A Pérola e a Noite - Parte 01

O final de tarde umedecia a grama do parque, enquanto o vento soprava Leste-Oeste, levando algumas folhas caídas e cortando a pele do rosto das poucas pessoas que se aventuravam a caminhar naquele final de tarde, entre elas, Yasmin, que dormia, sozinha.

Com um calafrio, a doce flor negra viu seu sono ser levado pelo vento enquanto abria seus olhos inchados, ardidos e ainda molhados. Sem se levantar, olhou para o alto, desejando a imensidão do universo e, após isso, sentou-se para observar o céu em degradê, em tons de negro, azul e laranja: um belo espetáculo que a natureza a proporcionava naquele final de tarde.

Sua pele negra arrepiava-se, seu queixo tremia. Tudo estava frio, desde os dedos do pé, seu colo, pescoço e, sobretudo, seu coração. Esse último, não se esquentaria com fogo, mas com pele, com calor humano; não qualquer um, precisava do calor de Ciaran.

O espetáculo no céu estava para terminar, o cobertor de trevas preenchia o céu lentamente, enquanto os tons mais claros sumiam no Oeste. Yasmin floresceu lagrimas sutis, que deixaram um rastro gelado no rosto. Ela, secando-as, levantou-se e caminhou em direção a saída do parque.

Já não havia mais vida no parque além do verde, que agora era praticamente irreconhecível. Aquele não parecia o mesmo parque alegre e luminoso de algumas horas, agora a escuridão tomava conta dos cantos inabitados e não iluminados, não havia vida para se ver, além de si mesma: um abismo de saudade, insegurança e trevas que cobriam sua natureza ensolarada.

Enquanto passava pela portaria, ouviu os seguranças fazerem alguns comentários maliciosos, mas não deu ouvidos, seguiu. Chegou em seu carro, o único que estava naquela rua escura e úmida, comprida. Destrancou-o, entrou e olhou-se pelo retrovisor.

Viu seus lábios grossos, sua pele escura; suas bochechas, doces pérolas negras reluzentes em lágrimas. Seu cabelo ondulado, volumoso, comprido, formando uma juba de sedução. Seus olhos atentos, que escondiam sua natureza distraída. Ela era deusa de seu próprio mundo, rainha negra, forte, felina, ferida, solitária.

Ligou o carro e partiu sem rumo. Ciaran tinha hábitos noturnos como qualquer bom felino, assim como Yasmin, que embora fosse dia, lume e fogo, vivia a noite em busca de seu par.

Inconscientemente, parou no mesmo lugar onde se despediu de Ciaran. Onde ele estaria? Por que sumira assim? Ciaran, criatura da noite, mistério. Livre para ser quem quisesse ser, mas preso à noite, aos momentos de prazer obscuros, sujo por seu passado, perfeito em seu presente.

As mãos de Yasmin repousavam segurando o volante, seus olhos olhavam fixamente para frente, embora ela não enxergasse um palmo à frente do rosto. Ela só via o passado, só via Ciaran. Queria senti-lo novamente, queria viver todo o mistério da noite, sentir-se desafiada a ser outra estação.

Alguém passa, buzina e grita alguns palavrões, arrancando-a de seu transe. Outra lágrima. Uma das mãos desce até a chave e dá a partida, mas ela não consegue fazer mais nada, está paralisada.

Uma figura negra e alta surge alguns metros atrás do carro. Ela o observava enquanto ele caminhava na direção dela. Podia ser o fim dela ou podia ser o fim de sua aflição. A sombra se aproximava tranquilamente, na rua, dois metros de sombra projetando-se em sua direção.

Os dois metros de escuridão chegaram na parte de trás do carro e, em mais alguns instantes, na porta da motorista. Duas palmas encostaram no vidro pela parte de gora, enquanto Yasmin permanecia congelada dentro do carro. As mãos subiram até a parte superior do vidro enquanto o tronco abaixava. Um rosto, não, o rosto. O príncipe da noite reapareceu.

Marcelo Marques Júnior
Enviado por Marcelo Marques Júnior em 12/07/2016
Reeditado em 11/09/2016
Código do texto: T5696007
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