O amor e seus amantes

Era quase dia quando ela chegou ao seu apartamento. Eram por volta das quatro horas da manhã e ela chegava de mais uma festa que havia ido com suas amigas. Por lá, bebeu várias doses de bebidas alcoólicas, dançou a noite inteira, recusou inúmeros rapazes, ganhou centenas de cantadas, só deixou de sorrir quando chegou a hora de ir embora. Saiu da boate e pediu um táxi junto de suas amigas. Voltou para casa, conversando e rindo muito, lembrando-se de tudo o que aconteceu na festa durante o trajeto.

O carro parou em frente ao prédio. Ela se despediu, desceu do carro e entrou pelo portão. Teve a sorte de o elevador estar bem no andar de baixo e entrou. Selecionou o botão do seu andar, o décimo, esperou o elevador fechar e subiu. A tranquilidade que ela sentiu enquanto estava fora de casa começou a desaparecer enquanto o elevador passava pelo sétimo andar. Começou a lembrar dos seus problemas. Não de todo o estresse no seu trabalho, os imensos deveres da faculdade que tinha para entregar ou as constantes brigas com a sua mãe por ela ter se tornado independente tão cedo. Mas um problema mais sentimental, mais pessoal. Um problema que tinha nome, sobrenome, endereço, um sorriso lindo, um olhar penetrante e uma voz calma e grave. Um problema que se aproximou enquanto estava frágil, beijou intensamente seus lábios e corpo, cuidou como se fosse uma filha, enganou como se fosse uma criança inocente e foi embora como um pai covarde que abandona o filho por achar que não está pronto. A expressão facial dela ficou totalmente oposta da que estava presente ali por volta de cinco minutos antes. Olhou para o celular e viu que já estava quase na hora do sol aparecer. E também percebeu que era a hora que ele sempre ia embora, depois de passarem a noite juntos, explorando um ao outro.

Desbloqueou o celular e foi direto na lista de contatos. O número dele ainda estava salvo e cheio de corações - ela nunca teve coragem de apagar. Quando o elevador chegou ao seu andar, saiu pisando forte, sem tirar os olhos do celular, e ficou estática em frente a uma das janelas de seu andar para poder observar seu reflexo, sua expressão. Analisando seus detalhes, sentiu o seu coração acelerar e tremores nas pernas começaram a surgir. O desejo dela era ligar para ele, dizer que sentia saudade, que odiou o que ele fez com ela, mas que a vida sem ele não tinha sentido. Mas não achava que fosse uma boa ideia. Voltou a caminhar e entrou no seu apartamento. Com a respiração ofegante, largou o celular em cima da mesa, trocou de roupa, preparou um café forte e foi para o sofá, tentar assistir algum programa de televisão que tirasse sua atenção. Voltou o olhar para a mesa, viu o celular bem ao centro dela e percebeu que ignorar a existência dele era impossível quando sabia que o amava demais.

Com o celular já em mãos e televisão desligada, começou a discar e não hesitou quando apertou o botão verde para fazer a chamada. Até que poderia ter receio em ligar no momento, já que não fazia a mínima ideia do que dizer, mas ela estava decidida. O telefone chamava, chamava e ninguém atendia. Começava a surgir uma desilusão em seus pensamentos, até porque, depois de muito tempo, ela não achava que ele fosse ter o contato dela salva. No entanto, quando tudo parecia perdido, atenderam.

- Alô? - disse ela.

- Quem é que liga uma hora dessas para alguém? - disse a pessoa do outro lado do celular, com uma voz fina - a voz dele estava longe de ser dessa maneira.

O silêncio tomou conta da ligação. Os olhos dela começaram a encher de lágrimas e, então, já se sentindo perdida e desamparada, curvou suas pernas e abraçou seus joelhos, tentando se proteger da dor que sentia, mas sem tirar o telefone da mão.

- Alô? Alô? Amor, alguém está te passando trote. - disse a mulher com a voz fina.

- Qual o nome do contato? - disse o homem, ao fundo.

Assim que ouviu a voz grave, colocou o telefone no ouvido, ignorando o choro imediatamente.

- Sou eu. Ainda lembra-se de mim?- disse ela.

Ao escutar a voz dela, ele tomou o celular da mão da moça e colocou no ouvido.

- Por que você me ligou uma hora dessas? - disse ele.

A maneira como as palavras saíram da boca dele e atravessaram o telefone, chegando ao ouvido dela, a fez lembrar as noites em que dividiam o mesmo lençol. Mas o tom de sua voz, aparentemente, furioso, a fez parar de achar que ele ainda a amasse.

- Porque achei que seria uma boa ideia, fazia tempo que não falava com você, mas me enganei. Desculpa ter atrapalhado. Não vai se repetir. Prometo. - disse ela, soluçando e desligando o celular, em seguida.

- Alô? Alô? Espera! - disse ele, em vão.

Ele ainda tentou retornar a ligação, mas ela já tinha desligado o celular.

Assim que desligou, ela jogou o celular para o lado e começou a chorar. Chorou por acreditar que ele ainda a amava. Chorou por pensar que ele ia esperar ela voltar. Chorou por imaginar que os dois ficariam juntos para sempre. Chorou por achar que o "para sempre" existia. Chorou por amar alguém como ele. Chorou por mais de trinta minutos, e então, foi para sua cama, aos prantos.

Deitou-se e começou a lembrar dele. Só as mentiras dele apareciam na mente dela, naquele momento de fúria, de ódio, mas que, de alguma forma, ela sabia que eles não foram somente isso. Virou-se pela cama, na expectativa de revirar suas memórias e encontrar os momentos que a fizeram amá-lo - a estratégia deu certo. Lembrou todas as manhãs, tardes e noites que passaram juntos, a discussões bobas que se resolviam com um simples abraço dele e uns elogios que só ele sabia fazer com a boca próxima a sua orelha, as palavras de confiança que dizia a ela para que continuasse sonhando e acreditando que, um dia, teria tudo o que quisesse. Lembrou-se de tudo o que viveram. Dessa vez, a tristeza que sentia virou sorrisos. Sorriu porque se lembrou dos momentos felizes que eles tiveram naquele quarto, naquele apartamento, naquela relação. Ela sabia o que ele andava fazendo, mas, embora tenha feito todo aquele teatro minutos antes, ela sabia que havia errado em ligar, que não era o momento certo para tentar conversar com ele. Sabia por que nada podia apagar a história deles. Nem todo o choro ou raiva que ela sentia na hora ou alguma dessas garotas que não chegavam aos pés dela. Então, já sorridente, parou de chorar e se sentou na cama. Correu para o chuveiro, tirou a roupa, botou uma de suas músicas prediletas e tomou um banho para tirar o cheiro do álcool e da tristeza que havia nela.

Saiu do banheiro e foi direto se deitar. Naquela noite, ela dormiu feliz. Feliz por tudo o que passou, aprendeu, viveu e sentiu. Naquela noite, ela dormiu sorrindo e ele voltou a ser o motivo.

Jarbas S
Enviado por Jarbas S em 13/02/2017
Reeditado em 15/08/2018
Código do texto: T5910810
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