Proposta em Vias de Fato 12- A Viagem(continuação)

Ficou estática, parecia que sonhava, era real; aquelas palavras, o sorriso, a beleza longeva do sábio, o calor dos seus braços, a dança envolvente, tudo tinha sido significativo. Caminhou, transitou pelas ruas e ruelas daquela cidade, perdeu o medo da busca, a noção fragmentada de pessoa estranha desapareceu, conscientizou que explorava um campo.

Seria alguma faceta do campo de Albert Einstein, do “Boson de Higgs”, passado pelo buraco da minhoca e chegado noutra realidade? O novo chegava aos seus olhos com a receptividade de quem é aprendiz. No final de uma rua, toda em pedrinha “fruta cor”, avistou uma bela casa, parecia um pequeno castelo, logo à frente tinha um chafariz de água e jardim com flores das mais variadas espécies e cores, tinha aspecto romântico; na parte frontal existiam grades e portões de ouro reluzente, percebia-se que as varandas arcadas eram desenhadas como aquelas existentes nas partes internas das casas indianas; a porta frontal da residência era do mesmo material das grades e portões da entrada, as paredes de cor pêssego, impressionante!

Voltou à imobilidade, olhando para tudo aquilo! A vontade era abrir aqueles portões e entrar. Mal terminando este pensar apareceu na porta um casal; pareciam felizes, abraçavam-se e acarinhavam-se em ternura e amor. Foram para o jardim, não perceberam a presença de Lídia, brincavam de esconde-esconde como duas crianças, caíram na grama rolando nela desprendidamente. Isso não era estranho para si, o sentimento dos amantes é universal, temos este conceito abstrato impregnado no ser, mesmo que fracassadas as tentativas de plenitude neste tema, como saudade de um lugar querido, vivemos com o esfumaçar deste estado de espírito em nós. Ficou um bom tempo ali, como assistindo um belo filme de amor, sem drama, sentimento “shakespeariano”, JAMAIS, deve haver um sentimento elevado compartilhado entre duas Almas afins no plano atemporal, vivido sem cobranças, ressalvas, intrometimentos recíprocos, fadigas... somente comunhão, sintonia, cumplicidade, a bem aventurança vivida a dois, compartilhada. Pensou, seriam assim o tempo todo?

Estava encantada com tudo, esqueceu que observava há algum tempo vida alheia, os amantes esquecidos no mundo encantado restrito, somente dos dois, não deram ao trabalho de olhar para trás e ver a intrusa bisbilhotando, chamuscando como gata escaldada aquilo que não teve com Túlio. Saiu dali, resolveu pegar uma estradinha toda em pedregulhos, queria mais, aproveitar a chance de conhecer e talvez, ser conhecida. Aquela cidadela encantada era como que desenhada à mão, perdeu o medo de ver o belo acima do máximo imaginado até então, quis explorar a extensa floresta que avistava ao longe. O estranho que nem na cidade e muito menos naquela estrada não se via um veículo, ou semovente puxando carroças, homens a cavalo, bicicleta, ou qualquer meio de transporte convencional; à medida que ia caminhando pela estrada o sol, de nitidez singular, aquecia sua pele como que aconchegando-a em seus raios. Pasmem! A noite não chegou, viveu tudo no dia, nuvens não havia no céu, o azul do infinito era de uma tonalidade anil, maravilhou poder ter sido agraciada com tamanho espetáculo.

O silêncio na caminhada tornou Lídia sonolenta, as tonalidades dos verdes das árvores serviram de curativo amenizando o cansaço provocado pela expectativa e o turbilhão de informação. Não hesitou, avistou uma pequena ponte feita de madeiras e troncos de árvore, desceu o pequeno penhasco e deitou-se debaixo dela, adormeceu, acordou e imediatamente com um grito saltou caindo de pé. Estava sendo observada por um imenso animal; o que tinha de estranho, era em dobro dotado de beleza, olhava para Lídia deitado sobre o que podemos chamar de patas. Tinha um pelo espesso, macio aos olhos, de uma cor acaramelada, seus olhos eram azuis, IMENSOS, com expressão de bondade indizível; o aspecto do rosto parecido com o de um cão da raça Lhasa Apso (raça tibetana), aparentava ter uns dois metros e meio de altura, sobre suas costas saíam duas asas, era quadrúpede.

Como proceder... Correr? Ficar? Depois do grito, o silêncio, o animal não aluiu uma pata do lugar, observando-a, assim continuou, deu um rugido como que de leão, parecia espirro, ou sabe-se lá o quê! O interessante é que perdeu o medo, o terror, pensou... se ele tem asas é uma oportunidade de explorar sua vontade, se tinha que atacá-la, assim teria feito antes (afinal tinha passado um bom tempo do primeiro contato).

Levantou e cautelosamente, sem medo, Lídia no olhar pediu carona, e na medida que sinalizava neste sentido dirigiu até o bicho subindo vagarosamente sobre suas costas. Ele, que estava agachado como um dócil cachorro, sem resistir começou chacoalhar aquelas imensas asas e saiu com ela em alta velocidade, parecia piloto em um “teco-teco” fazendo folha seca na aeronave, nunca sentiu tanto vontade de regurgitar como naqueles instantes,ao mesmo tempo instintivamente agarrou em seu pelos para não cair.

Assumiu o equilíbrio,teve o privilegio de ver a floresta do alto da melhor forma, sobrevoou com o animal por uma imensa extensão, soltava uns gritinho opacos, ao que tudo indica estava feliz. Do alto outra surpresa, havia homens voando no espaço... sim, voando sem asas, tinham pequenas mochilas nas costas, capacetes de fibra escura, viseiras, roupas como aquelas de mergulho. Não soube qual era a tecnologia que utilizavam para aquilo, e o interessante que passavam próximos uns aos outros e não colidiam. Espetacular!!!

De tanto sobrevoar percebeu que o cão voador estava ofegante, aterrissou lentamente no rio em que haviam encontrado a primeira vez; Lídia desceu dele, que dirigiu até a beira do riacho e bebeu fartamente aquela água, como que deliciando freneticamente com a língua que entrava e saia da boca. Ficou olhando, até aquele momento não teve sede, fome, somente contentamento.

Havia grandes gansos brancos e negros nadando no rio, pacificamente, seus pescoços contorciam como dançarinos na dança de balé; pensou, gansos são típicos de lagos, “água parada”, como podem esses seres, de mais de dois metros movimentarem-se sobre água corrente com tanta espontaneidade... A cena vista da margem do rio parecia surgida de livros infantis, encantadora.

A distração fez desaperceber que o cão voador tinha desaparecido, procurou-o no lugar que aterrissou, e nada, sentou sobre uma pedra grande que existia ali, resolveu encarar o fato que tudo aquilo era estranho, primeiro, aquela cidadela inimaginavelmente linda, pessoas de uma sutileza irrepreensível, bichos que não conhecia, mundo até então inexplorável por sua imaginação.

Indagou, estou sonhando? Acordada? Qual o nível de densidade desta realidade? Se sonho, o que é a realidade a que pertenço, se for aquela que tenho em mente tem algo melhor a viver que ainda não havia experimentado mas não me é estranha, não poderia dizer que é impossível chegar nesta ideia que na condição de sonho coloco, senão a imaginação não criaria.

Por outro lado, continuou articulando nas premissas, se não for sonho e sim realidade isto que estou vivendo, contudo diversa daquela em que vivo, inferior aos olhos e ouvidos!... Sinaliza-se a possibilidade de um dia poder vivê-la; como intrusa não fui expulsa daqui, é uma realidade inclusiva, não me estranha.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 25/07/2016
Código do texto: T5708669
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.