Queria tanto saber...

Fazem dezoito anos que minha mãe se foi, e levou com ela todas as suas historias de vida e suas amarguras... Sei muito pouco sobre ela, mas gostaria de ter ouvido um pouco mais... Ela e mais três irmãs sendo que a mais velha com 6 anos, ela com 4 anos e outras duas mais novas ficaram órfãs de mãe e seu pai colocou as quatro meninas em um orfanato e sumiu... mudou de cidade e constituiu outra família tendo depois mais uns dez ou doze filhos nem sei direito dos quais alguns eu tive contato muitos anos depois que me casei .

Eu sempre quis saber como as quatro meninas, que depois de algum tempo foram separadas com madrinhas diferentes seguiram seus caminhos até se encontrarem novamente depois de casadas...

Lembro de alguns comentários que ela fez do tempo em que ficou no orfanato onde aprendeu, bordar, costurar e cozinhar, mas também ela falava que fez até o segundo ano primário e depois foi morar com uma família que ela chamava de madrinha. Ela falava muito pouco sobre isso, mas falou algumas vezes de ter trabalhado muito em uma fazenda, na qual ela plantava café, cuidava das criações e lavava muita louça tirando água do poço ao lado da casa e nunca podia participar diretamente da família.

Hoje que sou mãe e avó tenho uma vontade imensa de saber da infância dela já que a minha e dos meus irmãos foi construída em meio de muita garra e muita sabedoria dela para que todos os filhos tivessem o que ela não teve amor e FAMÍLIA...

Ela nunca deixou a gente sem uma reunião de Natal, fazendo uma macarronada com frango bolinhos de chuva e arroz doce de sobremesa... ela nunca nos deixou sem o presente do Papai Noel enquanto acreditávamos nele... nos obrigou a frequentar a escola e fez com que todos estudassem e se formassem...

As lembranças que tenho de uma infância pobre, mas decente e com ela sempre nos ensinando no carinho e no cabresto como dizia ela, mas batalhando demais para que a gente tivesse o suficiente para seguir como família...

Certa vez um político da época quis ficar com um irmão meu muito loirinho e bonitinho, dizendo que ele teria uma vida de rei, e ela nos contava com orgulho dizendo: Ele não precisa ser rei ou ter coisas, ele precisa de"família" (isso talvez porque ela nunca teve)

Íamos a missa todos os domingos, pois só assim poderíamos brincar na rua ou na casa de alguém, não faltávamos na escola, e ela nunca admitiu que a gente irmãos se agredissem uns aos outros, ela dizia : Aqui em casa quem bate sou eu, e a gente respeitava...Na infância não tínhamos luz e a água era de poço, minha mãe trabalhava todos os dias direto e muitas vezes a noite e mesmo assim ela sempre teve um tempo para nós. Ela fazia bonecas de pano e carrinhos de carreteis vazios para os meninos, deixava a gente escrever nas paredes da casa com carvão para brincar de escolinha, fazia cabaninhas no quintal e brincava de circo ensaiando a gente dançar e cantar... Hoje imagino em quantas ela se virava para dar conta de tudo... pai presente eu nunca tive, hoje eu entendo que alcoolismo é uma doença... (mas na época e dezenas de anos depois eu o odiei, hoje não mais...)

Agora me dou conta que a força da minha mãe em nos fazer feliz, ser sempre uma família... é porque ela nunca teve a dela e deve ter passado uma vida inteira querendo ter tido uma... Acho que por isso ela se tornou a melhor mãe que pôde, e nos ensinou que a família é o bem e amor maior, e que nunca devíamos nos separar uns dos outros,como ela foi separada...

Depois que todos os filhos se casaram ela continuou fazendo os almoços de domingo e queria a presença de todos acrescentando os netos que não paravam de chegar... Os Natais eram na casa dela e a festa era contagiante... Quando ela partiu os netos maiores ficaram arrasados... nunca mais esqueceram da avó. Nas reuniões familiares, sempre tem comentários alegres sobre ela... os netos e netas que agora são casados riem contando para os filhos como era a bisavô, imitando o que ela fazia, ou como brincava com eles... até as broncas que ela dava eles imitam... e todos riem com saudades...

Walquiria
Enviado por Walquiria em 18/10/2016
Código do texto: T5795318
Classificação de conteúdo: seguro