Sonho de Verão

O sol despontava em seus primeiros raios quando Fabio desceu na rodoviária de Santa Princesa. No interior do mundo, procurava paz e sossego para passar as férias de final de ano. A separação dos pais e o resultado irregular na escola onde cursava o segundo ano do ensino médio pesaram no momento de decidir para onde ir. Encontrou na cidade natal de sua mãe, um lugarejo tranquilo e sem opções consumistas a solução de seus problemas. Passavam das oito da manhã quando abriu a porteira para que o táxi adentrasse o pequeno rancho e deixasse suas malas na porta dos avós que já o esperavam com imensa alegria.

A estrada Formosa ainda era de terra. Com o verão, logo nas primeiras horas da manhã ficava impossível não se deixar sujar pela poeira. Enquanto caminhava pelo sinuoso terreno reclamando por morar naquele fim de mundo, Gisele tentava em vão conter o suor que teimava em lhe brotar na testa. Viver dezenove anos longe de um mundo que julgava ser de fantasia avoava os pensamentos da ruiva de olhos atentos e fala doce. Seu corpo já feito desde mocinha deixava não só forasteiros mas os garotos das cidades mais próximas abobalhados. Ela numa mistura de sensualidade e ingenuidade conseguia sempre um mimo ou lembrança daquele que passasse por Princesa. Cansada do forte calor, sentou-se à sombra de uma grande árvore e ficou ali até que descansasse bem. Pegou no sono e não viu o dia passar.

Formalidades e conversas à parte, Fabio instalou-se no quarto que sempre fora seu desde pequeno, mas que a muito não via. Os brinquedos já empoeirados nas prateleiras, informavam que o jovem a muito não vinha ao rancho e que todo o investimento dos avós um dia viraria doação para instituições de caridade. Ainda com ternura, lembrara dos tempos de menino, quando usava alguns daqueles brinquedos para explorar barrancos, transformar barro em trincheira, ou quaisquer outras coisas que pudesse fazer com seu avô. Seus olhos encheram de lágrimas e naquele momento chorou por todos os momentos ruins que vivera naquele ano. Adormeceu, sendo acordado somente para hora do almoço.

Num sobressalto, Gisele levantou-se da relva, e continuou sua caminhada pela estrada afora. O sol agora escaldante impedia que se movimentasse depressa e chegasse ao seu destino. Estava atrasada para seu primeiro dia de trabalho como arrumadeira no Rancho Sonho Feliz. Este trabalho como qualquer outro em um lugar distante foi difícil de conquistar. Por intermédio de seus tios, influentes caçadores do mato, conseguira com um simpático casal que vivera o restante de seus dias na terra a oportunidade de ganhar algum dinheiro com pouco ou nenhum esforço. Como a senhora dona do lar era ativa, cabia a ela apenas ajudar no trabalho de forma voluntariosa deixando a patroa à vontade para outras coisas mais produtivas. Com os cabelos grudando de suor, e completamente encharcada, chegou à porta de seu novo emprego tocando o sino de cor amarelada que encontrava-se intacto há algum tempo. Foi recebida com alegria e amabilidade pela doce senhora, já recebendo as primeiras ordens que eram simplesmente tomar um banho e conhecer seus novos aposentos. Acatando as novas ordens prontamente, encaminhou-se para o banheiro principal sem questionar se o local estivera ocupado. Ao empurrar a porta de forma abrupta, acaba de encontro com Fabio que ainda de toalhas finalizava seu banho para alimentar-se. No primeiro instante em que cruzaram seus olhares, ambos sentiram um arrepio na espinha, um leve frio na barriga e tremor nas mãos. Era os sinais necessários para entenderem que se apaixonaram à primeira vista.

Após o encontro por acaso, Gisele acostumada a dominar suas emoções e as pessoas que caiam em seus encantos fugia das investidas de Fábio que vivia por cerca-la. Realizava seus serviços sempre com alguém da casa a vigiá-la ou simplesmente trocava o local da atividade por um cômodo povoado. Por certa vez, quando estavam sozinhos em uma das salas, soltou um grito que certamente pudera ser ouvido nas três cidades que faziam fronteira com Santa Princesa. Questionada sobre o porquê do grito, dissera apenas que vira um bicho, mas não o sabia qual o era. Fabio por sua vez gostava de provocar situações onde ficava a sós com a ruiva de olhos cintilantes e fala tão macia como as nuvens do céus. Procurava sempre uma forma de fazer com que os avós fossem a lugares distantes da propriedade, dispensava os demais empregados da casa só para ter a oportunidade de provocar os instintos daquela que sempre fizera qualquer homem rastejar a seus pés. Em uma noite estrelada, enquanto todos dormiam, andou passo a passo, silenciosamente pelos corredores e adentrou o quarto de Gisele que aquela noite por descuido deixou a porta por fechar. Rastejou como uma cobra a procura da presa pela cama de solteiro, roçando seu corpo só de shorts e camiseta regata pelo corpo da mulher que vestia apenas uma camisola. Aninhou-se junto à ela e lentamente começou a beijar seus lábios que ainda estavam frescos e com sabor de hortelã. Ao perceber que seu quarto havia sido invadido, abriu lentamente os olhos e deixou-se envolver pelas carícias do jovem rapaz que descobrira ali seus primeiros momentos de amor. Entre sussurros e afagos beijaram-se até o amanhecer e Gisele o expulsar do quarto pois logo todos acordariam. Deitou novamente em sua cama com os pensamentos aluados e o coração aos pulos excitado pelos acontecimentos da noite anterior. Adormeceu sonhando que a possuíra por inteiro, transformando dois corpos em um só.

As festividades de final de ano animaram os avós de Fabio que decidiram convidar outros parentes para compartilhar as férias de verão no rancho. Escondidos e sempre que podiam, os amantes encontravam-se em cantos isolados, nos cômodos mais afastados em um fogo que não conseguiam mais apagar. Por diversas vezes Gisele pegava-se falando sozinha e recitando o nome de seu amante às panelas e bordados. O romance escondido ganhava proporções e exalava sensualidade deixando no ar o desejo contido por ambos.

Em uma determinada quinta feira, enquanto todos realizavam alguma atividade fora da fazenda, Gisele tricotava um bonito pano de prato. Sua habilidade com as agulhas era notável desde pequena, fazendo com que sua contratação fosse facilitada. Estava vivendo um momento mágico e estava apaixonada pelo neto de sua patroa. Enquanto pensava nas milhares de coisas que aconteciam sem intervalos como as novelas que gostava de assistir, foi surpreendida com um beijo ardente de Fábio. Duas bocas se encontrando em súbito desejo, línguas se embolando e olhos faiscando de desejo. Levantou-se e de forma gentil mas sensual guiou novamente o garoto a seus aposentos onde trocaram as primeiras carícias. Um pequeno rádio e suas músicas sertanejas de amor foram testemunhas do desabrochar de sua virgindade e da primeira vez do garoto que só conhecia as peripécias do amor nos sonhos e momentos solitários. Os corpos se envolvendo em suor, desejo e urros de felicidade e medo estendeu-se tarde a fora, e por outras noites mostrando o entrosamento entre ambos e a fome de amor que tinham. Eram escravos de suas libidos e comandados pela desejo que alimentavam.

Um novo ano começara cheio de festejos e com uma linda queima de fogos na cidade de Santa Princesa. Nem a chuva forte que formava-se a dias e que ameaçara a festa foi capaz de impedir que todos se esbaldassem em danças e atividades em família. Na virada do ano, Fabio e Gisele se amaram de forma violenta, deixando seus instintos mais primitivos falarem, cansaram-se de amar nos quatro cantos do quarto pequeno com o barulho da chuva caindo e dormiram no chão. Ao despontar da manhã do primeiro dia do ano e com convicção de que aquele amor de verão não iria adiante, Gisele arrumou suas poucas roupas e silenciosamente deixou o rancho da família. Estrada a fora suas lágrimas tomavam seu rosto junto a uma fina garoa que insistia em deixar nublado o primeiro de Janeiro. Caminhou sem rumo, apenas predestinada a sentir um amor intenso e que foi correspondido. Seu rumo ou paradeiro são desconhecidos, mas dentro de si levou uma pequena semente dos tórridos momentos vividos naquela pequena propriedade.

O amanhecer cinzento e uma fina garoa molhava as folhas das árvores quando Fabio despertou em meio aquele furação de amor. Procurou Gisele com seus olhos famintos para amarem-se novamente quando avistou por sobre a cadeira um pequeno bilhete, com letras garranchadas mas que expressavam intensos sentimentos:

- “Eu não sou para você. Em breve você voltará para o seu mundo e aqui eu ficarei, certamente levo uma parte de você comigo, e eternamente serei apaixonada por você. Estou acostumada a ter os outros a meus pés, mas dessa vez quem está aos seus pés sou eu.

Eu amo você, de um jeito simples mas eu amo e sempre te amarei”.

Gisele

Com lágrimas nos olhos e desesperado pela cólera do amor, Fabio ainda com de pijamas saiu desatinado estrada a fora gritando a plenos pulmões o nome de Gisele. Caminhou por quilômetros sem se dar conta com uma imensa dor em seu coração com se um punhal o tivesse transpassado. Ajoelhou-se em um determinado ponto da estrada e ali ficou, desamparado, choroso sem forças para pedir que seu grande amor retornasse. Horas depois, os parentes que estavam tomando café repararam em sua ausência e saíram à sua procura. Localizaram o rapaz em uma encruzilhada, sujo, todo molhado e com os nervos em crise. Nem repararam no sumiço de Gisele, sua iminente despedida através de um singelo pedaço de papel exposto na geladeira onde todos se serviam. No quarto das lembranças de infância, somente os velhos brinquedos nas prateleiras eram testemunhas da dor de Fabio, a dor do seu primeiro amor.

Por mais alguns dias, o rancho viveu dias agitados com toda família em suas atividades e festas à piscina. Enquanto permaneceu no rancho, Fabio sonhara com o retorno de Gisele, parada a porteira apenas com a camisola com que costumavam se encontrar nas noites quentes dizendo estar com saudades. Até o dia de sua partida, e enquanto o ônibus já gasto davam a partida de volta à cidade grande, seus olhos vasculhavam cada centímetro de estrada afim de obter qualquer notícia sobre sua amada. Os olhos marejados indicavam Santa Princesa deixava um amargo gosto de saudade em seu coração.

Meses depois, no avançar de mais uma noite em claro, enclausurado em seus pensamentos Fabio relembra momentos do fim de ano que passou. Seu corpo ainda exala o desejo despertado por Gisele e sua boca ainda sente o gosto de hortelã que ela propositalmente usava para deixar a marca de seus beijos. Em ilusões, projeta-se novamente para aquele interior do mundo, de estradas empoeiradas e ar puro, céu estrelado e a sinuosa estrada Formosa. Caminhando por ela, vai de encontro a ruiva com quem passara da adolescência púbere a idade adulta. Os dois se abraçam e seus corpos entrelaçam-se novamente alimentando toda a fome de amor que sentiam. O tempo para e como mágica estrelas cadentes cortam o céu. Não há tempo para o depois, a hora é agora. Adormece, com sorriso nos lábios e um certo ar saudosista, mais uma vez alimentou o seu sonho de amor e o desejo de encontrar Gisele enquanto o dia insiste em invadir seu quarto pelas persianas entreabertas.

Marcelo Almeyda
Enviado por Marcelo Almeyda em 22/04/2016
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