Paixão Destruidora

A paixão dele por ela começou ainda criança. Ele tinha exatamente sete anos, onze meses e trinta dias quando a viu descer do caminhão de mudança amarelo gema que trazia a família do interior de Minas Gerais.

Olhos castanhos, pele morena e o cabelo liso faziam de Maria uma menina mais bonita que o habitual. Seu sotaque ligeiramente mineiro lhe dava um charme diferenciado atraindo sempre olhares curiosos. Enquanto ajudava a família a descarregar os móveis e caixas menores, ele ficava do outro lado da rua, já com uma pequena multidão de garotos que queriam ver a “novidade” recém chegada ao bairro. Conversavam entre si para saber quem seria o primeiro a se aproximar e estabelecer qualquer tipo de aproximação. Ele não permanecia ali imóvel admirando a beleza da pequena morena imaginando-se num eterno conto de fadas. Recobrou-se lembrando que tinha de refazer a lista de convidados para sua tradicional festa de aniversário que seria realizada no final de semana. Resolveu incluir a nova vizinha para aproximar-se e fazer dela eternamente sua princesa.

O sábado anoiteceu como Fábio esperava: Tempo ameno, todos os convidados já avisados dos pormenores da festa e dos trajes que deveriam usar. Os refrigerantes e salgados já estavam entregues pelo seu Josias e faltava pouco para que tudo começasse. Caminhando a passos largos, às vinte horas em ponto ele já estava parado à frente do quintal de Maria tocando a campainha para chama-la para sua festa. Aguardou dois minutos ou menos enquanto a mãe lhe chamava em outro cômodo e sua visão se iluminou quando a garota, com vestido rodado e sandália baixa, cabelos trançados e um leve batom cor de rosa desciam as escadas em direção ao portão. Parecia que ela previa o convite que seria feito e aproveitou para vestir seu melhor figurino. Sem proferir uma só palavra, Fábio lhe estendeu o braço, sendo prontamente atendido por Maria e caminharam rumo a festa onde divertiram-se durante toda noite. Encontravam-se todos os dias para conversar e trocar experiências, descobrir coisas novas e para alimentarem uma amizade que por ele era confundida com paixão. Aos doze anos, quatro anos após se encontrarem pela primeira vez tiveram a experiência do primeiro beijo, ela por curiosidade e para conquistar uma outra pessoa por quem estava enamorada, ele por paixão e para convencê-la de que seu amor era mais imponente. Alimentado pelo ego e o ódio do desprezo, cortou relações com Maria, perseguindo-a com os olhos, realizando fofocas, e tentando atingi-la de qualquer maneira afim de que nenhum de seus relacionamentos engrenasse.

Uma longa passagem de tempo acelerou as vidas de Fabio e Maria. Ele formou-se engenheiro e deixou de ser o menino franzino e desengonçado para tornar-se um belo rapaz. Lentes de contato verdes escondiam um sombrio par de olhos castanhos, o corpo através de exercícios físicos tornou-se torneado e atraente, e o aparelho que usava desde os sete anos foram abandonados para dar lugar a um sorriso tentador porém fatal. Já Maria, a moreninha como todos chamavam, ficava cada vez mais bonita conforme o passar do tempo. Seios firmes, cintura de viola e um lindo sorriso eram seu cartão de visitas, além dos longos cabelos negros escorridos até a altura dos quadris. Formou-se publicitária com muito esforço, estudando noites e noites afio enquanto suas paqueras só queriam saber de farra e bebidas. Perdeu chances de bons relacionamentos por ser focada nos estudos e pelo ciúme doentio do vizinho que tinha mania de posse sobre si. Depois de finalizar o curso regular e uma pós graduação começou a namorar Eduardo, um dos meninos do bairro onde moravam e grande desafeto de Fábio desde garotos. Uma vez por conta de uma briga entre ambos, meio bairro ficou às escuras por três dias por uma guerra declarada de ambos os lados. Postes de luz foram sabotados, vidraças quebradas e até o Fusca 66 de seu Jordânio várias vezes premiado em revistas especializadas não escapou. Foi Maria quem promoveu a paz entre os desafetos devolvendo o sono para as famílias daquele sossegado bairro. Anos depois Eduardo já havia enterrado as mágoas de moleque enquanto Fábio ainda ressentia-se mais ainda porque ele estava desfrutando do amor da mulher que ele havia escolhido para si.

O relógio marcava três e quarenta e cinco da manhã quando Fábio alimentado por sua cólera e ciúme rolava de um lado para outro sem poder dormir. Dono de relacionamentos conturbados por seu ciúme doentio e obsessão por Maria, tentava em diversos corpos esquecer a morena por quem se apaixonou quando criança. Por noites a fio, sentava-se no mesmo lugar onde anos antes acompanhava a mudança da família mineira, olhando as luzes que apagavam-se e ligavam cada vez que alguém percorria os cômodos da casa. A fachada já havia mudado algumas vezes porém podia-se notar toda a movimentação da rua por conta do estilo de construção daquela época. Entre lágrimas e juras de vingança, ele ficava ali, esmurrando-se e batendo a cabeça contra uma antiga goiabeira para tentar esquecer a razão pela qual ele ainda insistia em viver. Em uma noite de delírios, pensou consigo em dar cabo da própria vida para tentar esquecer seu primeiro e único amor. Amarrou uma grossa corda em um dos galhos da goiabeira, deu um belo nó e encaixou o pescoço ficando pendurado por poucos instantes, devido ao porte físico, o galho da goiabeira partiu-se fazendo com que caísse de bunda ao chão. Depois da frustrada tentativa, debulhou-se em prantos, prometendo agora não só acabar com sua vida, mas também com as vidas de Eduardo e Maria, que viviam pelo terceiro ano consecutivo um conto de fadas.

O sol timidamente escondia-se no horizonte deixando o céu alaranjado e azul quando Maria saía da agência de publicidade onde trabalhava. Vestia um jeans branco que deixava suas curvas mais sensuais e uma camiseta com os dizeres “Where is the love?”. Seu perfume, um presente dado por Eduardo para comemorar mais um ano de união exalava deixando as ruas do bairro da Pedrinha cada vez mais doces. Usava brincos de argola, tamanho médio que em contraste com seus cabelos a deixavam terrivelmente bela. Ia caminhando e conversando com os colegas de trabalho quando sentiu-se puxada por grossas mãos. Transtornado Fábio queria abraça-la e queria naquele momento que todo seu amor fosse retribuído. Ajudada por colegas, conseguiu se desvencilhar das mãos de seu agressor e começou a dizer que por conta de seu ciúmes e diversas tentativas de prejudicar sua vida, ela nunca o aceitaria como namorado, muito menos agora como amigo. Fabio recobrando a consciência, pediu perdão de joelhos sendo ignorado por Maria que seguiu seu caminho a uma lanchonete mais próxima amparada pelos colegas enquanto ele continuou ali, perguntando-se o que teria feito para que tamanho desprezo despejado sobre si. Parou em um bar próximo ao local e bebeu quatro garrafas de aguardente. Brigou com transeuntes e acabou levando a pior contra um grupo de quatro rapazes que bateram até lhe arrancar sangue dos olhos, dois dentes e lhe quebrar uma costela. Sem deixar ajudar-se continuou perambulando num misto de dor e agonia gritando o nome de Maria e a injuriando por toda a vida desgraçada que estava vivendo, chegou a ponte do paraíso, que dava acesso a uma das Marginais da cidade e com mais ódio que medo subiu na mureta com dificuldade, chorou mais alguns minutos e praguejou mais uma vez a vida da mineirinha que veio para a cidade grande para ter uma vida diferente de seus pais. Jogou-se espatifando-se contra o asfalto da marginal e causando o maior alvoroço no transito local que precisou ser interrompido por conta do suicídio de Fabio.

A quarta feira amanheceu ensolarada e triste quando o noticiário em primeiro boletim noticiou o suicídio de Fábio. Maria que tomava seu café da manhã deixou que uma lágrima lhe escorresse do rosto, mas não arrependeu-se e nem se compadeceu com a morte do seu primeiro amigo de bairro, a pessoa para quem disse seus maiores segredos mas que a queria em cárcere eterno. Continuou sua rotina sem comparecer aos funerais preparados pela família com muito capricho, embora do corpo tenham restado poucos pedaços por conta do choque com o solo. Caminhava aliviada e ressentida pelas ruas que cortavam o local por onde anos viveram seus melhores momentos. Não olhou para trás em nenhum momento, mas sabia que a partir dali uma nova história para sua vida poderia ser escrita. O que ela não sabia, é que mesmo do outro lado da vida, Fábio e sua profecia ainda a atormentariam por um longo tempo.

Marcelo Almeyda
Enviado por Marcelo Almeyda em 04/07/2016
Código do texto: T5687480
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