Paixão Juvenil

O sinal da escola berrava freneticamente indicando sete da manhã quando Alonso de maneira desajeitada corria avenida a fora. Mais uma vez acordara atrasado e justamente na semana de provas. Com o coração aos pulos e pingando de suor foi um dos últimos a adentrar o pátio do colégio enquanto o segurança tentava em vão conter a massa de estudantes atrasados pelos portões de ferro.

Não muito longe dali, sentada na praça de alimentação do moderno colégio Non Sensi, tomando um sofisticado café, Sofia pensava em absolutamente nada. No intervalo entre um gole e outro, alisava carinhosamente seus cabelos negros como a noite evidenciando as unhas bem feitas num tom vermelho paixão. A passagem da inspetora pelo local foi o alerta necessário para saber que estava atrasada. Deixou sua fina bebida pela metade e saiu corredor a fora rumo à sala de aula.

Aquele terceiro ano tinha detalhes peculiares: alunos estudiosos e comprometidos com causas estudantis e de cunho político. Especialmente naquele ano, fundaram por conta da formatura um grêmio estudantil, para defender não só os interesses dos alunos, bem como as festividades de colação de grau que o colégio não arcara por conta da crise econômica. Alonso, presidente do grêmio e porta voz das reivindicações ainda esbaforido pelo atraso adentrou a sala de aula trinta segundos antes do professor de química, rígido com regras e normas fechar a porta e aplicar a prova bimestral.

Enquanto habilmente aplicava seus conhecimentos em fórmulas e tabelas periódicas, os olhos verdes de Alonso pairavam sobre Sofia. Os dois se conheciam desde a primeira série do ensino fundamental, mas por achar o menino “bobo” demais, Sofia nunca lhe deu bola. Mesmo depois de crescidos, evitava encontros e amenidades com este “conhecido” como costumava chamá-lo por achar suas atitudes infantis e desnecessárias. Nem a escolha dele como presidente do grêmio mudou os pensamentos da adolescente de dezesseis anos, rosto angelical e olhos castanhos de parar o trânsito. Ao notar que Alonso lhe observava, lançou um olhar de cólera desaprovando a forma com que perturbava seus sentidos. O relógio marcava nove e cinquenta quando o professor de química recolheu as avaliações e dispensou os alunos pelo restante do período.

A relação de amor e ódio entre Alonso e Sofia começou no segundo ano do ensino fundamental. Por uma brincadeira de mau gosto, tornaram-se ferrenhos rivais não somente nos grupos de estudos, como também nas chapas que elegeriam o primeiro grêmio estudantil do colégio Non Sensi. Alonso, querido pela maioria dos estudantes por seu jeito despojado e sempre aguerrido a favor da causa dos alunos, ganhou com maioria de votos deixando Sofia em prantos por três dias e quatro noites. Enquanto caminhava pelos corredores da escola nostálgica e resmungando com si mesma Sofia não viu quando deu de encontro com Alonso derrubando todo seu material no chão. Por uma fração de segundos, aqueles olhos verdes e castanhos que tanto se rivalizaram trocaram um momento de ternura. Totalmente sem jeito com o que acabara de acontecer, Alonso recolheu as coisas da garota que ainda estava atordoada pelo choque e saiu em disparada pelo corredor. Sofia ainda sem entender a mistura de sentimentos e o calor do momento encostou-se nos armários azuis tentando recobrar-se do que havia ocorrido.

Ambos não haviam entendido o que fora aquela troca de olhares mas o tempo como bom senhor das razões transformou a raiva infantil que ambos sentiam em um violento desejo. Naquela quarta-feira ensolarada, todas as prerrogativas de Sofia haviam sido vencidas. A guerra de egos não havia mais sentido. Já Alonso do outro lado do corredor, sorria malandramente pois sabia naquele instante que havia chegado a sua vez, seria para sempre o dono do coração da menina dos cabelos negros chamada Sofia.

Marcelo Almeyda
Enviado por Marcelo Almeyda em 16/04/2016
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