Verdades Secretas

A lua cheia e maior do que o habitual invadia a sala de Christian enquanto ele perdido em pensamentos espreguiçava-se em sua poltrona preferida. Levantou-se na penumbra com cuidado afim de não derrubar nenhum objeto e dirigiu-se a passos miúdos ao banheiro. Enquanto a água caía pelo corpo, começou a cantar uma música alegre brincando com seu corpo atlético enquanto se ensaboava. Finalizou o banho e seguiu para o quarto afim de colocar uma roupa que lhe deixasse mais atraente e o perfume que deixaria qualquer mulher à beira de um ataque. Já arrumado e perfumado, saiu rua a fora apressadamente pois já estava atrasado para seu encontro com os garotos da vila, habitual resenha que sempre acontecia no terceiro sábado do mês.

Enquanto procurava uma roupa para vestir, Alicia olhava seu corpo atentamente através do grande espelho em sua parede. Analisou todas as curvas de seu corpo e ficou satisfeita com o resultado da última dieta que realizou. Aqueles quilinhos a mais transformaram-se numa bela curva entre suas costas e sua cintura. Ainda admirando-se prendeu os cabelos lisos em forma de rabo de cavalo e vestiu cuidadosamente a lingerie cor de rosa que tanto a deixava confortável. Cantou algumas estrofes de sua música preferida enquanto olhava um dos quadros que mais gostava, uma obra de Gauguin que comprara em Paris após uma temporada excitante de estudos na escola de política e sociologia. Escolheu com calma um jeans desgastado e uma blusa também cor de rosa para combinar com o soutien que escolheu e correu escada abaixo ao ouvir a buzina do táxi que pediu para ir ao primeiro encontro dos garotos da vila intitulado Verdades Secretas.

O local escolhido para este encontro era discreto e sempre usado para as reuniões. A casa de Francis era uma espécie de quartel general da turma. Ali sempre saíram as melhores ideias, as sessões de narguilé mais demoradas e até algumas oportunidades de negócio rentáveis aos amigos. Enquanto puxava e soltava a fumaça que saía de sua mangueira, Francis fazia as contas de como daqui a exatamente um ano quando completasse dezoito anos poderia adquirir seu primeiro automóvel. Já havia pensado em todas as possibilidades, inclusive em pegar um veículo de menor valor para conseguir também custear seus estudos. Deu mais uma tragada na essência Burberry e sentiu o gosto adocicado soltando mais uma vez a fumaça. Abriu uma lata de cerveja e ficou ali imerso em seus sonhos e desejos até que seus amigos chegassem para começarem a resenhar.

Há algumas quadras dali, um pouco afastado esperando um ônibus que o deixasse perto do QG da turma, Chicano ouvia um famoso samba de enredo movimentando-se mentalmente a cada batida de surdo e convenção de ripas e tamborins. Estava realizando o sonho de trabalhar em sua área de atuação e preparando seu primeiro livro de contos amorosos. Enquanto sua mente fértil projetava um desfile triunfal por sua escola de samba do coração, acenou com entusiasmo ao motorista que fazia uma acentuada curva à esquerda. Aquele ônibus o deixaria a poucos metros de uma das melhores noites de sua vida.

O táxi que carregava Alicia saiu da rodovia que a trazia para São Paulo fazendo uma curva para direita no Recreio Santa Joana. No condomínio, ainda nua e sem saber o que vestir Patrícia tentava em vão achar um modelito que combinasse com seu dia e seu estado de humor. Vasculhou saias longas, curtas, vestidos, calças de cintura baixa, shorts e chegou à conclusão de que uma calça de cintura alta e uma blusinha azul causariam o efeito desejado. Escolheu sua calcinha mais confortável, com estampa de bichinhos de pelúcia e vestiu-se rapidamente, indo de encontro a sua amiga. O táxi tomou sua rota e sessenta minutos depois as deixou em frente ao 799 da rua Modelo Novo defronte a um enorme portão de aço. Depois de sua chegada, os outros convidados também aportaram dando início a um animado bate papo, com muitas risadas, cerveja gelada, essências variadas de narguilé e snacks.

Enquanto a madrugada avançava entre olhares desconfiados e sorrisos velados, mais um convidado juntou-se ao grupo. Atrasado como sempre por conta de sua vasta cabeleira afro, Denzel chegara de outra festa, mas com a mesma animação que o fizera atravessar a cidade para fazer parte daquele momento. Ao longo de seus dezoito anos, aqueles garotos eram seus primeiros amigos de verdade, que estavam junto consigo para o que desse e viesse, por isso valia a pena todo aquele sacrifício de sair de uma festa e migrar para outra.

Por volta das quatro da manhã no auge da reunião, Chicano e Patrícia ficaram responsáveis por organizar uma nova rodada de cervejas e um novo roche para sessão de narguilé. Enquanto executavam o trabalho em equipe, o rapaz logo tratou de saber maiores informações sobre a garota que chamara sua atenção desde que ela cruzara os portões de Francis. Entre um preparativo e outro elogiou as feições da moça e a maneira suave com que manuseava a essência. Fitou os olhos alegres e espertos de Patrícia que a todo momento o mediam de cima a baixo, retribuindo em sorrisos todos os galanteios que recebia. Finalizaram a tarefa deixando todos saciados e continuaram a falar sobre todos os assuntos, afinal aquele encontro não tinha toda a turma reunida, por este motivo tinha este inusitado título. Enquanto falava animadamente, Chicano maquinava em suas ideias uma maneira de sair com Patrícia para que pudessem ficar a sós. Eis que sem pensar e num arroubo, levantou-se tomou Patrícia pelas mãos e saiu corredor a fora no sentido da rua.

A luz da lua, na rua vazia, Chicano usou suas hábeis mãos para acariciar o rosto e torso de Patrícia ruborizada pela ousadia do rapaz e para acalmar o coração da moça que pulava do peito. Suavemente envolveu-a nos braços deixando que as batidas de seu coração a acalmassem. Suas mãos passaram das costas a nuca da moça que correspondeu o movimento aproximando seus lábios dos deles. Foi um beijo intenso, cheio de desejo e ousadia, línguas emboladas, mãos que inquietas percorriam os corpos de baixo acima, e suspiros foram as únicas testemunhas do mágico momento que ocorrera ali. Alicia que saíra para ver se sua amiga estava segura, parou a metade do caminho só de ouvir os sussurros que vinham do outro lado do portão, estava certa de que a amiga estava em ótimas mãos. Ela também tinha um romance velado com Christian, fato que fora revelado alguns instantes depois quando Chicano e Patrícia se reintegraram ao grupo em uma excitante brincadeira de jogo da verdade. Os primeiros raios de sol já podiam ser sentidos quando decidiram encerrar por ali aquele encontro.

A manhã de domingo estava acalorada e alguns pássaros faziam uma enorme algazarra nos galhos de um pé de romã. Tranquilamente, a vizinhança abria suas janelas e alguns poucos transeuntes caminhavam em direção a feira, Enquanto Chicano dizia algo inteligível a seus ouvidos, Patrícia o abraçava forte, deixando claro que aquele encontro não fora mera coincidência. Como cúmplices, aquelas cinco pessoas tomaram seus rumos, as meninas de volta às suas cidades e os rapazes às suas casas deixando que o domingo se instalasse por inteiro. Terminava ali longe dos olhos do mundo a primeira de muitas resenhas de nome Verdades Secretas.

Marcelo Almeyda
Enviado por Marcelo Almeyda em 02/06/2016
Código do texto: T5655167
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