.

- Bom dia! Alguém pode me explicar o que significa isso?

Dany se assusta com Laura a olhando friamente da porta da cozinha.

- Oi mãe, devo-lhe apresentar Dany, minha namorada.

- Namorada? – Laura cruza os braços.

- Sim!

Daniele engole seco.

- Desde quando?

- Bom, bem, começamos ontem, acho. – Junior coça a cabeça.

- Ontem? E já dormiu na casa do namorado?

- Bom dia dona Laura, a senhora quer ovos mexidos?

- Pelos menos é educada. – olha para a moça. – não minha filha, pode deixar. – olha para Junior. – mais tarde conversamos.

***

Na hora do almoço Laura degusta um macarrão a parmegiana na pensão de Malu. A proprietária se junta à amiga para colocar a fofoca em dia.

- Qual o grilo dessa vez dona Laura?

- Dois grilos, um bom e outro ruim, qual você quer primeiro?

- O ruim.

- Lá vai. Junior me apareceu com uma namorada lá em casa hoje de manhã.

- Sério? É bonitinha pelo menos?

- Uma gracinha, os cabelos todos coloridos, só precisa saber lidar com o fogão.

Ambas dão gargalhadas.

- E a boa?

Laura termina de engolir o macarrão.

- Estou saindo com um homem maravilhoso.

Malu se ajeita na cadeira. Cruza as pernas e mexe no cabelo black.

- Calma ai, deixa eu me preparar, como é mesmo a história?

- Seguinte, vou lhe contar desde o começo. Eu fui...

***

Miguel Junior e Dany conversam abraçados e deitados na cama. A situação constrangedora deixou a menina bastante abalada. Junior tenta convencê-la a ficar mais um pouco.

- Fica Dany, foi só a primeira impressão, a coroa é gente boa.

- Pode até ser. Mas acho que ela não gostou de mim mesmo.

- Vamos tentar mais uma vez, se não de certo prometo sair de casa.

Dany se ergue e franze a testa.

- Sair de casa, por minha causa?

Junior esfrega o rosto com as mãos.

- Como eu te falei, o clima aqui em casa anda meio pesado, meus pais se divorciaram e pra ser sincero estou me sentindo sufocado aqui, vou arrumar um trampo e alugar um apartamento.

- E o que sua mãe acha disso?

- Sou maior de idade, eu apenas a comuniquei. – a puxa para junto dele. – quer ir morar comigo?

Mais uma surpresa e dessa vez Dany ficou paralisada.

- Você é maior de idade, para mim falta um ano esqueceu? Meus pais pirariam com isso.

- E se eu for lá falar com eles?

- Não sei qual será a reação do senhor todo poderoso Alberto Feitosa. – faz cara e bocas tirando risadas do namorado.

- Ok, vamos amadurecer a ideia, de qualquer forma fica o convite. – inicia as caricias. – agora que tal brincarmos de papai e mamãe?

***

A noite corre um vento fresco pela copa da cozinha e Laura aproveita para fazer anotações enquanto toma de seu chá de erva doce. Os pensamentos não são outros além de Miguel, seu ex, Junior e é claro Murilo. As anotações deixam claro que suas vendas andam em alta e que já possível à compra de uma maquina de lavar já que a velha anda mal das pernas. Junior desce e se junta a sua mãe e antes que ele possa falar, ela fala.

- E a coloridinha?

- Daniele Feitosa.

- Como? – toma do chá.

- Daniele Feitosa, é esse o nome da “coloridinha”.

- Ah, sim.

- Mãe, eu estava pensando seriamente em alugar um apartamento assim que eu conseguir um trabalho.

- Já conheço essa história, Junior, “vou morar com minha namorada”, não é isso?

- Pode ser.

- Bom, se é isso mesmo que você quer então o que mais posso fazer, você já é adulto, só peço que você comunique ao seu pai sobre sua decisão.

Junior se mostra surpreso com a tranqüilidade da conversa.

- Ta falando sério, é só isso?

- Só, por quê o espanto?

- Sei lá, achei que você iria falar, se opor, gritar.

- Como eu falei, você é adulto, dono de seu próprio nariz, boa sorte. – se levanta.

***

A conversa pode ter sido tranquila para Junior, mas para Laura foi um pesadelo. Só em pensar na possibilidade de ser abandonada pela segunda vez já lhe causa arrepios. O que mais a incomoda é o fato de que Miguel não irá colocar barreiras na decisão do filho. Se Junior lhe falar que irá morar com uma menina menor de idade é arriscado seu ex dá um festa. Miguel sempre foi assim, irresponsável, liberal demais. Sentada pesando na vida Laura escuta seu celular vibrar em cima da mesa de jantar. O número ela desconhece.

- Alô?

- Laura!

Realmente o coração da vendedora anda muito bem. Ao ouvir aquela voz rouca e forte a qual lhe pediu em casamento uma vez, fez seu coração gelar.

- Miguel?

- Sim!

- O que você quer?

- A casa!

- Como?

- Exatamente o que você ouviu, em breve estarei entrando com uma ação para tirar você da minha casa.

- Seu sujo, eu te odeio, eu...

- Ei, sem ofensas, eu ainda estou lhe avisando. Prepare-se, seus dias ai dentro estão chegando ao fim.

Laura não permite que as lágrimas desçam.

- Miguel, eu...

Tarde demais, Miguel já havia desligado.

E agora? O que fazer? Morar de aluguel não estava em seus planos. As vendas estão indo bem, mas não o suficiente para bancar um aluguel. Os sentimentos se misturam, porém o que prevalece é o ódio. Se Miguel estivesse ali sentado bem na sua frente ela jura que pularia pra cima dele e lhe arrancaria os olhos. Paciência, ele é o dono da casa e disso ela se lembra muito bem.

O terreno ainda era puro mato cercado apenas por uma precária cerca. O casal de noivos vislumbra a casa ainda na imaginação. Miguel é detalhista e desenha no ar todos os cômodos que pretende construir. Laura por sua vez também faz desenhos imaginários no ar. Eles passam algumas horas ali contemplando o futuro lar, trocando ideias e por que não calorosos beijos. Miguel é insistente e depois de muito tentar ele consegue levá-la para um lugar mais discreto e ali fazem amor até o cair da noite.

- Te amo. – declara Miguel.

- Eu também.

- Promete que nunca vai me deixar? – implora o noivo.

- Que papo fora de hora é esse Miguel?

- Promete?

- Ai! Prometo. – Laura revira os olhos.

- Então me beija.

Seria a vida injusta? Ou seria mais uma de suas pegadinhas? Hoje tudo aquilo que foi prometido, tudo aquilo que era eterno se desfez, viraram pó. Agora é cada um por si e Deus por todos. Realmente Laura não entende porquê o mundo dá tantas voltas assim.

***

O restante do dia foi complicado. Laura fez suas visitas com a cabeça explodindo de dor. Ela até pensou em cancelar as ultimas, mas algo a fez repensar, em breve vou tirar a casa de você! Laura não pode se dar ao luxo de dispensar qualquer possibilidade de venda agora. Ao voltar para casa seu celular toca. Murilo não sabe o bem que fez ao ligar para ela.

- Oi, como foi o seu dia?

Antes de responder Laura respira fundo.

- Complicado!

- Há algo que eu possa fez?

- Acho que não.

- Bom, acho que não foi uma boa hora para ligações.

- Não, claro que não, pelo contrario, foi ótimo.

- Quer sair comigo hoje?

Até que não seria má ideia, pensou Laura ajeitando os cabelos.

- Adoraria.

***

Junior está na segunda lata de cerveja mesmo Dany protestando. A reunião com os amigos acontece num bar na zona nobre da cidade. Um dos jovens faz o favor de anunciar a novidade da semana.

- Galera. – chama atenção batendo com uma colher no copo. – atenção, há entre nós um novo casal. – aponta para ambos. – Miguel Junior e Daniele Feitosa.

Nem todos se alegraram com a noticia. Enquanto todos comemoram com aplausos e assobios, Ricardo fecha o semblante e olha friamente para Dany. Junior puxa sua namorada para junto dele e a beija.

- Então, como estão os preparativos? – pergunta o líder da bagunça.

Junior não entende a pergunta.

- Como?

- Sim, os preparativos para morarem juntos.

- Calma amigão, primeiro preciso de um emprego legal para depois tirar minha gata de dentro de casa.

- E principalmente deixar a cerveja de lado, não é, Junior?

- É, vou pensar no seu caso. – todos riem com essa situação.

***

O cheiro de hamburguer com fritas fez a fome de Laura aumentar mil vezes. Murilo está simplesmente fenomenal vestido socialmente. Depois do pedido finalmente a vendedora resolve puxar assunto.

- Meu ex vai entrar com uma ação pedindo a casa.

- Sério, mais que covardia.

- Também acho. – entrelaça os dedos. – não estou ganhando o suficiente para pagar um aluguel. E para piorar, meu filho vai sair de casa.

- Quer me contar o que aconteceu entre vocês? Entre você e seu ex marido? – Murilo apóia os cotovelos na mesa.

- Sem problema.

Laura já não estava suportando mais toda aquela situação. Mais uma vez Miguel chegará tarde e provavelmente contará mais uma de suas mentiras. Sentada na copa enxugando suas lágrimas de amargura ela escuta o ronco do motor. Seu coração palpita. Miguel passa pela porta e já não a beija como antes.

- Ainda acordada? – pergunta com rispidez na voz.

- Sim, não está vendo.

- Qual é Laura, desencana vai, eu estava adiantando o trabalho e nem vi a hora passar.

- Qual o nome da vagabunda com quem você estava?

- Está delirando? – franze a testa.

- Não Miguel, eu estou bem lúcida, me dê o nome da piranha agora.

- Estou começando a perder a paciência com você, Laura.

- Isso mesmo, perca a paciência, me espanque, só assim eu te coloco na cadeia seu sujo. – vocifera

- Laura, você está fora de si, vá dormir.

- Não me mande dormir como sempre faz seu cachorro, eu quero o nome da mulher e quero agora. – grita mesmo passando da meia noite.

Miguel tenta em vão fazer com que Laura se cale colocando a mão em sua boca. Furiosa ela o morde. Num gesto de puro ímpeto ele a acerta no rosto.

- Canalha, mentiroso, porco, vou colocar você na cadeia, você não perde por esperar.

- Quer saber de uma coisa, fui!

Miguel saiu de casa naquela noite e quando voltou foi para pegar suas coisas dias depois. Desde então a vida nunca mais foi à mesma.

A batata frita esfriou enquanto Laura contava sua historia. Murilo engole seco sem saber o que dizer. Ele segura nas mãos delicadas da mulher sentido o calor delas. Como um herói ele precisa salvá-la do perigo, protegê-la em seus braços. O empresário busca fôlego e derrama.

- Até agora a vida não foi justa com você, Laura, até agora.

- Até agora?

- Sim. – aperta sem machucar as mãos de Laura. – penso em você todos os dias e sinceramente já não sei o que fazer, só você pode me ajudar.

Eles se olham. Mergulham num mar calmo chamado amor e não querem sair dali jamais. Nada pode impedir o que virá daqui pra frente, nada e ninguém. Laura espera ansiosamente o que irá sair dos lábios de Murilo, ele busca forças, coragem para dizer.

- Laura, você quer ficar comigo?

Ah, quão lindas foram essas palavras. Quão maravilhosas, doces como o mais puro mel. Ela não hesita em responder que sim. Murilo não perde tempo em prova de sua boca. Tal momento poderia se eternizar, ou pelo mesmos durar a noite inteira. O beijo é longo. As respirações se misturam e os corações batem na mesma frequência. Nada pode detê-los, nada.

***

O ronco de Junior incomoda bastante. Dany se revira na pequena cama de solteiro. Como ultimo recurso ela cobre sua cabeça com os travesseiros. O celular vibra e bastante nervosa ela atende.

- Oi!

- Já me esqueceu?

- Ricardo, cai fora, o que houve entre a gente foi pura aventura.

- Aventura? Transar e depois juras de amor, você chama isso de aventura?

- Não, mas, se liga cara, eu agora me encontrei, Junior é diferente, eu o amo de verdade.

- Ouvir isso me machuca, sabia?

- Ricardo, por favor, sem drama vai, você é bonito, inteligente, com certeza tem garotas a fim de você, me esqueça por favor.

- Ainda não me dei por vencido, você será minha mais uma vez nem que eu tenha que...

- O que? Vai dar uma de ex ciumento agora, pare com isso cara.

- Quem avisa amigo é, boa noite. – desliga.

Esse é o primeiro conto de uma trilogia: ESQUEÇA-ME, PERMITA-ME E ENVOLVA-ME

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 08/09/2015
Código do texto: T5374816
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