O ex.

Com ele viveu quatro anos e tinha um filho de três. Separada há um ano, nunca conseguiu se livrar dele. É que ele ia com frequência visitar o filho e por lá ficava para um café, um chá, dormir... Ele nunca aceitou o fim do relacionamento. Pagava trezentos reais de pensão alimentícia pro filho, e era mais generoso quando conseguia dormir com ela. Ela sabia que não tinha obrigação, mas não queria perder os agrados. Houve um mês que ele gastou com ela e o filho pouco mais que mil reais. Era um investimento para ele, pois dormiu com ela quase todos os finais de semana naquele mês. Ele ainda a amava. Ela gostava do jogo. Ele ainda tinha esperança de que um dia ela o convidasse para voltar de vez para casa. Por isso marcava território, pagando de bom pai, sempre presente, ia levar e buscar o moleque na escola todo santo dia. Na volta já passava na padaria e trazia pão. Se colasse ficava pro café da manhã. As vezes colava, dependendo do dia do mês. Toda quinzena e final de mês era batata. Ele dormia lá. Tinha até escovas de dente no armário do banheiro. Por que eles não voltavam? Porque ela não queria. Não o amava mais. Só aceitava ir pra cama com ele de vez e quando porque ele era um bom homem, a ajudava deveras.

O nome dela? Evilyn. As vezes Evilyn sentia vontade de sair, se divertir, aproveitar a solteirice. Mas onde ia sempre o encontrava. Ele não deixava ninguém se aproximar dela. Era sua propriedade. Ele nem falava isso para ela. Ela sabia. Saía escondida. Quando conhecia alguém que fizesse seu coração bater mais forte, namorava em segredo. E conheceu alguns caras legais nesses doze meses de separada, mas junto. Houve o Pedro, rapaz trabalhador, que por ela seria capaz até de enxotar o ex. Mas para ela, o ex era o oficial. Era ele quem pagava as contas, o salão, a manicure, as roupas e os caprichos do filho. Coitado do Pedro, sofreu tanto quando descobriu que era o outro. Havia descoberto o endereço da namorada e foi procurá-la para saber porquê de o celular dela estar sempre fora de área e o porquê de ela sumir em alguns finais de semana. Encontrou o “problema” dela instalado na casa, todo à vontade, sem camisa a admirá-la enquanto ela esfregava uns panos de prato na lavanderia. O ex quis agredir Pedro. Pedro não entendia, ele era só o ex. Mas ela pediu com tanto jeitinho que Pedro se afastasse sem fazer perguntas, que Pedro nem fez questão de entender. Ela sofreu com a perda de Pedro. Ele valia a pena. Ela chorava escondido. Tentou procurar Pedro, mas ele não queria mais. Não podia confiar em uma mulher que obedecia ex como se fosse marido. O ex descobriu que ela havia procurado Pedro e para garantir que isso não se repetisse, deu a ela um olho roxo de presente. E assim ela esqueceu Pedro.

Houve o Sérgio, mas esse até sabia do ex e não se importava, não queria compromisso, não com ela. Mas um dia foi descoberto e levou uma surra do ex. Resolveu sumir do mapa. Aquela mulher era chave de cadeia.

Por último houve o Leandro, e ela temendo perdê-lo como aconteceu com Pedro, decidiu largar o ex. Como sempre ele não aceitou, e quis mostrar a Leandro quem cantava de galo naquele quintal. Mas Leandro não baixou a bola e pôs o ex para correr. Ela estava apaixonada. Queria sentir de novo o gosto de estar com alguém por prazer. Leandro era o sonho de consumo de qualquer mulher que tivesse os pés no chão, trabalhador, sem vícios, dedicado, apaixonado e fiel. Parecia um sonho. Ela estava vivendo novamente, enfim.

Naqueles quarenta dias não recebeu a pensão do filho, que perguntava com insistência do pai, que nunca mais foi visitá-lo para não se sentir traído e não querer meter a mão na cara de Leandro, como aconteceu na meia dúzia de vezes em que tentou “ver o filho”. Ela deu graças ao sumiço do ex. Outra hora ela levaria a criança para ver o pai. Inventava uma desculpa qualquer ao piá. O pai estava trabalhando muito ultimamente, dizia. Um sumiço temporário, pois não podendo ir lá, começou a ligar para ela para despejar palavras feias, a obrigando a trocar o número do celular.

O namoro ia tranquilo, até que ela notou uma saliência na barriga. Não podia ser. Havia acabado de começar a namorar. Não queria se prender a homem por causa de filho, apesar de que com Leandro valia a pena. E assim o ex a deixaria em paz. Mas Vitor ainda não tinha nem completado cinco anos. Fez um exame de farmácia. Deu positivo. Não sabia se ficava feliz ou triste. Resolveu contar pro namorado. Impossível, disse ele, que não podia ser pai, graças a uma patologia genética. Exigiu um exame de DNA. O exame o descartou da possibilidade de ser o pai, e também a descartou da possibilidade de continuar sendo sua namorada. Leandro sabia que ia sofrer, mas não queria aquele pepino para ele. Já fora difícil fazer o ex desgrudar dela. E então ele saiu fora, triste, decepcionado, arrasado.

Ela procurou o ex que não acreditou na história. Disse que não ia criar filho de outro e se recusou a fazer o exame, que para ela era desnecessário. Para sua infelicidade, sabia que o filho que carregava no ventre era dele, do ex. O chamou no tribunal para assumir o compromisso de pai dos dois filhos, já que nem estava prestando assistência mais ao primeiro.

Ficou comprovado que o filho era dele e a pensão foi de trezentos a quinhentos reais, numa negociação ajuizada. O ex começou a se aproximar novamente, aproveitando a renúncia de Leandro e dormiu com ela mais uma vez. Mas só dormiu mesmo. Ela não tinha mais estômago para ele que já começava a jogar em sua cara o caso que tivera com Leandro.

Ah Leandro! Como ela sentia falta dele! Já fazia dois meses que não o via. Chorava toda noite. Queria procurá-lo, mas sentia vergonha. A barriga aparecia mais agora. Ela não tinha coragem de procurá-lo, mas enviava mensagens quando a saudade doía até os ossos. Leandro não respondia. Ele também sentia saudades, mas estava com o orgulho ferido. Queria voltar, e se odiava por isso. Leandro sabia dela através de parentes. O ex acabou conhecendo alguém e sumiu. Não aguentando mais a solidão, Leandro foi na casa dela com o pretexto de levar uns presentinhos para a criança. Conversaram como amigos, mas seus olhos não mentiam. Ainda se amavam e não era pouco. Uma menina, ela disse. Vai se chamar Luísa...

Como ela estava com dores, Leandro resolveu passar a noite lá, caso precisasse levá-la ao médico. E precisou. Foram para o hospital às três da manhã. Ele acompanhou o nascimento da criança, uma menina linda. Na alta, foi buscá-las. Foi inevitável. Cuidou dela e da filha. Era só uma criança inocente. E ela ainda era a mulher que ele amava. Então decidiu, voltaria para ela, se ela quisesse, e criaria Luísa como sua filha. De fato se culpava por tê-la deixado passar a gestação sozinha e se julgou egoísta. Nem preciso dizer que ela aceitou.

Mas o ex soube do nascimento e quis conhecer o filho que ele nem sabia ainda que era uma menina. Já havia terminado com umas três namoradas nesse meio tempo. E decidiu que voltaria com a ex, agora que ela precisava dele mais do que nunca. Para seu azar, chegando lá deu de cara com Leandro que sentia ciúmes da mulher e da filha. O ex contava vantagem, pois era pai dos dois filhos dela. Já Leandro, nem para isso prestava. Ele tinha o prazer de ir lá só para esfregar sua paternidade na cara de Leandro. As vezes Leandro chegava do trabalho e o ex já estava lá, ajudando a cuidar da cria, sendo um bom pai, mesmo não pagando o valor correto da pensão que sempre atrasava. Leandro e a mulher nem faziam mais questão do dinheiro, mas estavam de saco cheio de ver a cara do ex, que ainda tinha esperanças de que aquele intruso se tocasse e fosse embora. Queria recuperar a família. E Leandro só queria viver em paz. Se fosse só por Luísa seria mais fácil, pois Leandro a havia adotado. Mas havia o filho mais velho. Não podiam simplesmente exorcizar o ex, embora quisessem muito. E Vitor adorava o pai, não aceitava Leandro e assim como o pai, achava que Leandro estava sobrando naquela família.

Ninguém fazia ideia do tamanho do arrependimento que Evilyn carregava na alma por ter se envolvido com o ex, mesmo quando ele inda não era ex. Então ela e o marido decidiram ignorá-lo. Leandro nem fazia questão de provar que Luísa, de fato, era sua filha. Pai é quem cria. E o ex só fazia questão de ir lá para azucrinar a vida de Leandro, por quem nutria um ódio mortal.

Então o ex, percebendo que havia perdido a batalha, que no caso era o amor daquela mulher com quem tinha dois filhos, desistiu dela, afinal. Pensou que ainda havia tempo de ser pai de verdade, ao menos do menino que já havia conquistado sem esforço algum. Quanto à Luísa, tinha dois pais, um biológico e um verdadeiro. Leandro sabia que ainda ia ter que encarar a fuça do ex quando este fosse buscar o guri, que a partir de agora levava com ele para casa para passar o fim de semana, às vezes.

Respeitando o território de Leandro, agora ele chamava o piá lá do portão. E a Evilyn só dirigia poucas palavras, falava só o necessário. Não que ele não quisesse papo. É que ela não escondia a repugnância que sentia por ele. O ex ainda guardava um fundinho de rancor por ter ela o trocado por outro, mas não podia mais lutar contra o amor do casal que prevalecia. E sabia lá no fundo que Leandro era mais pai de Luísa do que ele mesmo, que havia contribuído com seu gene. Até mesmo Vitor, só sabia falar bem de Leandro, agora que o conhecia melhor. E de certa forma, Leandro era também seu pai.

É. O ex tivera um filho com ela e conseguira manter uma relação por algum tempo graças a sua generosidade, mas parece que isso não funcionava mais. E antes de perdê-la para Leandro, havia deixado um fruto: Luísa. Se nem isso foi o suficiente para ter sua mulher de volta, de que adiantaria continuar lutando? Resolveu, por força do contexto, aceitar o seu posto de ex. Talvez mais tarde resolvesse importunar a vida do casal, com a desculpa de ser pai da menina, mas por hora estava sem energia, e permitiu que Leandro desfrutasse do gostinho da vitória, mas ele não perdia por esperar, Luísa iria crescer, e iria saber quem é seu pai.

E quanto á Evilyn, estava a cada dia mais linda, assumindo sua verdadeira identidade, ao lado do homem que amava e que a fazia muito, muito feliz. Leandro não queria outra vida. Tinha uma mulher e dois filhos adorados, embora amasse mais Luísa do que Vitor, por razões mais que plausíveis.

Joalice Dias Amorim (Jô)
Enviado por Joalice Dias Amorim (Jô) em 23/06/2016
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