Márcio e Deus

O que é ilusão? para Márcio, nada além de algo que não existe e que as pessoas tomam por verdade. Se tinha uma atitude que lhe causava repulsa era a de viver iludido. O círculo social de Márcio era, inclusive, bastante pequeno, porque sempre que alguém demonstrava acreditar em algo que ele considerava impossível, ele se afastava. Para isso tinha um bom repertório de desculpas, afinal, se aquelas pessoas queriam acreditar em ilusões, que mal haveria e dar ilusões à elas?

Márcio abominava as religiões. Para ele cada bíblia era uma caixinha de ilusões, cheia de eventos que jamais aconteceram, ou que aconteceram há tanto tempo que já são irrelevantes. Com tanta dor e sofrimento no mundo, sempre se perguntava que Deus de amor seria esse que permite tantas barbáries sem usar seu poder para parar o sofrimento das pessoas.

Seu coração não era de pedra e ele também sofria e se sentia mal, pois não gostava das injustiças desse mundo, mas seria ilusão supor que somente um homem poderia salvar toda a humanidade. O máximo que ele poderia fazer era cuidar de si e de sua família, que nunca passou fome, além de ter uma bela casa e um carro para poder viajar quando desse. Vivia com racionalidade. Tudo deveria ser calculado. Se era possível, ele fazia de tudo para garantir que acontecesse, senão ele ignorava em nome de cuidar dele e daqueles que dele dependiam.

Com o passar do tempo, foi sentindo-se diferente com relação ao mundo. Era um sentimento que ele não conseguia explicar, mas que sabia que estava ali. Era como se houvesse algo ou alguém direcionando os acontecimentos, porém ele não entendia o porquê.

Márcio não sabia com quem conversar sobre aquilo começou a sentir insegurança sobre as suas crenças, pois se ele não podia ver era ilusão, mas definitivamente havia algo que ele não podia ver e estava ali, influindo na sequência dos acontecimentos. Sem saber o que fazer e duvidando de si, ele fez algo fora de seu comum e se abriu com seu amigo Pedro:

- Você sabe Pedro, você é meu grande amigo e já deve ter percebido que eu ando confuso.

- Percebi sim Márcio, pode contar comigo que eu sempre vou fazer o que eu puder para te ajudar.

- Sabe, eu tenho sentido que há algo além de tudo que a gente consegue ver, que intercede no mundo em alguns momentos, mas eu não sei o que ou quem é. Já não sei se eu realmente estou vendo as coisas como são. Tenho medo de estar me iludindo, mas é uma sensação muito forte e eu já não sei o que pensar.

- Márcio, tudo isso é uma ilusão. Você mesmo sabe que existem coincidências e tudo que você está vendo não é nada mais que isso. Como poderia alguém governar a vida das pessoas sem ao menos estar aqui?

- Essa é minha dúvida Pedro. E se a gente não estiver vendo porque não quer ver? E se quando a gente aceita isso, passa a ver como as coisas realmente são?

- Não sei Márcio, só sei que, para mim, você está querendo se iludir também, logo você que era a pessoa que eu via como mais inteligente e sóbria nesse mundo louco.

A conversa ainda continuou mais algum tempo, mas Márcio percebeu que algo estava diferente. Pedro parecia estar com o humor diferente de uma hora para outra, mas Márcio preferiu achar que era uma ilusão que ele estava tendo. Com o passar do tempo, Pedro foi ficando cada vez mais inacessível para ele e logo ele já não sabia mais se os dois eram amigos, se ele estava iludido ou se aquela amizade é que era uma ilusão.

Márcio foi mudando sua maneira de pensar. Através de muita observação e dificuldade ele passou a entender melhor o que sentia. Percebeu que muitas leis físicas tinham, de algum modo, alguma lei correspondente mística, e passou a pensar que as coisas acontecem por algum motivo, apesar de não saber qual motivo é esse. Ele leu em alguns livros que as pessoas tinham um destino a cumprir, enquanto em outros leu que as pessoas viviam na terra para aprender certas lições antes de entrar na eternidade e também que tudo que está na terra na verdade é ilusão e que a realidade só conhecemos depois de morrer, mas que não devemos no apressar para poder tirar desta vida o que devemos. Aprendeu também que a morte é nada mais senão apenas uma grande mudança, e que não há o que se temer. Mas dente todas a lição que mais chamou a atenção de Márcio era a de que não devemos julgar uns aos outros, pois são diferentes pessoas, com diferentes dificuldades, diferentes princípios, diferentes objetivos e diferentes pensamentos.

Márcio notou que cometeu muitos erros durante toda a vida, e que continuava cometendo, mas também aprendeu que era importante perdoar. Os erros que ele pôde reparar, fê-lo. Quanto aos outros, perdoou a si mesmo a passou a olhar somente para o que fazia no presente, pois, como aprendeu também, o futuro nada mais é que o resultado do que fazemos hoje.

Mudou de atitude com relação a vida. Agora não mais acreditava que tudo que não podia ver era ilusão. Passou a se questionar antes e refletir a respeito para tentar descobrir o que era verdadeiro para ele. Várias coisas que ele via como ilusão, percebeu que eram verdades e várias outras verdades ele percebeu que eram ilusão. Como a sabedoria é infinita, sempre tinha dúvidas, mas teve que aceitar que não saberia de tudo e resolveu esperar a hora certa de saber aquilo que não estava ao seu alcance ainda.

Os anos foram passando e em um primeiro dia de primavera Márcio sentiu subitamente uma dor no peito. Olhou para sua filha tentando se despedir, já prevendo o que iria acontecer. E assim como veio a dor foi embora e ele nada mais sentiu.

Márcio encontrou um anjo, que o conduziu até o céu. Lá ele soube que teria a oportunidade de ter uma breve conversa com Deus, na qual o Senhor lhe explicaria algumas coisas sobre sua vida. Esperou pacientemente sentado em um toco de árvore em um gramado com uma bela vista para um lago com alguns morros ao longe. O Senhor veio até ele e os dois foram caminhar à beira do lago.

- Agora você pode fazer uma pergunta sobre a sua vida na terra, falou Deus.

Márcio fez menção de abrir a boca, mas o Senhor o interrompeu:

- Pense bem na sua pergunta. O que está acontecendo com a sua família você poderá saber logo que terminarmos de conversar e posso lhe adiantar que eles estão bem. Procure perguntar algo que não poderia descobrir sozinho.

Após pensar um instante, Márcio perguntou:

- Minha vida inteira eu tive dificuldade de saber o que era ilusão e o que era real. Em algum momento da minha vida eu acreditei nas coisas verdadeiras?

- Márcio, nem tudo em que as pessoas acreditam é verdadeiro e nem tudo de que elas duvidam é ilusão. A ilusão máxima na vida de uma pessoa é pensar que pode saber toda a verdade. O destino da tua vida era saber isso e, apesar de você ter demorado um pouco, aprendeu como se deve agir, refletindo sobre tudo e respeitando quem não acredita no mesmo que você. Os homens vivem em um mundo material e têm pouco tempo para descobrir toda a verdade. Ao longo de toda a história, poucos conseguiram saber muito. Alguns deles pagaram um preço muito alto por ter essa sabedoria, enquanto outros, por causa do momento e do lugar onde viveram não. Porém todos tiveram que abrir mão de muitas coisas em troca, pois toda sabedoria têm um preço. Nenhum deles conseguiu transmitir de forma plena tal sabedoria a nenhum discípulo porque as pessoas só podem saber aquilo que querem e podem. Ninguém pode adquirir uma sabedoria que não seja destinada a si.

Deus continuou:

- A partir de agora você terá todo o tempo do mundo para chegar à sabedoria completa, mas antes quero que você saiba de uma outra verdade da qual se questionou muito tempo e parou quando percebeu que não teria resposta. Sempre quis saber porque um Deus de amor permite a dor e o sofrimento, eis a resposta. Na vida existem 3 dores que ninguém pode deixar de sentir: a dor de nascer, a dor de crescer e a dor de morrer. Todas as outras só são sentidas porque as pessoas querem e isto faz parte do livre arbítrio. No entanto a dor e o sofrimento têm sua função. Através delas as pessoas podem perceber que o mundo não é perfeito, pois somente conhecendo a imperfeição se pode conhecer o que é perfeito. Somente vivendo como homem você pode conhecer a Deus.

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