Lenta dança em um quarto em chamas

(Uma pequena observação para quem for ler o conto a seguir, leia-o ouvindo Slow Dancing in a Burning Room do John Mayer, pois o mesmo foi inspirado nesta música).

A luz oscilava dentro do aposento, fragmentos alaranjados que vinham da lareira. A madeira estalava ao ser envolvida pelas chamas que crepitavam e dançavam naquele lugar quase vazio. O relógio marcava 23:58, ele disse que estaria ali naquele dia. E ela esperaria até o último segundo.

A mulher se levantou da poltrona em que outrora estava recostada, o semblante sereno disfarçando o nó que havia se formado em sua garganta.

- Ele não vem. - Pensou consigo mesma ao delinear a taça em sua mão direita com o dedo indicador delicadamente.

- Não seria a primeira vez, de qualquer forma. - Continuou em seus pensamentos, deixando a taça sobre a mesa de centro, seu olhar repousando sobre as chamas enquanto um suspiro escapa por seus lábios entreabertos. O silêncio naquele quarto era quase sufocante, mas algo o quebrara de repente. Como se algo tivesse lido seus pensamentos mudos e sua vontade de quebrar aquele angustiante silêncio, uma melodia sublime invadiu aos poucos o lugar, espremendo-se entre as paredes, soprando harmonicamente com a brisa que entrava pela janela entreaberta. A cortina dançava como que regida por aquele suave ritmo.

- Mas o que… - Sua pergunta foi interrompida no momento em que sentiu uma mão firme segurar de modo delicado sua cintura. Sentiu junto ao toque uma respiração morna soprando em sua nuca e o timbre dele acariciando-lhe os sentidos.

- Quando o dia termina? - Perguntou ele baixinho, os lábios macios roçando-lhe o lóbulo. Ela sorriu, deixando duas covinhas acentuando aquele sorriso que ele tanto apreciava.

- Somente quando nós quisermos. - Respondeu ela da forma como costumavam fazer quando ainda estavam juntos. Ela virou o corpo devagar, ele acompanhou seu movimento como se estivessem sincronizados, havia um sorriso brincando em seus lábios quando ela o olhou fixamente, mirando aquele azul profundo que sempre a afogava e domava suas mais petulantes vontades. Ele se perdia naquele sorriso doce, o mesmo sorriso que o havia fisgado como uma presa indefesa, e logo depois deixou-se capturar por aqueles olhos castanhos insolentes, que nunca se curvavam a sua vontade. O tempo não era importante, eles estavam ali, como da primeira vez, não importava se alguns anos haviam passado. A sinfonia de seus corações permanecia a mesma, seus corpos bailavam suavemente, de modo a seguir a melodia que hora fazia correr o sangue em suas veias. Seus corpos uniram-se, e seus lábios se encontraram após a sensação de perderem-se em um infinito labirinto. Ela sentira a ausência dele todos os dias, e naquele momento, quando seus lábios tocaram os dele, sentiu aquela costumeira pontada na nuca, aquele arrepio gélido percorrendo sua espinha, arrepiando todo seu corpo, fazendo seu sangue apostar corrida nas veias e esbarrar em seu coração como se pretendesse ganhar uma partida de boliche. Ele a derrubava, derrubava suas defesas, seu bom senso, seus muros tão bem construídos contra qualquer sentimento. Ela era o porto que o fazia atracar em terra firme sempre, mesmo que adorasse a liberdade que o mundo lhe proporcionava, era ali, nos braços dela, que o vazio que sentia se completava. Era ali seu lar, seu jardim encantado, seu ponto de paz. E os dois permaneceram naquela lenta dança, naquele quarto em chamas, dizem tudo sem precisar proferir nada. Suas almas entrelaçadas pelo sentimento que sempre os unia.