Roberto

Dedicado a Marília. Descanse em paz, doce senhora

Eu o conheci quando éramos dois adolescentes bobalhões e nem sabíamos direito o que era a vida. Ele, filho único de pais com uma boa condição social; eu, filha única de mãe solteira, que lutava para pagar as contas.

Seus olhos eram verdes... bem, havia dias em que eram cinzentos, mas o verde prevalecia. Seus cabelos eram castanhos bem escuros e seu sorriso era radiante.

No início a gente brigava muito! Meu primo, que era amigo dele, que apartava nossas brigas. Ele tinha o poder de me irritar, pegava no meu pé por causa de tudo, por eu não saber andar de bicicleta, por eu não poder sair sozinha, por um monte de coisas que ele inventava e que eu não podia aturar.

O tempo foi passando e a gente foi mudando. Fomos ficando menos briguentos, conversávamos mais e agora ele não implicava mais comigo quando eu cometia minhas “cagadas”.

Eu tinha 14 anos, ele 15, quando a gente descobriu que gostava um do outro. Era um namoro esquisito: a gente ficava de mãos dadas e... só. Bem, no início era assim. O primeiro beijo não foi com ele, mas com um garoto xexelento chamado João Batista, que estava quinhentos anos atrasado na minha escola. Foi emocionante, mas hoje eu fico pensando em como tive coragem de beijar aquele seboso. Mas eu e Roberto ainda não estávamos no nível de nos chamarmos de namorados. Meu primo é que insistia nisso. Eu nem falei em casa, apenas encontrava com ele na saída da escola e ele me deixava na entrada de minha rua.

Com o passar dos anos, tudo foi se modificando. A gente já se beijava, já se dizia “eu te amo”. Ele continuava me sacaneando, mas de um jeito carinhoso e até tinha orgulho de minhas proezas, de minhas notas na escola. Os pais dele já me conheciam e gostavam muito de mi. Diziam que eu o colocava “na linha”. Eu chegava na casa dele (sim, a um certo momento eu já ía lá) e fazia com que ele recolhesse cada peça de roupa que deixava largada pela casa, cada copo sujo de suco ou refrigerante e colocasse na pia. Dizia que sua mãe não era escrava e, secretamente, ela sorria com isso.

Fizemos vestibular. Ele passou para medicina em uma Federal. Seu pai era médico e ele queria seguir os mesmos passos. Eu também fiz vestibular para medicina, mas não consegui pontos suficientes, então fui fazer biologia marinha em uma faculdade particular, que minha mãe se matava para pagar.

A partir desse momento tudo começou a mudar. Ele, antes tão carinhoso e amoroso, começou a ficar mais exigente em nosso relacionamento. Ele queria que a gente transasse, mas eu não estava preparada, mesmo amando-o como eu amava. Não era o meu momento. Ele, meu amor, meu amigo, começou a ficar mais intolerante e distante. A gente começou a brigar.

Um belo dia, meu primo veio me contar uma “novidade”. Ele começou, cheio de receio com minha reação. Roberto, o meu Roberto, havia engravidado uma garota. Se fosse hoje em dia, tudo seria acertado com ele reconhecendo a paternidade e dando uma pensão à criança, mas naquela época as coisas eram diferentes. Carla era filha de um sócio do pai de Roberto em uma clínica que os dois tinham em uma outra cidade. O homem havia exigido que eles se casassem. Naquela época, o mundo era um poço muito maior de hipocrisia.

Eu fiquei desesperada! Como ele pôde me trair assim? E o pior é que eu soube por uma terceira pessoa.

Ele bateu no meu portão naquela tarde. Só eu e minha avó estávamos em casa e minha avó estava deitada. Abri a janela e o mandei embora. Ele me pedia perdão, transtornado. Mas como eu poderia perdoá-lo? Não via saída para nós dois e eu nunca aceitaria dividir. Joguei uma almofada de retalhos na cara dele. Ele se foi e a levou consigo.

O tempo passou, ele se casou e logo seu filho Filipe nasceu. Era um garotinho lindo! Roberto ficou apaixonado. No entanto ele nunca viveu de verdade com Carla. Assim que se casaram ele foi morar em Copacabana com um colega de faculdade e ela ficou morando na casa dos pais dele.

Filipe estava com seis meses quando Carla foi embora. Fugiu com outro cara para o Espírito Santo. Roberto pediu o divórcio e a guarda do filho. Venceu as duas causas e sua vida mudou. Ele voltou a morar com os pais, formou-se e começou a trabalhar. Tinha que dividir bem o tempo, mas estava feliz. Sempre que nos encontrávamos ele insistia em voltarmos, mas eu nunca lhe dei uma chance. Eu dizia que não acreditaria quando ele dissesse que estava em um plantão tarde da noite ou que era para atender uma emergência quando saísse de repente. Eu perdera a confiança.

Filipe cresceu forte e inteligente. Roberto então o enviou para fazer um intercâmbio na Inglaterra. Ele tinha então 10 anos e ficaria na casa de alguns parentes de Roberto em Londres. Seriam apenas um mês de estudo e mais dois em que o menino ficaria com os tios, que passaram num átimo.

Naquela manhã de dezembro, Roberto foi buscar Filipe no aeroporto internacional do Galeão. E mais uma vez tudo mudou. Uma carreta destruiu seu carro, matando Filipe na hora. Roberto foi para o hospital e ficou em coma por duas semanas. Ele recobrou a consciência, mas ninguém lhe falou do que aconteceu a seu filho. Eu estava um caco. Ia e vinha do hospital e só sosseguei quando ele acordou.

Eu acordei no dia 26 de janeiro com uma sensação estranha. Fui trabalhar me sentindo mal. Quando desci no ponto de casa, já à noite, vi o pai de Roberto me esperando no ponto. Foi então que eu soube que ele, meu Roberto, o amor de minha vida, tivera uma parada cardíaca e viera a falecer fazia poucas horas.

Nos dias que se seguiram eu não tinha chão, emagreci, chorei. A mãe de Roberto literalmente enlouqueceu pela perda do filho e neto, únicos. Ela foi internada em uma clínica e falecer ainda perdida em seu delírio; o pai dele ainda vive. Está velhinho, mas ainda consegue andar com seus 83 anos. Eu o encontrei no último dia 26 de janeiro. Ele voltava da missa que mandara rezar em favor da alma do filho. Reconheceu-me e me abraçou. Estava junto com uma sobrinha neta, muito simpática. Chorei muito nesse dia.

Eu passei a detestar a cor verde, que me faz lembrar dos olhos luminosos de meu menino. E até hoje não consegui amar alguém como eu o amei. Tive namorados, casei, descasei, mas nada foi como ele e eu.

Se eu me arrependo de não ter lhe dado uma chance? Arrependo-me de não tê-lo perdoado sim, mas não sei se poderia estar com ele. Enfim, ele nem teve a chance de recuperar a minha confiança, pois eu não lhe dei.

No outro dia me perguntaram se eu havia encontrado o amor de minha vida. Sim, eu o encontrei e o perdi. Eu não sei se podemos ter mais de um amor na mesma existência, mas eu acredito que é muito complicado.

Eu só queria poder voltar o tempo e estar com ele apenas mais uma vez, sentir seus beijos e abraça-lo forte nem que fosse por um breve momento.

Rita Flôres
Enviado por Rita Flôres em 05/02/2017
Código do texto: T5903443
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