Você é meu Natal preferido

E, de repente, tudo o que eu sentia por ela, volta como se fosse uma tempestade repleta de memórias nossas. As datas comemorativas são sempre nostalgias ambulantes em minha vida sobre uma vida que já não volta mais. Não agora, pelo menos. Hoje em dia as coisas mudaram. Ela já vive a vida dela do jeito que ela queria; e eu, a minha, mas não do jeito que eu sempre quis.

Eu sempre sonhei com o mundo em minhas mãos, e ela, comigo, segurando-a pela mão. Nossos ideais tinham uma mania impertinente de se chocarem e, consequentemente, nós nos chocávamos o tempo inteiro. Nós brigávamos e ficávamos sem nos falar, mas o sentimento era tão grande que, 10 minutos depois, estávamos abraçados e nos beijando. Adorava deixa-la zangada só para ter mais uma desculpa esfarrapada para alinhá-la aos meus braços e poder beijá-la sem me preocupar. Com ela, eu pude dizer que eu senti amor e talvez, por amar demais, eu me lembre dela frequentemente.

Lembro em todas as datas comemorativas. Dessa vez, a data comemorativa é o natal e, com ela, eu tive o melhor natal de toda a minha vida e, por incrível que pareça, eu não passei ao lado da minha família.

Já passava da meia-noite, eu estava em casa, deitado na minha cama, assistindo a vídeos repetidos de músicas que eu escutava diariamente e quem via, sempre perguntava:

“Tu não cansa de ouvir essa músicas, não?”.

A resposta era sempre a mesma:

“Não, porque eu amo essas músicas, e é impossível eu enjoar de algo que eu amo”.

Então, analisando essas minhas respostas, há uma para explicar os pensamentos pertinentes sobre ela:

Eu amo idealizar um futuro com ela mesmo não estando juntos e amo lembrar um passado que eu não voltarei a viver.

Meus pais haviam viajado e eu sempre odiava viajar com eles, pois sempre ficava sem nada para fazer, já que nunca pude consumir nenhuma daquelas bebidas alcoólicas ou fumar um daqueles cigarros para, pelo menos, ter a falsa sensação de estar me divertindo com drogas que tirariam minha vida. Talvez fosse apenas uma metáfora:

“Consumir drogas para, então, morrer e sair daquele caos que era viajar e fica repleto de familiares que eu nem lembrava o nome”.

Porém, dessa vez, eu pude ficar em casa. Meu natal seria baseado em filmes, séries, celular e muita comida industrializada. Pelo menos, era assim que eu imaginava. Por volta das 16 horas da tarde, ela me mandava uma mensagem.

ELA - Vai passar o natal aonde?

EU - Em casa, vendo série e filme.

ELA - Hm… Quer vir passar aqui em casa? Pelo menos, tu vai ter alguma coisa para jantar.

EU - Tá bom, pode ser. Que horas?

ELA - Assim que acabar o culto. Porém, você terá que ir também, porque vamos direto de lá.

(Eu odiava ir para a igreja e odiava mais quando eu era obrigado a olha-la, todos os domingos, vestida como uma princesa)

EU - Tá bom, eu vou.

Pegava a única calça que me servia, uma blusa de botão amarela com uns detalhes azuis e meu tênis. Já arrumado, recolhia um dinheiro do meu cofre, pegava meu celular, as chaves de casa, fechava a porta do meu quarto, me despedia do meu cachorro e fui à parada esperar pelo ônibus. Assim que ele chegou, subi e fui em direção ao terminal. Chegava ao terminal e pegava o que me levava até a igreja. A partir daquele momento, seria questão de tempo até eu voltar a olhar nos olhos dela.

Chegava ao local e o culto não havia começado ainda, mas ela já estava lá.

Ela estava linda.

Ela usava aquelas roupas de obreira de igreja e, por incrível que possa ser, ela continuava incrível. Então, ela vinha até mim e me via rindo por conta da roupa. Ela ria também e me dava um abraço. Eu sempre me sentia seguro nos braços dela e, dessa vez, não havia sido diferente. Em seguida, ela mostrava onde estava sentada e eu ia até lá. Enquanto o culto não começava, eu a observava de longe, conversando com suas amigas. Sempre que eu ia à igreja, eu nunca prestava atenção no que o pastor falava. Meu foco sempre era ela.

Nada havia mudado.

O pastou começava a pregar, ela estava ao meu lado e eu preferia ouvir a voz da respiração dela do que as palavras que eram ditas de cima do altar. Naquele culto, a única parte que prestei atenção foi quando o pastor disse as seguintes palavras:

“Agora, segurem na mão do irmão que está ao seu lado…”.

Então, a gente se olhou, demos um sorriso tímido e juntamos as mãos. Era possível sentir todo o sentimento dela por mim em apenas um aperto de mão. As mãos entrelaçadas eram um retrato de como nós nos pertencíamos. Quando o pastor voltou a falar, Deus que me perdoe, mas eu fiquei triste com aquela notícia. Eu queria ficar ali, segurando-a pela mão, firme e forte como estava, como definia meu sentimento por ela. Soltamos nossas mãos e ela voltava o olhar ao pastor. O tempo passava e o culto, enfim, chegava ao fim. Então, quando o pastor disse as últimas palavras e desejou inúmeras coisas para nós, naquele natal, era hora de ir para a casa dela. Lá, foi onde a magia do natal aconteceu. Naquele ano, eu não havia pedido nada, mas, de alguma maneira, Ele devia ter lido meus pensamentos e achou que ela seria o presente ideal. Talvez ele tivesse acertado…

Chegávamos ao condomínio dela e eu logo sorria. Aquele lugar havia marcado minha juventude e eu jamais esquecera. Fomos até o elevador, acompanhado da família dela, e esperávamos por ele. Entravámos e aguardávamos-o até chegar ao andar dela. Um silêncio ensurdecedor naquele pequeno espaço. Os olhares, conhecidos há tempos, percorriam minha face que aparentemente demonstrava muito desconforto com toda aquela situação e que me encaravam com sinais de desaprovação, já que não era a primeira vez que eu estava ali sem ser comprometido com ela, a caminho da casa dela. Ela abriu a porta e recebi um abraço sincero do único ser vivo além dela que gostava de mim: sua cadela. Ela estava tão feliz. Latia de alegria, virava o corpo para eu fazer carinho na barriga dela e me lambia o tempo inteiro. A alegria que a cadela demonstrava era a que eu sentia por dentro. Eu pertencia àquela casa mais que a qualquer outro lugar. Eu pertencia a tudo que envolvia ela. Eu pertencia a ela. Então, ao parar de dar atenção à cachorra, levantei os olhos e me deparava com a sua família inteira naquela sala pequena. Em torno de 10 pessoas, num pequeno espaço, esperando a ceia de natal ser servida. Pessoas da família, que, por mais incrível que pareça, eu fiquei aliviado em vê-los. Nenhuma daquelas pessoas sabia da minha história, nenhuma daquelas pessoas sabia quem eu era. Aquelas pessoas não sabiam do quanto eu fiz aquela garota de olhos claros e pele morena sofrer. Eles não faziam ideia do que nós passamos e eu ficava aliviado sempre que me lembrava disso.

Começaram a servir as refeições e eu estava lá, preso naquela sala com aquelas pessoas desconhecidas, cercado de olhares curiosos. Eu estava sentado na ponta de um dos sofás que aquela minúscula sala possuía e estava prestes a explodir com tantas vozes ao redor. Era o grito do irmão da garota, o choro do bebê no colo da tia, os tios dela falando alto, os pratos batendo na mesa, os talheres encostando-se aos pratos. Eram, agora, barulhos que realmente enlouqueciam. Enquanto os sons diferentes misturavam em uma só sintonia, eu segurava o prato em minhas mãos e fazia o possível para terminar de comer toda aquela comida que havia ali.

Eu queria sair dali.

Se eu ficasse mais tempo naquele pequeno espaço, eu enlouqueceria e sairia correndo. Passado alguns minutos, eu já havia terminado tudo o que havia no meu prato e devorado a sobremesa que ela, minha adorável garota, havia colocado para mim. O alívio naquela noite veio quando ela, com um simples sinal, disse:

- Vamos lá para baixo.

Eu apenas assenti.

Entramos no elevador e falamos pouco até lá. Só falávamos sobre as comidas, os parentes, coisas inúteis e que não significavam nada naquele momento. Não enquanto tivéssemos um ao outro. O elevador chegava ao térreo, as portas se abriram e saímos. Então, ali estávamos. Lado a lado.

Naquela noite, nós não estávamos juntos, não éramos um casal como antes. Naquela noite, éramos apenas dois loucos apaixonados que, por desobediência, estavam separados.

Caminhamos em silêncio até a praça que havia no prédio dela. Parecia a primeira vez que havíamos ido juntos até lá. Nessa ocasião, a noite já estava totalmente presente e, embora não estivéssemos juntos, a noite, depois de meses, não parecia sombria. Aquela noite de natal era maravilhosa. Era maravilhosa porque, de todos os presentes possíveis, eu tinha o que eu mais desejei ter durante aquele ano.

Então, caminhávamos pelo playground que havia ali até chegarmos a um dos bancos, e não, não era o banco que sempre ficávamos quando éramos um casal. Sentamos em banco onde a iluminação de um poste, logo atrás de nós, podia nos iluminar. Talvez pudessem tirar aquele poste dali e deixar somente o brilho daquele sorriso ou daquele olhar quando se virava a olhar para mim. Ela continuava sendo a garota mais linda da minha vida e eu nunca me conformei que havia a deixado ir embora da maneira como ela foi. Mas, naquela noite, eu não queria lembrar absolutamente de nada. Não enquanto eu estivesse com ela, abraçada, ao meu lado. Meus olhos estavam vidrados nos olhos dela, minha boca estava tão próxima da dela que seria pecado da minha parte se eu não encostasse meus lábios nos dela. Os olhos esverdeados dela traziam a calmaria das árvores num parque onde eu tinha acostumado a caminhar aos domingos sempre que sentia a pressão do mundo cair sob minhas costas e, por isso, ela era a pessoa que eu mais amava. De alguma forma, eu sabia que ela seria a mulher da minha vida. Só não sabia quando.

Então, fitados um no outro, foi possível ouvir uma música distante e, num piscar de olhos, eu estava de pé e com a mão esticada para ela, esperando que ela cedesse. Ela cedia e vinha ao encontro dos meus braços. Uma mão na cintura dela, uma mão no meu ombro e as outras mãos entrelaçadas. Então, a passos curtos, dançávamos. Dançávamos ao som de uma música distante, rimos alto, tropeçávamos inúmeras vezes, trocávamos olhares, sorrisos, até que, por fim, trocávamos o nosso beijo.

Foi um beijo que tirou toda a dor que eu sentia no meu peito, toda angustia. Tirou todos os sentimentos ruins de mim naquela noite e era mais uma das razões pela qual eu a amava. Mas, infelizmente, demoramos demais para cometermos tal delito e estava na hora de eu ir para casa. Dessa vez, eu não queria ir. Dentre todas as vezes que eu estive com ela, essa foi, de longe, a que eu mais queria ficar. Eu não queria ter que abandoná-la novamente como eu sempre fazia. Eu queria ficar ali, abraçado com ela, ouvindo-a falar de todos os problemas da vida dela, beijando aquela boca carnuda que me deixava louco. Eu queria tê-la pelo resto da minha vida, mas nem tudo nos é permitido. Minha hora chegou e, com dor no coração, larguei-a naquele mundo dela e já não sabia quanto tempo demoraria a vê-la, já que iria viajar assim que acordasse no dia seguinte.

Talvez, na semana seguinte, ela esquecesse o que aconteceu e agiria normalmente comigo.

Talvez…

Mas eu não queria pensar nisso. Eu estava sorrindo como uma criança. Mas, ao contrário da maioria das crianças, minha alegria era completamente diferente. Eu sorri, mas não foi só com os dentes. Eu sorri com o coração naquela fria noite de natal.

Jarbas S
Enviado por Jarbas S em 04/01/2017
Reeditado em 11/07/2018
Código do texto: T5871425
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