Cristian_e_Beatriz_Cap_I_Lágrimas_No_Fim

Raul é um homem digno e honesto dos pés até as pontas de seus grisalhos cabelos, de origem humilde, Raul nunca reclamou do trabalho duro e sempre teve amor e orgulho do ofício que herdou de seu velho pai, além do trabalho, Raul também herdou de seu pai o amor pela vida e pelas pessoas, ninguém jamais o vira sem um grande sorriso no rosto, até que uma data, hoje amaldiçoada pela família, entrou em sua vida como uma chaga, que se alimenta de seus pesadelos e medos mais profundos.

Era 6 de agosto, de 1996, um dia com inesperadas pancadas de chuva e muita lama na estrada. Raul seguia para uma fazenda em Santa Amélia estando ao volante de um clássico Comodoro ano 88, que também herdou de seu pai no dia em que Cristian nasceu. No banco ao lado, dormia sua esposa Cristina que para ele, era a própria divindade na terra, talvez ele a amasse mais do que sua própria vida, seguido de seu primogênito que se divertia as gargalhadas no banco de trás, este ano teria sido perfeito para a família se o destino não jogasse com suas vidas naquele exato momento:

_ Querido, por favor! Faça menos Barulho! _ Dizia Cristina levando a mão a boca com um leve bocejo.

_ Cristian, seja um bom garoto e obedeça sua mãe!

_ Pai! Brinque comigo! Você também mamãe!

_ Fique quieto ou encare as consequências rapaz!

_ É sério papai brinque comigo!

_ Eu te avisei!

_ RAUL! O CAMINHÃO!

Tudo aconteceu tão rápido quanto num estalo de dedos, aquela luz branca que segava os olhos de Raul, ao mesmo tempo levava o automóvel a uma grande pancada que direcionava o Opala 88 para esquerda com uma força sobre-humana, levando assim, o Comodoro a capotar algumas vezes. Quando tudo se acalmou e o único barulho que se ouvia era da chuva batendo no ferro retorcido, uma vida já não existia naquele momento, Cristina teria deixado Raul e Cristian apenas com as lágrimas e a lembranças de um dia que não deveria existir.

Cristian acordou no Hospital de Santa Amélia, imóvel com algumas talas no braço e recebendo medicamentos intravenosos para a dor, com o seu pai ao seu lado recebendo de Cristian várias perguntas enquanto Raul as recebia tentando fortemente lhe dar uma boa explicação:

_ Pai, onde eu estou? _ Dizia Cristian com a voz enfraquecida.

_ O que aconteceu? Onde está a mamãe?

_ Cristian, sei que você ainda é muito jovem para entender tudo o que aconteceu, mas neste momento você precisa ser forte. _ Dizia Raul, tentando evitar as lágrimas.

_ Aconteceu um acidente na estrada e infelizmente a mamãe nos deixou meu filho.

Raul lhe deu as costas, pois não segurou as lágrimas e se dirigiu até a janela do quarto com o olhar para o céu. Cristian a medida que assimilava as palavras de seu pai, chorava com mais intensidade, enquanto Raul soltava um rugido desesperado de dor que não seria física, mas sim uma dor genuína, uma dor na qual medicamento algum interfere, apenas o sopro do tempo. Desde dia em diante, Raul se tornou um homem frio e de poucas palavras, tratava Cristian da melhor forma que podia, pois, mesmo sabendo que estava no volante, em sua cabeça, ele culpava Cristian pela coisa toda que consequentemente, também nunca se perdoou pelo acontecido.

Sobre um papel antigo e espesso preso sobre um cavalete, Beatriz se deliciava com as formas que o papel tomava ao tocar a tinta, que levemente ganhava vida com a ajuda de um pincel fabricado a mão, onde notava-se o grande amor do artesão pela sua frágil obra. Beatriz era muito jovem, mas apenas com 6 anos de idade já pintava, aprendia línguas e estudava os grandes mestres da literatura, tinha um sorriso meigo e encantador, mas mesmo sendo tão jovem e sensível, já era destinada a uma vida completamente planejada. Filha única de um exímio cirurgião e de uma arquiteta renomada, Beatriz era fadada ao sucesso, mas com seis anos de idade, esta doce garotinha queria apenas o carinho de seus pais ausentes e conservadores.

Nesta fase de sua vida, Beatriz tinha muitas perguntas sem respostas e os seus sentimentos, acabavam por consumi-la. Nada fazia muito sentido, pois já tinha presenciado outras crianças com suas famílias e nada do que via fazia muito sentido comparada com sua própria vida. Beatriz questionava se era culpada pela sua solidão, ou porque não conseguia um beijo de boa noite do seu pai, ou então uma simples história para dormir de sua mãe, e mesmo que todos esses questionamentos não houvessem uma resposta justificada, a cada café da manhã crescia a esperança de uma doce criança.

_Papai! Posso te fazer uma pergunta? _ Dizia Beatriz com os cotovelos sobre mesa.

_Tenha modos a mesa Beatriz! E não se fala enquanto se come senhorita!

_ Desculpe papai, é porque vejo o senhor e a mamãe apenas neste horário, e sinto falta de conversar com vocês!

_Renê! Escute sua filha por alguns segundos. _ Dizia Magnólia enquanto lia um livro sobre a arquitetura asiática no século XXI.

_Tudo bem mocinha, você acaba de ganhar a minha atenção.

_Por que não me dá um beijo de boa noite ou um beijo de bom dia quando me levanto, ou também, por que não me vestes ou por que mamãe não me conta uma historinha para dormir?

_Beatriz lhe direi uma última vez, portanto, preste bem atenção em minhas palavras. Sua mãe e eu tivemos uma educação totalmente afastada de nossos pais, e este fato nos tornou mais fortes para viver na selva que existe lá fora. Você precisa ser forte desde pequena, porque certamente o mundo cobrará isso de você um dia, e quando este importante dia chegar, você estará forte, rígida e totalmente preparada para qualquer surpresa que vida possa lhe armar, portanto, amadureça e deixe de criancices!

Sua mãe se quer retirou os olhos de sua leitura, ou retirou o foco de como a arquitetura chinesa teve forte influência social e tecnológica para seus vizinhos como Coréia, Mongólia ou Vietnã. Beatriz não mostrou qualquer reação, exceto sobre uma única lágrima que viajou lentamente de seu olhar triste, até percorrer a maça de seu rosto e se secar junto com suas esperanças de ser uma criança comum. Pediu licença para se retirar da mesa e subiu as escadas até seu estúdio particular, pegou uma pequena paleta, colocou um pouco da sua tinta importada e as humedeceu com suas lágrimas que caiam sem sessar. Naquele momento, Beatriz presenciava o amarelo e o azul em uma transformação única e inevitável das cores, e em segundos, entendeu que mesmo com sua vida totalmente traçada, em um futuro distante, sua vida haveria de se unir com a história de outras pessoas em uma só tonalidade e talvez assim, poderia achar o sentimento que sempre lhe faltou, o amor simples e verdadeiro.

Fábio R Jorge
Enviado por Fábio R Jorge em 09/12/2015
Código do texto: T5475365
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