O porquê de ser totalmente aceitável sentir falta do seu ex

"Tem sempre um lugar no seu coração para as boas lembranças. Mas você não pode deixar que elas te impeçam de tocar o barco."

Quem disse isso foi a minha avó no início deste ano quando eu me encontrava num momento emotivo causado repentinamente pelo que parecia ser uma lembrança inofensiva do meu ex-namorado.

Eu tava saíndo com um cara bacana. Era nosso quarto encontro. Aquele onde você começa a sentir algum tipo de conexão com a nova pessoa. Até mesmo um simples passeio na rua parecia uma coisa ótima com ele. Mas, do nada, me dei conta de que a gente estava num quarterão muito particular da minha cidade. Um que tinha significado especial pra mim e meu ex-namorado: Recife antigo, cruzamento da avenida Rio Branco com a rua da Guia. Não tem nada ali numa situação normal. Mas durante o carnaval, aquilo pega fogo.

Era fevereiro de 2007. Nos encontramos por acaso naquela multidão. Ali a gente se viu, se paquerou, se falou. Mas não rolou absolutamente nada. Só uma conversa cordial. Na época, ele estava terminando um relacionamento em crise. E eu tava muito bem solteiro. Acho que foi a primeira vez em que a gente se percebeu de fato. A nossa relação começou três meses depois daquela noite. Por isso, ao longo dos anos juntos, sempre recordávamos aquele momento com carinho. Era uma esquina que despertava memórias.

Mesmo seis anos depois do fim do nosso namoro, mesmo com esse ex-namorado morando em outro estado, mesmo existindo outro cara maravilhoso comigo naquele momento, aquele quarteirão me deu um aperto no peito. Eu suei frio, senti minha garganta fechar. Já era! Estava tomado por uma lembrança galopante dos momentos felizes que tive com aquele cara naquela época. Minha memória parece ter sido ativada em um misto estranho de alegria e tristeza. Alegria porque era sim uma lembrança maravilhosa. Mas tristeza também porque aquilo não volta. Foi único e eu não sei se vou registrar no meu cérebro de novo um momento tão bom quanto aquele. Então, veio o inevitável. Eu senti que iria chorar.

Me debandei para o primeiro banheiro estranho que me surgiu pela frente. Ah, santa diarréia simulada! Foi o único recurso do qual eu pude dispor. Não podia conter aquelas lágrimas e, ao mesmo tempo, seria estranho demais para o cara com que eu estava saindo. E claro que eu não queria espantá-lo.

Como pode um simples quarteirão me passar uma rasteira emocional? Foi como atravessar um portal da ansiedade que me levou ao passado tão longe. Ele e seus flashbacks. E, num piscar de olhos, estava de volta ao presente com a mente em frangalhos.

No dia seguinte, eu confessei tudo para minha avó. Falei pra ela como aquele local inusitado havia me afetado e trazido sentimentos que eu pensei já estarem resolvidos. Ela deu um sorriso lindo, sincero, simples. pegou na minha mão e disse: "Meu querido, tá tudo bem. Tem sempre um lugar no seu coração para as boas lembranças. Mas você não pode deixar que elas te impeçam de tocar o barco."

Ela tava certa! Ele não foi má pessoa. Não me traiu, não mentiu pra mim nem brincou com minhas emoções. No fim das contas, a gente apenas não era compatível um com o outro. É como meu tio sempre diz: "Você tem que pensar no seu parceiro a longo prazo. Você sente que vão caminhar juntos? Ou será que você está dois passos à frente? Ou dois passos atrás? Você não pode passar a vida inteira tentando alcançar alguém ou constantemente apressando alguém!"

Passamos três anos e meio juntos. Chegamos a um ponto onde não tinha mais sincronia. Mas isso não quer dizer que terminar a relação foi fácil pra mim. Esse fim me espremeu como uma laranja. Levou embora minha alegria por longos meses. Sim, eu chorei noites e noites até dormir. Mas talvez por ter reassumido o controle das minhas emoções e da minha vida, achei que isso nunca iria mais me acontecer. Mas a saudade bateu e foi forte!

Fui forte o suficiente para examinar a situação à época e entender que ele não era mais o cara pra mim. Sentir essa saudade agora? Parece coisa de gente fraca... ou algo totalmente errado, maluco. Como posso estar sentindo saudades de uma pessoa que sei que não é pra mim? Alguém que sei que não pertence mais à minha vida? Será que a consciência disso não deveria anular a possibilidade desse sentimento repentino de saudade surgir de dentro de mim? A minha confusão mental nasceu de uma dúvida: não deveria ter sido tão impactante. Pra onde havia ido toda a minha força que me fez, inclusive, tomar a iniciativa de terminar o namoro?

Mas é mesmo como a minha avó disse: Não importa o que sinta ou quando sinta, ter saudades de alguém não é fraqueza. É uma das emoções mais humanas que alguém pode sentir. A gente sente falta dos amigos que se mudam, não é? E também dos parentes que morrem antes de nós. Não é ser fraco. De jeito nenhum. É uma prova de que houve amor. A dor pela qual a gente passa quando algo desse tamanho acaba as vezes mascara a verdade.

Eu acredito em cada palavra que escrevo para vocês porque, recentemente, passei pela mesma esquina que me deixou emocionalmente debilitado naquele dia. Dois quarteirões antes, eu já sabia o que poderia acontecer. Mas, uma vez que tomei consciência de como as coisas funcionam na minha mente, já me preparei pro pior. Respirei fundo! Bateu um frio na espinha mas continuei.

Foi só isso: uma sensação vaga que apareceu rápido e sumiu mais depressa ainda. Nem tenho certeza se realmente foi por causa do passado.

Me recordo de um episódio da série Sex and the City onde Carrie indaga suas amigas sobre o fim de um relacionamento com a seguinte pergunta: "Se você ama alguém e termina o namoro, pra onde vai esse amor?“

Eu acredito que, depois da dor, é possível amar de novo, mas de maneira diferente. É muito importante permitir a si mesmo ter um tempo para curar as feridas e redescobrir, entre suas memórias, o que foi bom, o que foi erro, o que foi ruim e ficar só com a parte boa. O ruim serve de lição. Depois de cicatrizar e se acostumar com as mudanças na sua vida, aquela esquina, aquele quarteirão, vão representar apenas algo bom. Um momento que duas pessoas realmente gostavam de lembrar porque elas se amavam de verdade.

E eu acho que, da próxima vez que passar no cruzamento da rua da Guia com a avenida Rio Branco, no Recife, até posso sorrir. Isto é, se eu me lembrar.

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Para ele

Também para mim

E para o que um dia foi

nós

Assis Junior
Enviado por Assis Junior em 12/03/2016
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