O encontro

O tão esperado encontro estava por acontecer. Romeu finalmente tinha conseguido um local para se encontrar com Julieta. Não era uma sala qualquer. Ela tinha sido escolhida pela sua discrição. Ninguém poderia perturbá-los e era o maior desejo deles, afinal este amor tão complicado de ser concretizado, naquela quinta-feira seria plenamente realizado, inclusive com hora marcada.

Romeu foi o primeiro a chegar. Fez as honras da casa. Preparou o ambiente. Abriu uma garrafa de vinho, colocou sua música preferida, se perfumou com aquela colônia especial, vestiu uma roupa bem sensual e ficou contando os segundos em visível angustia.

Julieta chegou não muito tão tempo depois. Muito tempo para Romeu, mas nada que não fosse esquecido no primeiro segundo daquela que seria a única razão as de existência dele. Julieta estava magnífica. Tinha preparado um penteado cheio de tranças em seus longos cabelos loiros. Fez as unhas, aproveitou para usufruir de um dia de noiva com direito até massagem corporal e relaxamento. Também passou um bom tempo refazendo a sobrancelha, depilando as pernas, escolhendo a roupa para aquele encontro também tão esperado.

Os dois não se continham de felicidades.

Foi Romeu que logo tomou a iniciativa. Estendeu os braços e aguardou a aproximação de Julieta. Ela meio tímida foi se aproximando como se fosse o primeiro encontro da sua vida. Deu-lhe a mão para ser beijada e acariciada. Quanto sofrimento os dois tiveram que passar para estarem juntos.

Romeu, operário da Fiat, cargo de confiança, chefe da área de pintura automatizada da fábrica mais bem equipada da Itália.

Julieta, filha de magnatas americanos, educada nos melhores colégios da Califórnia, sempre vigiada por onde andasse, totalmente controlada pelos pais em todos os futuros relacionamentos. Sim. Futuros, pois os pais selecionavam candidatos em potencias pelos seus currículos enviados eletronicamente.

Como neste encontro, Romeu soube antecipadamente da pré-seleção e conseguindo um e-mail particular de sua amada enviou seus dados direto para esta que naquela altura ainda era candidata em potencial.

O anuncio inusitado havia corrido todo o mundo virtual. Vários blogs haviam divulgado a forma um pouco ortodoxa de escolha de pretendentes.

Natural seria nem dizer que Romeu não passou nem nos primeiros quesitos de exigências dos pais de Julieta. Não tinha a altura mínima exigida, não tinha nem a primeira parcela do dote a ser depositado em contas numeradas em banco suíço. Na verdade, seu currículo foi rejeitado já pelo selecionador automatizado e preparado totalmente para tal fim.

Mas, o que importa, é que eles conseguiram combinar através de emails e ali estavam eles. Juntos e isso era o que mais importava. Não importava família, não importava diferenças sócias, não importava dinheiro, não importava nada. Apenas o amor. Este sim importava e muito.

Romeu abraçou sua amada envolvendo-a inteiramente. Ela só podia sentir-se como realmente sentia-se, totalmente preenchida. Todos seus poros cheiravam amor. Tanto amor... O amor possui cheiros que só o amor conhece e a sala já estava toda preenchida destes cheiros.

Ficaram bastante tempo nesta posição, abraçando-se mutuamente.

Julieta que quebrou o transe. Afastou-se para ir ao banheiro saindo da sala por alguns instantes.

Romeu aproveitou para trocar novamente de roupa.

Julieta tinha tido a mesma idéia. Voltou ainda mais linda já com o cabelo solto vestida de uma túnica branca bordada em fios de ouro tão reluzentes e tão verdadeiros como seus cabelos.

Sem perder tempo, os dedos de Romeu procuram as pontas dos dedos de Julieta. O calor concentrado, as diferenças de textura, as medidas tácteis foram todas exaustivamente abordadas sem que nem ao menos uma mão fosse tomada pela outra.

Os dedos no rosto, o rosto nos dedos, a boca em dedos, a língua que molhava dedos. Os dedos em olhos. Parecia que os dedos se multiplicavam. Bocas que procuravam bocas, beijos que queriam beijos. Beijos que soltos e libertos pudessem tomar suas próprias vontades.

Romeu de olhos fechados nem percebera que Julieta havia desaparecido. Em seu lugar milhares de cachorros tomaram a sala de assalto.

Os pais de Julieta haviam encontrado a sala e o pior, realmente tomaram-na de assalto.

Romeu foi trucidado pelos pastores alemães. Julieta vendo seu amado desfigurado tenta se matar. Toma um veneno e cai desfalecida.

Romeu acorda e vendo sua amada ali desacordada entra em desespero.

Desliga o fusível da sua casa. O capacete de realidade virtual agora apenas reflete o grande vazio interior. Tudo é escuro e sem vida naquela fria noite de Verona.