Vento forte

Está quente essa manhã, e nós não dificultamos nossa ida para a Praia do Dentista. Deste ontem percebi que Angra está cheia de turistas, assim, como Lucas e eu. A diferença entre os turistas e nós, é que não catamos mais pedrinhas na Praia Grande.

Nessa manhã tomamos café, vestimos a roupa mais fresca, e descemos até o outro lado do Iatchy Clube da Praia Grande, de Angra dos Reis, para soltarmos as amarras do barco, e darmos inicio a nossa ida para a Praia do Dentista. Lucas soltava as cordas, enquanto eu ia ajeitando as coisas dentro do barco. E ninguém nos observava, ninguém, mas algo sim. Dentro de mim desde sempre teve algo errado. Lucas nunca foi a solução, ou o problema de todos os meus dias. Aliás, se eu tiver que deixar claro alguma coisa é o fato de nunca ter pensado sobre nós, ou o que ele representava para mim. E por que eu estaria pensando nisso agora? Por que o Lucas poderia me faz preencher meu pensamento? Então eu o olho. Eu olho esse rapaz branco, de cabelos negros, olhos castanho cor de mel escondidos por esses óculos escuros, lábios finos, e com o sorriso de quem sabe o que se passa na minha cabeça. Olho e vejo que temos mais cumplicidade do que já tive. Uma cumplicidade sem preocupação, e que nunca perdemos.

E quando o barco começa a andar, eu pergunto - como foi seu último mês na Tailândia? - ele me olha sorrindo e pergunta do por quê me ocupar de uma pergunta tão infrutífera. Dou de ombros. Penso que ele costuma preparar o terreno, mas que não gosta de jogos. Mas apesar de tudo, o sol está ardendo sobre meus braços, o céu está limpo, e meu cúmplice está ali, pronto para pular no mar azul.

Ele se chega, se aproxima. Me beija, e pergunta do por que a pergunta. Digo que me senti interessado, ou que talvez seja curioso o fato de nós termos combinado de não nos comunicarmos mais, e depois de um mês ele me esperar na saída do elevador principal da universidade. Ele ri, pois aparentemente aprendeu a ser sarcástico da Tailândia. Ele diz que foi um bom mês, uma boa viagem, e que não há motivos para eu me preocupar.

Essa frase grudou nas paredes da minha cabeça. E por que eu me preocuparia? Quando Lucas se foi, eu se quer fui me despedir no aeroporto. As pessoas se apegam as suas miragens egoísticas, transformam as palavras em sentidos, coisas próprias delas mesmas, fazem interpretações para satisfazer algo que só é importante para elas, ou seja, satisfazerem seus próprios egoísmos.

Lucas, eu não me preocupo, você mesmo sempre me disse que é curioso o fato de você nunca me ver preocupado com as coisas, com as minhas provas, com o meu trabalho, com o fato de eu ter me importado de encontrarmos o Fabio, o rapaz de trinta e um anos que supria a sua falta, no período em que você estava na Tailândia e nem ao menos me enviou uma mensagem. Não posso dizer que não senti sua falta. Eu senti muito a sua falta quando algo acontecia e eu queria muito te contar. Eu olhava sua foto por horas, sua barra de mensagem, pensando em te escrever. Mas por um acordo mais ou menos estúpido eu não o fiz. E isso não é uma preocupação, é só a falta de um entendimento. Se somos livres, se as coisas existem, então por que não as deixamos acontecer?

Ele me olha, se sente confuso. Ele me pergunta se depois de tantos pedidos insistentes de namoro, se algum dia eu pensei em aceitar, de firmar a nossa relação. Digo que sim. Ele me pergunto do por que não o fiz. Digo que não posso tomar uma decisão que possui um certo grau de seriedade baseado num sentimento momentâneo de carência, de um certo momento de tristeza e desordem. Não que ele não me faça feliz, mas por que seria necessário nos encher com uma certa responsabilidade precoce? - pergunto se ele não se sente feliz da maneira em que estamos. Ele diz que já pensou muito sobre isso, e que talvez esse tivesse sido o motivo pelo qual ele me pediu que não nos comunicássemos no período em que ele estivesse na Tailândia. Entendo.

No momento só há nós. A água está fria, mas a superfície se deixa deitar sob o sol quente. Por debaixo da água ele me abraça, me beija, diz que foi horrível o tempo que passou longe do Brasil, longe de mim, e que tinha a mesma sensação que eu, e que não via a hora de voltar para me encontrar. Disse que quando chegou ficou sabendo meio por alto, que eu estava me encontrando com um canadense, e então decidiu não me encontrar de imediato, que preferiu ver se ainda tinha alguma chance. Peço que deixe essa história de chances de lado. Eu não sou uma oferta. Nós nos conhecemos de uma forma legal, em um momento complicado para mim. Hoje estou bem, te olho e me sinto alegre. Quando eu acordo e penso "que dia bonito", e coloco os meus tênis para correr na enseada de Botafogo, é porque sei que vou te encontrar mais tarde, e preciso gastar a energia que você me faz produzir todos os dias.

Lucas, eu não posso dizer que te amo, e talvez eu nunca direi. Eu estou aqui, ainda seguro o copo vermelho que ganhamos na Casa Olímpica Alemã, e dentro da minha gaveta está o seu convite de formatura da turma de formação de 2016 em Relações Internacionais. Não sei o que virá, mas o caminho está livre, sem vento forte.

Yuri Santos
Enviado por Yuri Santos em 17/10/2016
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