A Dama da Noite
Sorrateira e silenciosa, essa era a Dama da Noite, nome este que os boêmios deram há algum tempo. Ela era misteriosa e até mística, uns achavam que era uma bruxa ou um espírito. Mas o que todos sabiam era que não era humana.
Só aparecia durante a noite, com seus longos cabelos negros esvoaçantes e um longo vestido branco que colava no corpo e depois arrastava no chão. Andava geralmente na praia deixando as marcas de seus pés descalços e seu vestido comprido.
Os homens não sabiam se a temiam ou admiravam. As poucas mulheres que a viram sentiam inveja da bela mulher. Por onde passava a Dama da Noite arrancava suspiros.
Aparecia sem data nem hora marcada, mas toda noite era esperada.
Um dia, um forasteiro que veio de longe, sem nada saber da história, encontrou a bela moça.
-Boa noite! – disse ele ao encontrá-la na praia sentada em uma pedra.
Resposta não houve. Ela apenas continuou parada com os cabelos caídos no rosto e olhando o mar. Sem entender a mulher, o viajante aproximou-se cautelosamente. Quando ele estava a poucos passos de distância, a Dama da Noite saiu correndo com seus cabelos ao vento e sua formosa silhueta desenhada em seu vestido branco sob o luar intenso.
-Mas quem é ela? – perguntou-se o rapaz.
Logo ele se instalou na cidade, vivia de vendas - caixeiro viajante que logo chegava e logo ia embora - sem porto, sem casa, sem família, apenas ele e a estrada, às vezes algumas prostitutas nas noites solitárias e poucos amigos por onde passava.
Mas parecia que a sua história estava para mudar, a bela moça mexera com seu coração, provocara uma curiosidade intensa por causa da sua saída de rompante, seu silêncio, sua timidez.
-Mas quem era ela? – perguntava-se toda vez que se lembrava do que havia acontecido.
Não demorou muito e logo se juntou aos boêmios da cidade, fazendo música, bebendo e vivendo intensamente.
Foi na segunda semana da sua estadia que ela reapareceu.
-Olha quem vem ali! – disse o dono do bar.
Todos admiraram a beleza da jovem, apesar de nunca terem visto seu rosto.
-Quem é ela? – perguntou o viajante.
-É a Dama da Noite. – respondeu o boêmio ao lado dele. – Ela aparece de vez em quando, mas ninguém na cidade a conhece.
-Ela não mora aqui?
-Ninguém sabe. A única coisa que sabemos é que ela só aparece à noite.
O forasteiro interessou-se mais ainda pela moça, agora que sabia algo sobre ela, faria tudo para saber cada vez mais.
A dama passou a aparecer todas as noites no mesmo lugar, sentada numa pedra na praia.
Um dia o viajante bebera demais e brigara com seus companheiros de bebedeira, sem saber para onde ir, caminhou sem rumo pela praia e em seus tropeços foi parar no mar. Prestes a afogar-se o homem gritava e se debatia, mas sua tentativa de nadar foi em vão.
Quando já não tinha mais forças para gritar ou nadar, seu corpo começou a afundar lentamente, mas antes que perdesse totalmente a consciência uma mão puxou-lhe e arrastou-lhe até a areia.
Meio zonzo, o rapaz abriu os olhos e viu lindos olhos prateados a fitá-lo. A Dama da Noite o havia salvado.
Ele ficou olhando aquela mulher linda, de olhos distintos, longos cabelos negros, vestida em um vestido branco encharcado e agora transparente e que lhe desenhava ainda mais o corpo, a sua boca era vermelha e seu rosto arredondado. A mulher mais perfeita que já vira.
Se antes a achava magnífica, agora aparentemente nua, numa praia deserta, sob a luz do luar, ele tinha certeza que jamais desejaria uma mulher como estava desejando-a.
Sem dizer uma palavra ela agachou-se ao lado do forasteiro, que já estava sentado e beijou-lhe os lábios lentamente.
-Quem é você? – perguntou o rapaz atordoado.
-Você não sabe? – perguntou ela com uma voz que lembrava uma lira.
-Você parece com uma deusa, tão perfeita quanto é possível.
-Não sou uma deusa, mas também não sou humana, sou algo que você desconhece. Como pode me adorar de tal forma?
-O seu encanto me enfeitiçou, meus olhos só vêem você, meus ouvidos só querem ouvir a sua voz e minha boca quer tocar a sua novamente.
-Se isso fosse realmente verdade, seríamos felizes juntos, mas muitas mulheres você já conheceu, muitos caminhos você já percorreu e nada te satisfez, não serei eu que mudarei isso.
-Não quero contigo apenas uma noite, como com as outras, quero a vida toda e um pouco mais, não minto para ninguém, todas que conheci sabiam que nada de importante eram.
-Pode ser a verdade agora, mas logo cansará da monotonia e partirá para nunca mais voltar.
-Me diz teu nome e o guardarei para sempre em meu coração.
-Alguns me chamam de Yue, outros de espírito da Lua, ambos são verdadeiros.
-Fica comigo, minha dama, que aqui eu fico e te darei conforto.
-Você se diz apaixonado pela Lua? – ela fez uma pausa. – Você deveria saber que sou do Sol e que juntos governamos os céus.
-Se já tens o seu amor, eu fico quieto, amando de longe, querendo quem não me quer.
-Mas essa noite serei sua, pois um filho do sol não posso ter e uma nova estrela precisa nascer para governar os céus quando o sol morrer.
-O que está dizendo? Que a única mulher que desejo para toda a vida, terei apenas por uma noite?
A jovem deitou-o na areia e beijou-o. Foi uma noite inesquecível para o rapaz. Morrera de amor por uma mulher que nunca mais veria.
Todas as noites admirava a Lua e cantava a sua serenata com a esperança de que um dia ela voltasse.
“Foi caminhando pela praia que eu a vi
A mais bela de todas as moças não apenas aqui
A mais bela das belas
A melhor entre todas
Por ela apaixonei-me
Por ela afoguei-me
Por ela sobrevivi
Oh! Lua,desceste do céu
Com o seu belo véu
A cobrir teu prateado corpo
E foste embora como um sopro
Levaste meu coração contigo
E a mais bela canção ficou comigo
Para assim lembrar-me de ti!”