Proposta em Vias de Fato 8(continuação)

Aquele grito primitivo, junto, o cantar acompanhado apenas pelo ritmo batido ao chão, sobre a tábua de madeira. Quando adiciona ao conjunto o “cajón”, a flauta e a guitarra então! Encantador. Quando criança, o pai com freqüência levava Lidia e as irmãs para visitarem o bisavô, que estava velhinho; quando chegavam, pegava ele ouvindo pela vitrola a música flamenca tocando. Lídia perdia a noção de tempo e espaço somente contemplando-o na nostalgia desperta pela música na cadeira de balanço na sala da humilde casa que passou o final da vida. Via muita saudade na expressão do seu rosto...ao certo, nunca foi curada. Desde a partida aos 12 anos com o pai e outro irmão do porto de Málaga, no período da primeira guerra mundial, quando veio para o Brasil, nunca mais voltou à Espanha. Morreu aos noventa anos sem visitar sua terra, e familiares.

Foi investigar. Tomou conhecimento que flamenco é gênero de música e dança de origem das tradições culturais da comunidade autônoma da Andaluzia, parte da Espanha; sua tradição, que foi se firmando de modo multifacetado no decorrer dos tempos, teve a participação dos povos que imigraram para a Espanha em tempos idos: população de países do oriente médio, até ciganos indianos que chegaram à Andaluzia, vindos da Índia, por volta de 1425.

Senhor Gonzalez era pessoa de presença marcante; cor branca, olhos azuis apequenados, voz rouca, alto, magro, mesmo de fisionomia envelhecida não escondia a beleza que teve na mocidade. Não saiu ileso do cupido quando se apaixonou perdidamente por uma linda negra, isso depois de alguns anos da chegada ao Brasil.

Daí as raças foram batidas no liquidificador, saindo filhos duma genética híbrida; num tempero do povo europeu, do africano, com um pé, de repente, no caminho da índia, oriente médio...enfim, quando Lídia ouviu a proposta da professora sobre a possibilidade do curso de dança, aceitou o desafio. Quem sabe encontraria um pouco de paz mantendo contato pela música e dança com a ancestralidade da sua ascendência parental consanguínea.

Primeiro dia de aula, o salão de dança estava adaptado ao cenário e necessidades para dança, inclusive o assoalho de madeira improvisado no centro, com cadeiras envolta. A professora, quando avistou a aluna chegando interrompeu discretamente a conversa que mantinha com alguns, indo em sua direção. Cumprimentou Lídia, abraçou-a afetuosamente, radiante por ter aceitado o convite para o curso, pensava que Lídia até tivesse mudado de cidade.

Professora Doralice pediu para o conjunto, que era da capital, que fizesse uma mostra apresentando a dança flamenca aos alunos que iniciariam o curso. Levou Lídia até eles, apresentando-a ao grupo, como também aos convidados, futuros alunos.

Os alunos eram poucos, encontravam-se logo atrás sentados nas cadeiras que fazia fundo ao centro, local da dança. Do grupo, Lídia notou que eram duas dançarinas, estavam à caráter, com aqueles longos vestidos típicos das ciganas espanholas, sapatos pretos, estilo “ de bonecas”, cabelos longos amarrados com fitas na cor dos respectivos vestidos, verde e vermelho, trazendo extensos babados nas barras. Eram magras, uma alta e outra de pequena estatura, um homem tendo às mãos instrumento parecendo ser o “jaleo”, outro, flauta, além do dançarino, de físico magnífico, com sua calça parecida ao do toureiro, e camisa branca.

Logo, todos acomodaram em seus assentos. A dança começou...Meu Deus!!!Todos assustaram, notava-se pelos cochichos e risadinhas. Foi quando as dançarinas abruptamente saíram de onde estavam sentadas, sapateando em passos diminutos, anunciavam o ímpeto da largada, fizeram o dueto que Lídia não sabia como, mas inseriu-a naquele frenesi, o dançarino deu o grito tradicional indo ao encontro delas, e os músicos com seus instrumentos acompanhando o ritmado imposto pelos dançarinos . Agora vi tudo!pensou Lídia, onde estava que não percebi, posso me encontrar novamente por aqui.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 20/07/2016
Reeditado em 20/07/2016
Código do texto: T5703836
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